É impossível falar da moda dos anos 90 sem ir dar a este nome: Courtney Love, um ícone do grunge, marcou uma década inteira com o seu estilo arrojado e, muitas vezes, escandaloso. Mas a vida continua e de símbolo de vanguarda, no que toca à moda, Courtney evoluiu para uma silhueta de contornos clássicos, fã de primeira fila de marcas e criadores como John Galliano, Christian Dior, Givenchy e Alexander McQueen. Algumas dessas peças estão agora a ser vendidas na plataforma Heroine, a preços que vão dos 65 aos 1.415 dólares (dos 57 aos 1.235 euros). Tal como os comuns mortais, também uma celebridade planetária como Love precisa de limpar o guarda-roupa.

“O armário de uma mulher deve ser algo vivo. É quem tu és. Mesmo que seja River Island e Primark, continuas a ter o teu registo e as tuas cores. E se estás a tentar meter-te dentro daquela saia de lantejoulas que nunca usas, acho que tens de deitá-la fora. Não preciso assim tanto das coisas. As coisas que já deixei de usar estão a ir todas fora”, afirmou Courtney Love ao The Guardian, a propósito da venda da peças.

Há cerca de um mês, Courtney Love na LACMA Art + Film Gala, em Los Angeles, e usou um vestido Gucci, em seda e cristais © Emma McIntyre/Getty Images for LACMA

“Adoro moda e adoro partilhá-la com os outros — por isso, apesar de manter algumas peças com mais carinho do que outras, não vou me agarro a bens materiais. Quando chega a altura de me desfazer de alguma coisa, faço-o com prazer, pois acredito que, no final, a roupa deve ser usada e exibida de forma a que a sua beleza seja vista”, explicou numa entrevista ao site Heroine.

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Esta não é a primeira vez que vende roupa online. Em 2011, Love já se tinha desfeito de algumas peças no eBay, depois de uma seleção feita dentro do próprio guarda-roupa, um processo que descreve como catártico. Aos 54 anos, a viúva de Kurt Cobain descreve uma relação sui generis com a roupa. Há conversas e, aparentemente, um entendimento mútuo entre as peças e a sua portadora. “Falo com as minhas roupas. Digo: ‘Queres ir embora durante uns tempos? Wendy, volta!’ Tem sido assim que a minha loucura vem ao de cima, fico em frente ao armário a perguntar às minhas roupas como é que estão”, contou na entrevista ao jornal britânico.

Enquanto musa, Courtney Love também coleciona alguns troféus. Uma história que começou com Marc Jacobs, embaixador do estilo punk e grunge dos anos 90, que em 1993 se inspirou na dupla Cobain e Love para desenhar uma coleção para a Perry Ellis. Quis o destino, neste caso a marca, que as peças fossem queimadas, precisamente por serem demasiado arrojadas. A fase seguinte ficou marcada pela relação com Gianni Versace. O génio italiano acabou por redefinir o estilo da estrela norte-americana, um processo que teve o seu ponto alto nos Óscares de 1997, quando Love desfilou na passadeira vermelha com um vestido branco e acetinado, assinado pelo designer.

Em 1997, desfilou na passadeira vermelha dos Óscares, a propósito da sua prestação no filme The People vs. Larry Flynt, com duas nomeações. O vestido foi desenhado por Gianni Versace, menos de um ano antes do seu assassinato © HECTOR MATA/AFP/Getty Images

A partir daí, a rapariga que, outrora, comprava roupa na Topshop e na Urban Outfitters, começou a construir uma relação com as grandes marcas de luxo europeias. John Galliano, Vivienne Westwood e Yves Saint Laurent foram favoritos. Ao The Guardian, relembra o encontro relâmpago com Karl Lagerfeld no lobby do Mercer Hotel, em Nova Iorque, num dia em que estava a usar um tutu.”[…] o Lagerfeld olhou para mim e disse: ‘Não vais acabar na cama de ninguém com um tutu’. Fui para o meu quarto, afastei todas as porcarias ultrapassadas para o lado e encontrei um vestido azul Miu Miu, um lindo casaco toupeira e vesti-o. Acabou ali. E fui para a cama, foi ótimo”, conta.

Além de grandes marcas (ainda há um mês, Courtney usou um longo e vibrante vestido amarelo da Gucci, numa gala em Los Angeles), o estilo e o guarda-roupa de Love também espelham um gosto pelo vestuário de outras épocas. Adepta dos tesouros vintage, brilhou em vestidos eduardianos, rendas e franzidos. O vício persegue-a até hoje. “Passo horas nesses sites e noutros a aprender mais e mais sobre roupa vintage […] Mais recentemente, interessei-me por peças como o vestido Delphos, de Mariano Fortuny, original do início do século XX”, continua.

De figura transgressora a símbolo de elegância, a seleção de 42 peças agora à venda mostra a evolução do estilo de Love. Limpar o armário e cultivar o desapego parecem ser os pressupostos da ação, que também tem um lado solidário. Uma parte das receitas reverte para a Stand for Courage, associação anti-bullying presidida por Nicole Rodriguez, irmã de Courtney.