O tema “Artigo 13” e a etiqueta “#SaveYourInternet” tornaram-se nos assuntos mais populares do Twitter em Portugal na manhã desta terça-feira depois de Wuant [Paulo Borges], um dos YouTubers mais conhecidos do país, ter dito que essa legislação pode ser “o fim da Internet”: “Provavelmente, a Google deixará de existir como existe neste momento na União Europeia. Redes sociais como Instagram, Facebook, WhatsApp, o que seja, vão levar restrições e provavelmente poderão ser bloqueadas. E muita gente está a dizer que este é o fim da Internet e eu concordo”.

Wuant diz temer “o desaparecimento disto tudo”: “A nossa geração está preparada para uma cena assim? Nós não estamos prontos para lidar com o desaparecimento disto tudo. A nossa vida depende da Internet. É assim que nós comunicamos. Isso vai ser tudo bloqueado”.

A mensagem, divulgada esta segunda-feira, surge depois de Wuant ter recebido um email do YouTube a alertar que “a atual proposta do artigo 13 do Parlamento Europeu irá criar consequências não intencionais significativas”: “Imagine uma Internet na qual os seus vídeos já não podem ser vistos. Imagine uma Internet sem os seus criadores favoritos. Imagine uma Internet na qual novos artistas nunca são descobertos. Isso pode acontecer na Europa”.

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De acordo com o e-mail enviado pelo YouTube, o artigo 13 “ameaça impedir milhões de pessoas na Europa de carregar conteúdos em plataformas como o YouTube”: “Os visitantes europeus perderiam acesso a milhares de vídeos de todo o mundo”. Segundo Wuant, isto tem uma consequência imediata: “O meu canal vai ser apagado e provavelmente não vai ser o único”, diz ele no vídeo que já passou as 700 mil visualizações. E acrescenta: “Vocês sabem que a m**** é séria quando o YouTube manda um e-mail a dizer: ‘Olha, tens de falar sobre isto’. Se o YouTube está preocupado, eu também tenho de estar preocupado”.

Ora, o que o artigo 13 da diretiva relativa aos direitos de autor no mercado único digital diz é que plataformas como o YouTube ou o Facebook passam a ter mecanismos automáticos para impedir a publicação de imagens ou vídeos protegidos por direitos de autor. Quem está a favor dessa nova diretiva, como os músicos Paul McCartney ou Ennio Morricone, argumenta que a legislação defende a propriedade intelectual dos criadores e uma “justa compensação” por ela. E quem está contra, como a eurodeputada portuguesa Marisa Matias, afirma que ela vai  condicionar a liberdade de expressão ao filtrar o que chega à Internet.

Embora o texto final da nova diretiva relativa ao artigo 13 só seja avaliado em janeiro de 2019, depois de ter sido aprovado numa primeira fase em setembro, uma coisa é certa: sim, a Internet como a conhecemos pode mudar; mas não, não vai acabar. Wuant tem razão quando afirma que um utilizador pode não conseguir publicar uma fotografia do Shrek (uma personagem de um filme de animação da Dreamworks) porque essa imagem está protegida por direitos de autor e esse utilizador pode ser processado.

Ou seja, o artigo 13 implica que, se publicar uma fotografia de um amigo com uma t-shirt estampada com a marca de uma empresa, essa empresa pode processá-lo porque tem os direitos de autor da marca. Até alguém que publique piadas com as imagens de Theresa May a dançar pode sair prejudicado: a primeira-ministra britânica pode afirmar que tem os direitos de autor referentes à sua imagem e processar o autor dessas piadas. É por isso que wuant diz que o canal que tem no YouTube pode ser “apagado”, sob pena de ter de passar a gravar vídeos com uma parede branca como fundo e uma t-shirt preta sem qualquer tipo de identificação.

