Os veículos eléctricos, por serem novidade e também por se assumirem como um dos temas mais debatidos da actualidade, suscitam uma crescente curiosidade. Daí que não seja de estranhar que, se quando qualquer coisa de bom ocorre, relativa a este tipo de veículos, é notícia, também quando surge alguma notícia negativa relacionada com automóveis que não queimam gasolina ou gasóleo, seja igualmente alvo de um grande destaque.

Um dos exemplos do que acabámos de afirmar tem a ver com os incêndios, que sempre afectaram modelos com motor de combustão, a gasolina por exemplo, e que também começaram a afectar os carros com motor eléctrico alimentado por bateria. É claro que os fãs de uma tecnologia, ou de outra, aproveitam qualquer oportunidade para criticar a solução de que menos gostam, mas isto levanta uma questão. Porque ardem os automóveis eléctricos? É que se vivemos com motores a gasolina há mais de 100 anos, e temos a solução tão controlada quanto é fisicamente possível, é bom saber o que se passa com os modelos que, em vez de gasolina num depósito, armazenam energia num acumulador.

Porque ardem as baterias?

Há tecnologias mais seguras, mas tendem a ter menos densidade energética, o que se traduz por menos energia e, logo, por menos autonomia – obviamente o que ninguém deseja.

À semelhança de todas as outras, as baterias de iões de lítio, as mais recentes e as melhores no que respeita à densidade energética, são compostas por um ânodo e um cátodo. O primeiro é o eléctrodo negativo da bateria e o segundo o positivo. Ambos estão banhados por um líquido, o electrólito, que é composto por iões de lítio num meio de um solvente, e que é, por definição, inflamável.

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As baterias de iões de lítio dos automóveis eléctricos não são muito diferentes das utilizadas nos telemóveis, computadores e até nos aviões, para armazenar energia e depois fornecê-la à medida que vai sendo necessária. Quando se recarrega a bateria, os iões de lítio navegam através do electrólito rumo ao ânodo, junto ao qual se acumulam. E deslocam-se com uma rapidez que depende da potência aplicada. Quanto mais potência, mais depressa se movimentam e, logo, mais aquecem. Quando aceleramos o veículo eléctrico, e como tal extraímos energia da bateria, os iões rumam do ânodo para o cátodo, voltando a aquecer mais ou menos consoante a ‘violência’ da aceleração.

Mas estes incrementos de temperatura são normais e expectáveis, sendo por isso que os fabricantes montam sistemas de refrigeração dentro dos packs de baterias. Uns são mais eficientes e a líquido, no caso dos carros com mais cavalos e capazes de serem recarregados com uma potência mais elevada, outros são a ar. Posto isto, as baterias apenas ardem se uma célula com deficiência sofrer um curto-circuito, que comece a aquecer excessivamente o electrólito, que acabará por incendiar-se. Ou seja, não explode, como aconteceria se se tratasse de um depósito de um carro a gasolina, mas acaba por arder.

E em caso de acidente?

Num embate, que gere uma deformação acentuada da estrutura do veículo, nos carros a gasolina pode rebentar o depósito de combustível, enquanto nos eléctricos as células são esmagadas e não só surgem os tais curto-circuitos, como se dá uma fuga de electrólito, que pode provocar um incêndio.

Há outra possibilidade, em que também há deformação do pack de baterias e das respectivas células, mas que não decorre de um acidente grave. Caso o veículo sofra um ou mais embates violentos por baixo – onde estão as baterias, apesar de devidamente protegidas por robustas placas de alumínio –, passando por cima de uma pedra ou de um objecto de ferro, por exemplo, podem ter lugar o mesmo tipo de danos que ocorrem durante um acidente violento. Mas nestes casos, como as células estão agrupadas e isoladas em módulos, que por sua vez formam o pack, onde também estão separados entre si, o mais provável é que o sistema de refrigeração seja capaz de garantir que o incremento de temperatura fica contido e não passa às baterias vizinhas.

Depois há ainda situações ridículas, como aquela de que aqui vos falámos esta semana, em que os ocupantes de um veículo eléctrico, brincando com uma arma dentro do carro, terão disparado e acertado na bateria, provocando um incêndio. Menos mal que não foi no depósito de combustível de um carro com motor de combustão, o que os levaria instantaneamente para os anjinhos.

Eléctricos mais dados a incêndios que os gasolina?

Antes de mais, há que ter em conta que há grandes diferenças entre os incêndios que ocorrem nos veículos eléctricos, ou nos modelos com motor a gasolina. Nos segundo caso, tende a existir um incêndio seguido de muito perto por uma explosão. Tão perto que, na maioria das vezes, nem sequer há tempo para abandonar o veículo. Nos eléctricos, pelo seu lado, há um aumento de temperatura, a que se segue uma fase de emissão de fumo e, só por fim, surgem as labaredas, concedendo aos passageiros tempo suficiente para se colocarem em local seguro.

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Nos EUA, onde há um parque de 270 milhões de veículos em circulação, apenas cerca de 600.000 são eléctricos, pouco contribuindo para cerca de 200.000 veículos que são consumidos pelas chamas por ano, 90% dos quais em auto-estrada, do que resultam anualmente quase 500 mortes e 1.000 feridos. Segundo Steven Risser, da empresa sem fins lucrativos Battelle, que realizou um estudo recente para a National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA), “há ainda um número tão reduzido de veículos eléctricos em circulação, face aos equipados com motor de combustão, que ainda faltam dados para se tirar conclusões definitivas”. Ainda assim, admite que o risco de incêndio nos eléctricos pode ser inferior aos gasolina.

A Tesla vai mais longe e defende que “a melhor comparação é a que tem por base a quantidade de incêndios face às milhas percorridas”. Partindo deste princípio, o construtor de Palo Alto sublinha que “os nossos 300.000 carros têm cerca de 40 incêndios reportados, para um total de 7,5 mil milhões de milhas percorridas (12 mil milhões de quilómetros), o que dá cinco incêndios por mil milhões de milhas percorridas”. Sempre de acordo com os dados do fabricante, “os veículos a gasolina têm cerca de 55 incêndios por mil milhões de milhas”. A própria NHTSA, o organismo que investiga todos os casos de incêndio e acidentes graves em auto-estrada, refere que a probabilidade de um Model S começar a arder após uma colisão é de 1 em cada 6.333 veículos, enquanto nos veículos a gasolina este valor cai para 1 por cada 1.350.

Curioso é também o facto de a Tesla ter, em parte, prescindido de algumas vantagens aerodinâmicas e passar a fazer os seus modelos (equipados com suspensões pneumáticas reguláveis em altura) rodar em auto-estrada a uma distância ligeiramente maior ao solo, minimizando assim os riscos de embates por baixo. Outra nota de interesse prende-se com o facto de, nos EUA, serem quase nulos os casos reportados de incêndios em que intervenham modelos como o Nissan Leaf, novo ou antigo.

Ao contrário do que acontece com os carros a gasolina, em que uma vez o incêndio apagado, dificilmente reacenderá, nos eléctricos há a possibilidade de, mesmo depois de extinto, o incêndio voltar a ficar activo até 24 horas depois. Para ter uma ideia, isto levou a que alguns veículos ardessem já depois de estar numa garagem. Talvez seja este o motivo que leva a Tesla a aconselhar aos bombeiros que deixem o veículo continuar a arder, até que o fogo se extinga por completo, evitando assim surpresas posteriores.