Meghan Markle é, muito provavelmente, a personalidade de 2018. No final do ano passado, o mundo inteiro decorou o nome da atriz norte-americana, após o anúncio do noivado com o príncipe Harry. Em maio, o mesmo mundo parou para vê-la entrar na igreja com o seu vestido de linhas simples e minimais, obra-prima de Clare Waight Keller. Em 2011, Kate Middleton pode ter avivado memórias, numa altura em que muitos já se tinham esquecido de como é ver uma plebeia juntar-se à família real mais rica da Europa. Na altura, o conto de fadas parecia difícil de superar. Afinal, era o casamento de William, o segundo na linha de sucessão ao trono britânico.
Mas o certo é que ninguém contava que o seu irmão mais novo escolhesse uma atriz afro-americana, ativista dos direitos das mulheres e divorciada, para sua noiva. Desde o primeiro dia que a imagem de Meghan Markle ganhou proporções planetárias. De protagonista de uma série da USA Network passou a princesa e ícone de estilo. Um papel que já tinha experimentado no passado, é certo, mais com uma nova escala. Meghan teve um blogue chamado The Tig e, durante anos, a sua conta de Instagram serviu para partilhar visuais sóbrios e elegantes, postais de viagens pela Europa (e não só), muitos dos quais protagonizados por ela própria.
O guarda-roupa de Meghan: tudo o que a princesa vestiu na visita real ao Pacífico
Não há dúvidas de que, nessa fase, Markle já trazia visibilidade a algumas marcas. Entre elas, a portuguesa Josefinas, surpreendida em 2016 por uma fotografia de Meghan a usar as sabrinas Cheshire Cat no estúdio de Suits. “Há um dia em que estou no Instagram e ela interage connosco. Percebi que era nossa fã, foi incrível. A partir daí começámos a conversar, ela é muito querida. Agora vai ser duquesa, mas na altura tinha um blogue de lifestyle e escreveu várias peças sobre nós. O que mexeu com ela foi precisamente isto: além de ser um produto bonito, tem também os seus valores”, contou ao Observador Sofia Oliveira, responsável pela comunicação da marca, em dezembro de 2017.
Uma outra marca de calçado, a Birdies, conseguiu a proeza de entrar no guarda-roupa de Meghan antes de esta se tornar princesa. Na página oficial, ainda é possível ver imagens de Markle a usar os clássicos sapatos rasos, ainda o estrelato real não lhe tinha batido à porta. Ambas as marcas, Birdies e Josefinas, se esforçaram para dar visibilidade à relação privilegiada que estabeleceram com a futura princesa. Do noivado ao dia do casamento, todos os pretextos foram aproveitados para reforçar a ideia de que, um dia, Meghan Markle tinha usado os seus produtos.
No caso da marca norte-americana, a relação revelou-se mais duradoura. Em outubro deste ano, durante a visita oficial dos duques de Sussex ao Pacífico, Meghan voltou a calçar uns Birdies, mas desta vez o impacto foi muito diferente de quando Markle era uma simples atriz. “Tirámos o dia para festejar”, afirmou Bianca Gates, cofundadora da marca, ao Business of Fashion. Publicações patrocinadas nas redes sociais, uma homepage temática (que se mantém até hoje) e até uma newsletter enviada aos clientes em que a marca confessava querer “partilhar este entusiasmo” — a Birdies fez o que estava ao seu alcance para se associar (novamente) à imagem de Markle e conseguiu. Nesse dia, o modelo em questão esgotou, mas também um segundo semelhante.