A liberdade na internet como a vivenciamos pode ser comprometida como um efeito da busca pela justiça a favor dos produtores de conteúdos, pelo menos conforme o artigo 13 está redigido neste momento (ainda vai ser alterado até janeiro de 2019). Mas daí até esse artigo simbolizar o fim da internet vai uma grande diferença. Em comunicado de imprensa, o Parlamento Europeu disse que “muitas das alterações à proposta original da Comissão Europeia pretendem garantir que artistas, nomeadamente músicos, intérpretes e autores de textos, bem como editores de notícias e jornalistas, sejam pagos pelo seu trabalho quando são utilizados através da partilha de plataformas como o YouTube ou o Facebook e agregadores de notícias, como o Google Notícias”.

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Mas o porta-voz do Parlamento Europeu também garantiu: “Tem havido muito debate em torno desta diretiva e creio que o Parlamento ouviu atentamente as preocupações levantadas. Assim, abordamos as preocupações levantadas sobre inovação excluindo pequenas e micro plataformas. Estou convencido de que, quando a poeira assentar, a Internet continuará tão livre quanto é hoje, os criadores e jornalistas estarão a ganhar uma parcela mais justa das receitas geradas pelas suas obras e estaremos a perguntar-nos sobre o motivo de todo este alarido”.

Apesar disso, Wuant também teme que as redes sociais saiam da União Europeia: “Por isso é que a Google e muitas outras empresas estão a pensar tirar o pé da Europa e deixar a Europa na m****. E eu não julgo o YouTube, não julgo a Google nem qualquer outra rede social”. E acrescenta: “Se isto for para a frente vamos começar a ter de usar alternativas ao YouTube, ao Facebook, ao Instagram, ao Snapchat, ao Twitter. Vão ser feitas redes sociais próprias apenas para a União Europeia. Isso vai demorar muito tempo a ser feito e até lá acho que ninguém vai ter paciência para aguentar”.

Tim Berners-Lee (considerado o pai da internet) juntou-se a outras personalidades — incluindo o fundador da Wikipédia, Jimmy Wales — para dizer que o artigo 13 pode mudar a internet como a conhecemos: para eles, a nova diretiva europeia é “um passo sem precedentes para a transformação da Internet de uma plataforma aberta para partilha e inovação numa ferramenta para a vigilância automatizada e controle de seus usuários”. “O dano que isso pode causar à internet livre e aberta como a conhecemos é difícil de prever, mas nas nossas opiniões poderia ser substancial”, diz a carta aberta. Mas nenhum deles condena a internet em si à morte.

Artigo 13 é “boicote” dos media e das produtoras, diz YouTuber

Wuant afirma que há dois mundos a fazerem pressão para a aprovação do artigo 13: os meios de comunicação social e as produtoras de música. “Isto é um boicote dos media tradicionais, dos labels de música tipo Sony e Universal porque supostamente não estão a ganhar dinheiro suficiente. As labels acham que não estão a ganhar dinheiro suficiente do YouTube, então estão a tentar há imenso tempo que esta lei ande para a frente para poderem realmente fazer o dinheirinho que merecem. Porque já não são multimilionários, não têm bilhões e bilhões de euros. Não, querem mais”, afirma o YouTuber.

O YouTuber também fala do artigo 11 — que diz que “serviços em linha são proibidos de permitir ligações a serviços de notícias nas suas plataformas, a menos que obtenham uma licença” — para explicar como os “media tradicionais” têm a ganhar com a aprovação das novas diretivas europeias: “Ninguém pode criar hiperligações de notícias porque senão podem ser processados. Onde é que esta m**** faz sentido? ‘Partilhaste o link do meu site. Vou-te processar’. Estás parvo?'”, diz Wuant no vídeo.

Segundo ele, quem não sai prejudicado com os artigos 11 e 13 são “a televisãozinha, os jornais, os sites de notícias”: “Isto é uma coincidência? Não, claro que não é. Claro que convém aos media tradicionais, como a televisão ou os sites de notícias e tudo o mais, irem para a frente com esta lei porque eles sabem que vão prejudicar e eliminar a concorrência. Porque nós, YouTubers, somos concorrência para a televisão. Não digo isto de ânimo leve, acho que ganhávamos mais em estarmos juntos do que sermos inimigos. Mas se a guerra que a televisão quer, a televisão já comprou a guerra” E acrescenta: “As notícias não estão a falar disto, a televisão não está a falar disto. É só pensarem porque é que não se está a falar disto, pessoal”.

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