“A minha resposta é não”. 24 horas depois do desafio, a resposta: Rui Rio não aceita o repto para convocar eleições diretas e disputar a liderança com Luís Montenegro, nem sequer vai esperar que os seus opositores acionem os mecanismos administrativos e recolha de assinaturas para convocarem um Conselho Nacional extraordinário com moção de censura. Antecipa-se e, para “facilitar a vida aos contestatários”, faz o reverso: apresenta ele próprio uma moção de confiança para dar aos críticos aquilo que eles querem — uma clarificação. Quem está com Rio e quem está contra ele? Que comece a contagem de espingardas.
Na comunicação que fez esta tarde num hotel no Porto, Rui Rio começou por recordar que sempre cumpriu os mandatos até ao fim e que nunca participou “nem participaria em golpes palacianos” ou tentativas de enfraquecer o líder democraticamente eleito. Com duras críticas ao desafiador, Luís Montenegro, anunciou que “face à lamentável situação” que se criou, será ele próprio a servir-se dos estatutos para virar o jogo para o seu lado.
“Em face da lamentável situação que alguns resolveram criar ao PSD, já tomei, eu próprio, a iniciativa de convocar o Conselho Nacional para que, em reunião extraordinária, possa apresentar e votar uma moção de confiança“, disse, explicando que nunca convocaria eleições diretas como Montenegro pediu porque “o PSD tem um líder eleito, e o líder eleito tem sentido de Estado e sentido de responsabilidade. Por isso jamais tomará a decisão aventureira de colaborar numa caminhada insensata para o abismo”.
E para quem não percebesse à primeira, Rio explicaria melhor: o que quer é dar ao Conselho Nacional o poder de clarificar quem está com ele e quem está contra ele. Por isso, arriscou nova formulação: “Isto é o mesmo que dizer que, se for esse o seu entendimento, o Conselho Nacional pode retirar a confiança à direção nacional e assumir democraticamente a responsabilidade de a demitir. Se os contestatários não conseguirem reunir as assinaturas para a apresentação de uma moção de censura eu próprio facilito-lhes a vida e apresento no âmbito da mesma disposição estatutária uma moção de confiança”.
Conselho Nacional daqui a 15 dias
Perante o contra-ataque de Rio, os calendários são claros: no prazo máximo de 15 dias haverá Conselho Nacional, podendo até ser mais cedo se Rio tiver expresso essa vontade no requerimento.
Diz o regulamento interno do Conselho Nacional que 1) “o Conselho Nacional reúne ordinariamente de dois em dois meses e, extraordinariamente, a requerimento da Comissão Política Nacional, da direção do grupo Parlamentar ou de um quinto dos seus membros”; e 2) “sempre que requerida a sessão extraordinária do Conselho Nacional terá de realizar-se no prazo máximo de 15 dias da receção do requerimento, salvo se outro prazo mais curto for requerido”. Ou seja, no requerimento que emitiu, Rio pode ter pedido um calendário encurtado, mas, se não o fez, no máximo daqui a 15 dias haverá reunião magna.
Em declarações à agência Lusa no rescaldo da declaração do líder, o presidente do Conselho Nacional do PSD, Paulo Mota Pinto, confirmou que recebeu na sexta-feira à noite o requerimento a pedir a convocação de uma reunião extraordinária deste órgão para votar uma moção de confiança à direção. “Confirmo que deu entrada ontem [sexta-feira] um requerimento com vista à votação de uma moção de confiança e não deu entrada nenhum outro requerimento”, afirmou Paulo Mota Pinto, contactado pela Lusa. Ou seja, não tendo dado entrada nenhum outro requerimento, significa que Rio não fez o pedido-extra para encurtar calendário. Assim, ditam as regras, a reunião será mesmo daqui a 15 dias: no sábado, 26 de janeiro.
“Há momentos para unir e momentos para clarificar”, disse Rio, lembrando que procurou unir quando fez listas conjuntas no Congresso com o adversário Santana Lopes. “Infelizmente persistem os que preferem a guerrilha permanente à unidade do partido, apesar de o seu candidato, em que tudo apostaram, já nem sequer estar no PSD”, disse, sublinhando que este era o momento da “clarificação”.
Guerra aberta a Montenegro. “Contestatários só querem manter os lugares nas listas”
Na declaração que fez na sala do hotel do Porto, Rui Rio não poupou as críticas diretas a Luís Montenegro, que acusou de estar a “condicionar os calendários do partido em nome da sua própria agenda pessoal”. Dizendo que o seu adversário tinha “toda a legitimidade” para se candidatar no final de 2017, Rio afirma que não é agora, “porque lhe apetece”, que deve avançar e, com isso, prejudicar o partido e o país.