A dita viagem foi, na verdade, uma espécie de desfile. Durante 16 dias, os duques de Sussex passaram por quatro países e marcaram presença em 76 compromissos oficiais. Meghan Markle, já de gravidez anunciada, terá usado à volta de 40 outfits, com um guarda-roupa avaliado em mais de 50.000 euros. Mas foi a expectativa em relação ao que a princesa ia usar no momento seguinte, bem como a surpresa ao examinar cada visual, que marcou a mais longa visita oficial do casal. Marcas como a Veja, a Club Monaco, Martin Grant, Brandon Maxwell, Maison Kitsuné, Roksanda Ilincic e Jason Wu não hesitaram em partilhar imagens da princesa a usar as suas criações. O número de reações e comentários foi o impacto mais visível e imediato. As vendas terão seguido o mesmo caminho. No caso da Rothy’s, marca de calçado sustentável sediada em São Francisco, o retorno foi claro — a fotografia do casal, tirada por paparazzi e partilhada no Instagram, quase atingiu os 20.000 likes, numa página onde a maioria das publicações não atinge as 2.000 reações. A Rothy’s pôs imediatamente a máquina de marketing a funcionar, com publicações patrocinadas no Instagram e no Facebook. Nessa semana, as vendas do best-seller triplicaram, ao passo que o modelo usado por Meghan vendeu o sobro. Tudo isto, sem recorrer a ligações diretas para a loja online.
O interesse em Meghan parece não ser exclusivo das marcas mais acessíveis (uns sapatos rasos da Rothy’s, por exemplo, custam 125 dólares, o equivalente a 109 euros). Designers como Brandon Maxwell, Roksanda Ilincic e Jason wu usaram das mesmas ferramentas digitais para mostrar ao mundo a princesa americana a vestir as suas criações. Não que já não o façam com celebridades de Hollywood, simplesmente, não estamos a falar de uma passadeira vermelha, mas sim uma visita oficial da monarquia britânica. A própria Givenchy partilhou na sua conta de Instagram o momento em que Meghan Markle subiu ao palco dos Fashion Awards, na última semana, a usar um vestido da casa francesa.
No patamar do luxo ou abaixo dele, a estratégia é nova mas parece querer tornar-se norma, sobretudo impulsionada pelo mercado norte-americano, que Meghan acabou por aproximar das lides reais. “Temos muitas marcas que nos enviam listas completas de tudo o que venderam para o Palácio de Kensington”, explicou Amanda Dishaw, editora do Meghan’s Mirror, ao Business of Fashion. A página é dedicada, em exclusivo, a fornecer informação completa sobre cada look e peça usada pela princesa e Dishaw adimite mesmo receber cópias de faturas que permitem identificar a origem das roupas e acessórios de Meghan mais facilmente.
Por outro lado, o recato a que a família real estava votada já não é o que era. Aí, o casamento real a que o mundo assistiu em maio deste ano representou, claramente, um ponto de viragem. Dos vestidos e joias usados por Meghan, à pastelaria e aos arranjos florais, o gabinete de comunicação do Palácio de Kensington converteu tudo num press release, até ao mais ínfimo detalhe. “Isso introduziu uma vertente mais comercial, se quiser”, denotou Susan E Kelley, esta criadora das páginas What Kate Wore e What Kate’s Kids Wore e ainda coeditora do site What Meghan Wore, em declarações à mesma publicação.
Meghan trouxe um novo paradigma (sempre houve interesse em saber o que Kate Middleton vestia, simplesmente, quando se tornou princesa, o Instagram tinha, praticamente, acabado de nascer) e numa era em que parece não haver barreiras entre o marketing de grandes marcas e o quotidiano de uma família real europeia, a duquesa de Sussex também tem sabido usar isso em proveito próprio, ou melhor, a favor de algumas causas. Com a sua passagem pelos Fashion Awards, não foi só o vestido Givenchy que saltou para a linha da frente. As joias, pulseiras e brincos da Pippa Small Jewellery, não foram escolhidas por acaso. Foram feitas por artesãos da Turquoise Mountain, uma fundação que emprega homens e mulheres no Afeganistão, com o objetivo de revitalizar zonas e comunidades afetadas por conflitos armados recentes. Meghan não precisou de discursar sobre isso, o Instagram disse-nos tudo.