Não foi a EDP quem propôs Manuel Pinho para professor no curso da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, patrocinado pela elétrica. A garantia foi dada pelo administrador da empresa, João Manso Neto, esta terça-feira na comissão de inquérito às rendas da eletricidade.

“Não foi a EDP que sugeriu a sua contratação (do ex-ministro da Economia), foi a universidade”, disse Manso Neto. O gestor contou que a universidade americana pediu a colaboração da EDP para patrocinar uma pós-graduação sobre política energética. E na resposta à disponibilidade manifestada pela empresa, “manifestaram a intenção de que o primeiro professor fosse Manuel Pinho. Foi assim que soubemos”, afirmou João Manso Neto.

Questionado pelo deputado do Bloco de Esquerda, Jorge Costa, o administrador confirmou: “A iniciativa de convidar Pinho como professor foi da universidade. E a EDP relaciona-se com a universidade. Parece-me tudo normal. O acordo dá-se quando a EDP concorda em dar este patrocínio. (…) Vendo o filme daqui não acho nada estranho”.

O deputado do PSD, Jorge Paulo Oliveira, quis saber porque decidiu a EDP dar um patrocínio de 1,2 milhões de dólares a Columbia?A EDP, lembra Manso Neto, fez um grande investimento nos Estados Unidos — a compra da empresa de energias renováveis Horizon em 2007 — e na altura a defesa das renováveis não era comum no país. A ideia de ajudar a mudar mentalidades “fazia todo o sentido”. É um investimento de 1,2 milhões de dólares em quatro anos “não é nada de extraordinário”.

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E Manuel Pinho tem estatuto e notoriedade para tal? “Acho que Manuel Pinho tem currículo do ponto de vista intelectual” e lembra o papel que desempenhou em 1994 como diretor-geral no lançamento do mercado de dívida pública. O ex-ministro da Economia será ouvido na comissão esta quinta-feira.

A contratação de Manuel Pinho, pouco depois de ter deixado o cargo de ministro da Economia, para dar aulas num curso com patrocínio da EDP, numa das mais prestigiadas universidades americanas, é um dos factos que sustenta as suspeitas de favorecimentos à elétrica nas decisões tomadas pelo Governo liderado por José Sócrates e onde Pinho teve a pasta de energia entre 2005 e 2009. O tema tem sido investigado no quadro do inquérito judicial que levou já à divulgação de mails entre a EDP e a universidade americana, mas não é a questão central para a comissão parlamentar de inquérito.

“O conceito de rendas excessivas não existe e resulta de más interpretações e erros”, defendeu o administrador da EDP na comissão parlamentar de inquérito às ditas. Na sua intervenção inicial, João Manso Neto considerou mesmo que a elétrica até foi prejudicada com a passagem para o regime dos custos de manutenção do equilíbrio contratual, os famosos CMEC que têm estado no centro da discussão sobre as alegados decisões de Governos que favoreceram a elétrica.

Numa longa intervenção inicial, o administrador da EDP começou por afirmar que a interação da empresa “com todos os Governos” em matéria legislativa era “natural e inevitável”. E afastou a existência de uma relação privilegiada com os Governos de José Sócrates, altura em que foi concretizada a legislação que definiu as regras finais do modelo CMEC, pelo qual a elétrica recebeu compensações anuais em relação aos preços de venda da energia em mercado.

Manso Neto defendeu ainda que o conceito de rendas excessivas nasceu em dois momentos: primeiro com o estudo encomendado em 2012 pelo então secretário de Estado da Energia, Henrique Gomes. E depois em 2017 com um estudo apresentado pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) que apontava para ganhos de 510 milhões de euros obtidos pela elétrica com a passagem dos contratos de aquisição de energia (CAE) para os CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual), uma mudança que atribui a imperativos da Comissão Europeia.

“Se quisermos ser muito rigorosos”, EDP foi prejudicada em 740 milhões

Numa longa e muito técnica exposição aos deputados, o gestor da EDP que há mais tempo acompanha este tema, começou por questionar os pressupostos e critérios técnicos adotados por estes dois estudos, nomeadamente a nível de taxas de desconto usadas para calcular a remuneração de ativos que, realça Manso Neto, deviam ser distintas porque os riscos também eram  distintos. E o risco associado aos CMEC era maior do que existia nos CAE, sublinhou, lembrando que os outros produtores não quiseram mudar para este regime.

“É um estudo (o da ERSE) que, do meu ponto de vista, não tem fundamento nenhum”, conclui em relação aos cálculos do regulador que também apontaram para um ganho de 285 milhões de euros nos valores pagos à elétrica ao abrigo dos CMEC devido a aspetos inovatórios introduzidos em 2007. A EDP já foi notificada para devolver este valor por decisão do anterior secretário de Estado da Energia e reconheceu a perdas nas contas, apesar de tencionar contestar.

A EDP conseguiu a neutralidade financeira? Para Manso Neto, nem por isso. Nas contas do gestor, o balanço da mudança do regime contratual foi negativo em cerca de 740 milhões de euros. Uma parte deste valor resultou da opção da empresa em reduzir o valor inicial da componente fixa dos CMEC durante os anos da troika. “Aceitamos porque achámos que em 2012 estava toda a gente a fazer sacrifícios e os nossos acionistas também tinham de o fazer”.