Ao desafio direto de Montenegro diz: “A minha resposta é não”. E posto isto, seguiram-se longos minutos de críticas ao desafiador. “A apenas um mês depois da minha eleição, sem que nada houvesse a apontar ao meu mandato, já Luís Montenegro se manifestava descontente e se declarava opositor. Estava contra quando ainda não havia nenhum motivo para estar contra ou a favor”, afirmou, considerando que o PSD não é um partido “unipessoal” e é “grande demais para estar subjugado a agendas pessoais”.
“O PSD não pode ser um partido de gente irresponsável que não sabe dimensionar as consequências do seus atos; é grande demais para estar sujeito a manobras táticas ao serviço de interesses individuais ou de grupo”, disse ainda.
O trunfo de Rio é, portanto, enfraquecer o adversário alegando que está a pôr a sua agenda pessoal à frente do interesse do partido e do país. Coisa que Rio se orgulha de nunca fazer. “Candidatei-me sem nenhuma particular ambição pessoal, apenas com sentido de missão e disponibilidade”, tinha dito antes, recordando que por diversas vezes tinha sido pressionado a avançar, mas que nunca o tinha feito (até agora) por respeito aos mandatos e às funções que tinha em mãos.
Por isso não tem dúvidas em afirma que “não há memória de um dirigente partidário ter lançado tamanha confusão e instabilidade a tão pouco tempo de eleições”. E, continua, “para quem se diz preocupado com o tipo de oposição que fazemos, é difícil imaginar melhor serviço ao PS e ao governo do que este”. Mais: “Lançar o PSD numa nova disputa interna à porta de eleições é fazer o jogo do PS e prestar serviço de primeiríssima qualidade a António Costa”.
“Falta de firmeza”, “falta de maturidade”, “falta de responsabilidade” foram algumas das expressões que usou para descrever a atitude de Montenegro e respetivos apoiantes, que diz moverem-se apenas “pela tentativa de manutenção dos seus lugares nas próximas listas do partidos”.
Insistindo no argumento do banho de ética que quer implementar no PSD (mesmo tendo sido várias vezes criticado pelas escolhas que fez para a sua direção), Rio diz que é precisamente atitudes como as de Montenegro que quer erradicar do PSD: “É exatamente isto que eu quero mudar no PSD: quero um partido frontal, genuíno e sincero, aberto a naturais e salutares divergências, mas fechado a divergências que são meramente táticas e artificiais”.
No fim, voltaria a citar Sá Carneiro para erguer a bandeira da ética: “Política sem risco é uma chatice, mas sem ética é uma vergonha”. “Se assim não for eu próprio nada estarei aqui a fazer”, disse.
Desde que o desafio tinha sido lançado, esta sexta-feira, Rui Rio não mudou nem uma vírgula da agenda que tinha prevista. Além de um encontro inesperado com Marcelo Rebelo de Sousa, que estava no Porto, o presidente do PSD reuniu este sábado, em Coimbra, o Conselho Estratégico Nacional (CEN), órgão que prepara o programa eleitoral, e limitou-se a dizer que “a seu tempo” responderia a Montenegro — “sem dramatizar”.
Acontece que a reunião do CEN já foi, em si mesma, um primeiro sinal de fratura interna no partido. É que, apesar de as distritais não terem habitualmente assento naquele órgão, tinham sido convocadas para esta reunião preparatória da mega-convenção que está prevista para fevereiro. Segundo avançou o jornal Público, contudo, muitos dos dirigentes distritais faltaram à chamada, incluindo a distrital de Coimbra (liderada por Maurício Marques), onde decorreu o evento. Segundo aquele jornal, só quatro dirigentes distritais compareceram: Lisboa Oeste, Santarém, Aveiro e Faro.
Foi precisamente com base num movimento desencadeado pelas distritais descontentes que se iniciou este processo de ruptura com o líder, apesar de a fação de Luís Montenegro fazer questão de sublinhar que a disponibilidade do challenger é autónoma e independente do chamado “movimento das distritais”.
Entretanto, durante a tarde deste sábado, o Observador sabe que Salvador Malheiro (vice de Rio e homem do aparelho) procurou mobilizar o partido em torno da declaração de Rui Rio, convocando-os a aparecer no hotel portuense onde decorreu a comunicação. “Rui Rio fala hoje ao País as 18h30 no Sheraton no Porto. Apareçam. Todos são Bem-vindos! Vamos Ganhar!”, terá escrito nos grupos privados de Whatsapp que criou para difundir a mensagem do líder. Certo é que a direção em peso esteve presente no Sheraton, no Porto, ouvindo-se “viva!” e aplausos durante o discurso de Rio.