“Ele não tinha nada para comer”. Joaquin “El Chapo” Guzmán começou a traficar droga porque vivia na pobreza. Ajudava a vender laranjas e pães produzidos pela sua mãe, mas o dinheiro não chegava para tudo. Mas ao longo de três décadas traficou cerca de 200 toneladas de cocaína e outras drogas do México para Los Angeles, arrecadando uma fortuna que lhe permitiu praticar as maiores extravagâncias e tornar-se num dos maiores traficantes de droga do mundo. A história está agora a ser contada por Miguel Ángel Martínez — “El Gordo” –, uma dss testemunhas do maior julgamento por narcotráfico dos Estados Unidos, que arrancou no dia 13 de novembro.
Martínez era o braço direito de “El Chapo” no cartel Sinaloa entre 1987 e 1993, atuando como piloto encarregue de contactar os cartéis colombianos, diz o El Espanol. Para a droga ser transportada, contou no julgamento, eram utilizadas as mais diversas técnicas: desde um túnel secreto, passando por camiões de duplo fundo e acabando em latas de jalapeños — as conhecidas malaguetas da gastronomia mexicana.
Através de um túnel em Agua Prieta, na fronteira com os Estados Unidos, o cartel de “El Chapo” transportou, entre 1985 e 1990, entre 25 a 30 toneladas de cocaína por ano. Tratava-se de um local onde a polícia estava “controlada”. Por outras palavras: era subornada para manter o silêncio. Segundo Martinéz, nesta altura Guzmán era conhecido entre os cartéis colombianos como “El rápido” devido “à rapidez com que entregava a droga do México a Los Angeles”, explicou. Bastavam apenas 24 horas para a entrega ser feita.
Quando o túnel foi descoberto por outras autoridades, Guzmán foi obrigado a procurar outras formas para transportar a droga para Los Angeles e, para isso, serviu-se de latas de jalapeño para armazenar o produto. Em cada camião seguiam mais de 2.000 quilos de cocaína, colocada nessas latas. Em vez de conterem malaguetas, as embalagens tinham areia no interior, de forma a conseguirem chegar ao mesmo peso que o rótulo marcava.
Martínez explicou também que foram criados compartimentos secretos em carros, em tanques de gasolina e até mesmo sistemas hidráulicos colocados debaixo da cama, um deles localizado na residência de “El Chapo”, para encobrir o acesso a uma sala secreta onde a droga e o dinheiro eram guardados.
Um jardim zoológico privado e carros de luxo para os amigos
Em poucos anos, “El Chapo” passou da pobreza a uma riqueza que o permitiu possuir uma frota de quatro aviões privados, bem como várias mansões espalhadas pelo México, sempre junto à praia. “Ele tinha casas em todas as praias. E tinha ranchos em todos os Estados”, revelou Martinéz. De todo o dinheiro obtido com a droga, Guzmán ficava com 45% do valor, sendo os restantes 55% distribuídos pelos funcionários colombianos, que começaram por ser 25 e acabaram em 200.
Num dos seus ranchos em Guadalajara, Guzmán criou um jardim zoológico com tigres, leões, panteras e veados. “Os convidados percorriam-no num pequeno comboio”, explicou Martínez, acrescentando que foram gastos 10 milhões de dólares (cerca de 8,9 milhões de euros) numa casa em Acapulco. “Tudo isto foi graças ao boom da cocaína no início dos anos 90″, referiu ainda em tribunal, durante a sétima sessão do julgamento. “Foi o melhor negócio do mundo”.
“El Chapo” não passava os dias apenas entre o México e os Estados Unidos. À medida que o dinheiro aumentava, as viagens ao estrangeiro tornavam-se cada vez mais frequentes: “Estivemos no Brasil, Argentina, Europa, Japão, Hong Kong e uma vez ele foi à Suíça para fazer um tratamento de rejuvenescimento”, descreveu “El Gordo”. Ao todo, Guzmán gastava 12 milhões de dólares por mês, tendo ainda um iate chamado “Chapito” e pagava as despesas das suas “quatro ou cinco mulheres”. E se há quem desconfie de que isto seria possível, Martínez deu ainda outro detalhe sobre a vida extravagante: em dezembro recebeu ordens para “comprar 50 carros de luxo” para oferecer às pessoas que protegiam o seu chefe. “Eles podiam escolher entre três modelos: Ford Thunderbird, Mercury Cougar ou Buick”, acrescentou.
Para transportar o dinheiro da venda de droga até ao México, eram utilizados aviões privados que transportavam quantias até 10 milhões de dólares cada um. Mais tarde, esse dinheiro era colocado numa conta bancária ou trocado por pesos mexicanos no banco e quase nunca se faziam perguntas. “Se eles me perguntassem, eu dizia que era por causa de um negócio de exportação de tomate”, disse Martínez, revelando que o seu ordenado não fazia jus ao seu trabalho: por ano, recebia um milhão de dólares.
Dos subornos à guerra que acabou com a fortuna
Na primeira sessão do julgamento, Martínez afirmou que uma das pessoas que foi subornada para ajudar o cartel foi Guillermo González Calderoni, que tinha a seu cargo o escritório em Guadalajara, da direção geral de segurança da Procuradoria-Geral. Segundo o testemunho, “El Chapo” referia-se a e Calderoni como “amigo” e terá trabalhado com ele entre 1987 e 1992. Terá sido este funcionário que avisou o narcotraficante de que o Governo estaria a tentar intercetar os aviões que vinham da Colômbia com droga e dava informações sobre como evitar ser apanhado, revela o El Mundo.
Os tempos de fartura de “El Chapo” acabaram numa disputa sangrenta entre o cartel de Guzmán e o cartel rival de Tijuana, que terminou num tiroteio numa discoteca e com o assassinato do cardeal Juan Jesús Posadas Ocampo. O conflito gerou indignação no México e “todos ficaram famosos entre a imprensa e os políticos”, tornando-se muito difícil continuar o negócio normalmente, tendo em conta que as suas fotografias estavam em todo o lado. Guzmán foi preso antes de conseguir executar o plano de fuga para El Salvador, diz o The Guardian.
Quando estava na cadeia, em 1993, “El Gordo” assumiu temporariamente a fortuna e contactava com o seu patrão através de um telemóvel que conseguiu fazer entrar no estabelecimento prisional, também ele subornado.
“El Chapo”, considerado o traficante de droga mais poderoso do mundo desde a morte de Pablo Escobar em 1993, é suspeito de ter traficado para os EUA cerca de 200 toneladas de cocaína e outras drogas ao longo de três décadas. O julgamento decorre no Tribunal de Brooklyn, em Nova Iorque, depois de, em 2016, o governo mexicano ter conseguido a extradição do barão da droga para os EUA.