O logótipo que hoje aparece em livros e revistas foi desenhado na toalha de papel da Nova Pombalina. O snack-bar da Baixa lisboeta é uma espécie de quartel-general da Triciclo, uma micro-editora independente lançada em fevereiro de 2017 — tão micro que não tem escritório, embora isso não seja um problema.
As três rodas são Ana Braga, Inês Machado e Tiago Guerreiro. Conheceram-se na escola de artes e comunicação visual Ar.Co e apesar da diferença de idades (34, 25 e 35, respetivamente), perceberam que tinham um interesse comum pela ilustração infantil e que queriam editar coisas na área.
Com outra toalha pelo meio, deste vez “do chinês clandestino do Martim Moniz”, decidiram a data de lançamento. A 4 de fevereiro apresentaram-se ao mundo e lançaram uma revista de passatempos. Tinham impresso 80 cópias em risografia na Stolen Prints, as 80 esgotaram. Fizeram mais 250 exemplares e também não ficou nenhum para amostra.
“Não imaginávamos que ia haver tanta gente interessada”, começa por dizer Tiago Guerreiro. “Parece que a revista infantil era um produto que as pessoas achavam que não existia”, completa Ana Braga. De facto, como a deles não havia nada: com ilustração em todas as páginas, um guião a unir cada passatempo, papel grosso e encadernação à mão. “Mesmo sendo auto-edição, quisemos fazer algo com qualidade”, diz Tiago. “Estamos na fronteira entre a editora independente e as editoras de álbuns infantis ilustrados, e penso que é precisamente isso que nos distingue. Em termos editoriais estamos próximos de uma Planeta Tangerina ou de uma Pato Lógico mas gostamos de pensar um pouco fora da caixa.”
As revistas saem semestralmente, com outro lançamento pelo meio, a cada três meses. Para além dos passatempos, a Triciclo já editou três livros (Uma Nova História da Arte, um ABC do Cinema e um livro de artista sobre 12 Soldados) e lançou dois jogos de tabuleiro em madeira: o de verão era passado na Praia das Maças, o mais recente viaja até à Serra da Estrela, sempre com dados.
Apesar do sucesso inesperado da primeira revista, as tiragens são sempre pequenas, impressas em risografia ou serigrafia e com a editora a fugir do offset, uma das técnicas de impressão mais utilizadas. “Gostamos desta textura. O digital não tem isto”, atira Inês, referindo-se tanto às publicações como aos prints que vão disponibilizando na loja online regularmente. Com formação em pintura, a mais nova do grupo é assistente de exposição e educadora no serviço educativo do Museu Coleção Berardo. A Triciclo é um extra que tem de conciliar com o restante trabalho, tal como Ana, designer gráfica, e Tiago, da área da comunicação. Todos participam em tudo, das publicações às feiras, workshops e oficinas. Ainda agora, os três estiveram a ensinar crianças entre os seis e os 10 anos a fazer heróis e vilões articulados no Doclisboa.
E se as revistas são pensadas para um público infantil, o mais provável é serem compradas por adultos amantes da ilustração, com filhos ou sem filhos (sendo que, se tiverem filhos, pode acontecer que só os deixem aproximar um lápis das páginas quando já tiverem 18 anos). “Muita gente já me disse que não consegue riscar as revistas”, diz Tiago. “Mas eu gosto de ver os rabiscos.”
Para provar que com um triciclo se vai longe, em março a micro-editora esteve na macro-feira de literatura infantil de Bolonha para participar numa conversa sobre revistas infantis, juntamente com a espanhola La Leche. Pouco depois foi a vez de montar uma banca na ELCAF (East London Comics & Arts Festival), em Londres, e daí vieram convites para outras feiras no estrangeiro (Bélgica e Antuérpia). De volta à Ar.Co, Tiago, Ana e Inês foram convidados para dar aulas e estão a orientar o curso de ilustração infantil em parceria com Catarina Sobral e ainda a preparar um seminário. Desde novembro têm algumas serigrafias originais expostas na Ó Galeria de Lisboa e este ano vão regressar à Fabrica Features para uma exposição em torno do brinquedo.
No meio disto tudo, os fundadores da Triciclo gostavam de arranjar um rés do chão em Lisboa para ter um atelier com loja e espaço para workshops. A Nova Pombalina continuará a valer a pena, nem que seja pelas sandes e pelas toalhas amigas de quem gosta tanto de fazer ilustração em papel.
As revistas
Até agora a editora já lançou quatro revistas de passatempos e um Especial de Verão mais pequeno, para levar na mala. Com uma tiragem de 250 exemplares e um preço que tem variado entre os 11 e os 14 euros, cada revista é impressa em duas cores, do verde e roxo ao amarelo e azul. A primeira acompanha um dia na vida de um menino chamado André (com direito a navegar numa sopa de letras durante a hora do banho), a mais recente, lançada em Outubro, é sobre castigos e travessuras. Ao segundo número, feito a partir da ideia de que os círculos desapareceram do mundo, tornou-se evidente que, apesar do estilo de cada ilustrador ser bastante diferente, todos têm em comum o uso das formas geométricas.
Os livros
A publicação com mais cores apareceu para apresentar A Nova História da Arte da Triciclo (vol. 1), com clássicos como “O Grito” de Munch ou os banhistas de Georges Seurat a serem redesenhados pelos ilustradores. Seguiu-se 12 Soldados, o livro mais pequeno mas aquele que a editora chama carinhosamente de “obra-prima”. Impresso em serigrafia, conta com ilustrações de Inês Machado — a partir de uma coleção de cartões com fotografias de soldados, usados em maços de tabaco cubanos –, e com textos de Tiago Guerreiro, que inventou uma história para cada militar representado. Finalmente, no Dia da Criança deste ano foi a vez do lançamento de ABC do Cinema, uma compilação dos principais realizadores organizada alfabeticamente, com direito a curiosidades sobre cada génio ilustrado. Dois exemplos? O sonho de Robert Bresson era ser pintor e Manoel de Oliveira foi campeão de salto à vara três vezes.
Artigo publicado originalmente na revista Observador Lifestyle nº 2 (novembro de 2018).