Mas a maior fatia, de 500 milhões de euros, resultou de alterações regulatórias que, segundo João Manso Neto, materializaram o tal risco acrescido associado ao modelo dos CMEC.

“Se quisermos ser muito rigorosos a EDP até foi prejudicada”, destacando também a introdução de custos novos que deviam ter sido reajustados e que não foram, como a tarifa social da eletricidade. “Onde estão as rendas excessivas? Em lado nenhum. “Os números são estes, as metodologias são estas”. E remete para a Comissão Europeia e para os estudos do economista João Duque (feitos para a EDP) que validam as contas que apresentou.

Que Manso Neto saiba não houve champanhe na EDP para celebrar saída de Henrique Gomes

João Manso Neto desmentiu que se tenham aberto garrafas de champanhe na sede da EDP para comemorar em 2012 a demissão de Henrique Gomes, o secretário de Estado da Energia que bateu com a porta porque não teve margem política para cortar as rendas da elétrica que na altura estava a ser privatizada. Questionado sobre a relação entre o estudo encomendado por Henrique Gomes à consultora Cambridge, e que já defendeu ter dados errados, e a demissão deste governante, o administrador da EDP garantiu que “nada disto tem a ver com a razão porque se demitiu”.

O deputado socialista Hugo Costa confrontou o administrador da EDP com uma afirmação feita pelo ex-ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, segundo a qual se teriam aberto garrafas de champanhe quando Henrique Gomes deixou o Governo PSD/CDS.  “Que eu saiba não se abriram garrafas de champanhe na EDP. Essa comemoração não existiu”.

Manso Neto afirmou que trabalhou com Henrique Gomes na elaboração de um diagnóstico para o setor elétrico. E apesar de reconhecer que a EDP discordou de algumas componentes do diagnóstico, mas nunca houve um conflito. Houve uma discussão e diálogo muito saudável sobre metodologia, apesar de nem sempre concordar com soluções. Um dos erros apontados a este estudo era a utilização da mesma taxa de desconto para riscos diferentes.

EDP faz propostas de legislação, mas quem decide é o Governo

A EDP teve sempre uma interação grande com vários governos em matéria de legislação, afirmou o administrador da empresa, João Manso Neto. Essa “interação é inevitável, natural e não poda deixar de ser.”, sublinhou o gestor da elétrica esta terça-feira na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas da eletricidade.

Um desses temas foi o prolongamento do prazo de exploração de 27 barragens em 2007, cuja contrapartida paga pela EDP era inferior ao valor defendido pela REN. Questionado por Jorge Paulo Oliveira, do PSD, sobre porque chegou a dizer ao Governo que havia um acordo com a REN, para pagar um valor mais alto, Manso Neto admitiu que cometeu um erro nessa informação remetida ao então secretário de Estado, Castro Guerra. “As simulações que enviei ao secretário de Estado tinham um erro.” E acrescenta que enviou outra versão corrigida. O gestor voltou a questionar a aplicação da mesma taxa para riscos diferentes, lembrando que a REN não é especialista em taxas de juro.

Na sua intervenção inicial, João Manso Neto realçou que estavam em causa alterações de contratos em que a EDP era parte parte e havia grandes investimentos a fazer. “A EDP participou de forma aberta em todo o processo legislativo, como não poda deixar de ser”. Com testemunhos e com documentos escritos, reconheceu a propósito do decreto-lei que materializou os CMEC em 2007.

Segundo o gestor, a abordagem da EDP “procura sempre defender os interesses da companhia e interesses gerais, procuramos sempre soluções equilibradas. Fazemos propostas, não nos coibimos de o fazer quando o pedem, mas quem decide a legislação é o Governo”.

João Manso Neto é o primeiro gestor da EDP em funções a ser chamado à comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas da eletricidade. Manso Neto estava na elétrica quando foram negociadas as condições dos custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC), esteve envolvido na negociação do prolongamento do prazo de exploração das barragens, dois dos temas que estão sob suspeita de terem favorecido a EDP. Atualmente é presidente da EDP Renováveis e administrador da EDP.

O gestor, que veio acompanhado de advogado, faz a ressalva para lembrar aos deputados que é arguido num processo crime e pode haver matérias com reserva de resposta.

A pergunta que deixou Manso Neto atrapalhado

O administrador da EDP esteve tranquilo e seguro dos números e argumentos que usou para responder às muitas perguntas dos deputados. Afinal Manso Neto tem 15 anos de empresa e ao longo deste período foi o principal pivot da EDP para as questões que estão a ser tratadas na comissão de inquérito. Mas houve uma questão que o deixou sem resposta, pelo menos de imediato. Jorge Costa do Bloco de Esquerda que foi aliás o único deputado que Manso Neto cumprimentou quando chegou à audição, quis saber que impostos foram considerados quando se chega aos 759 milhões de euros para o valor económico da extensão do domínio hídrico. E porque só pagaram 704 milhões de euros? O gestor precisou de consultar papéis e de algum tempo para esclarecer.

O valor baixou porque foi descontado o custo da taxa de recursos hídricos que, segundo Manso Neto, afinal foi paga pela EDP. A extensão das barragens valia 759 milhões de euros, se não houvesse taxa. Havendo taxa, valia 704 milhões de euros, porque o valor da extensão baixou. Esta informação contraria a indicação dada ao Parlamento e, segundo a qual, a empresa teria sido isenta de pagar a tal taxa de recursos hídricos que valia 74 milhões de euros.