Henrique Gomes, antigo secretário de Estado da Energia, defendeu o lançamento da contribuição extraordinária sobre os produtores de eletricidade logo em 2011. Era necessário fazer alguma coisa para travar o aumento dos preços e da dívida tarifária da eletricidade, sublinhou o ex-governante na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas do setor elétrico, mas a medida não passou no Governo.

Henrique Gomes admite que a privatização já em marcha da EDP terá sido o motivo, que nunca foi tornado claro, e considerou que se o objetivo foi esse não foi inteligente porque se perdeu uma oportunidade de arrumar a casa. E contou uma conversa em que tentou convencer o ex-ministro das Finanças da vantagens de cortar nos custos/rendas da energia com a tese de que era uma das poucas medidas que o Governo podia tomar para aliviar custos para a economia, mas Gaspar recusou o “argumento político”.

O antigo governante testemunhou que chegou a ser “proibido” de falar publicamente sobre a existência de rendas excessivas no setor elétrico quando estava no Governo. O ex-governante, ouvido esta quarta-feira na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas da eletricidade, revelou que o então ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, ficava muito atrapalhado com o tema. E chegou a dizer “está proibido de falar em rendas excessivas” publicamente. Mas assegurou que as relações com o ex-ministro eram “ótimas. Não nos entendíamos era na tática”.

“Não lhe tornei a vida fácil”, reconheceu Henrique Gomes ao deputado socialista, Hugo Costa, tendo contudo elogiado Santos Pereira como uma “pessoa de bem e que não cede a pressões“. O ex-secretário de Estado da Energia confirmou que se demitiu em fevereiro de 2012, depois de ter sido impedido pelo então ministro de fazer uma apresentação no ISEG em que ia revelar os resultados de um estudo que encomendou para quantificar precisamente as rendas excessivas do setor elétrico e, em particular da EDP. “Foi a gota de água”, admitiu.

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Para o antigo governante, falar publicamente sobre as rendas excessivas era fundamental para a negociação das rendas excessivas. “Eu sabia que viriam refluxos”, justificou em resposta a Hélder Amaral do CDS, lembrando o lobby poderoso da EDP.

O ex-governante revela ainda que o relatório feito com a ajuda da consultora Cambridge e que apontava para as rendas excessivas foi entregue numa manhã no gabinete do primeiro-ministro e durante o almoço já o chefe de gabinete recebeu dois telefonemas da EDP a perguntar que relatório era aquele? “Mais cedo ou mais tarde, seria do conhecimento da EDP, mas nunca me passaria da cabeça que teria sido por esta via”, admitiu.

Questionado sobretudo pelo CDS e PSD sobre que rendas excessivas eram identificadas naquele estudo, que segundo a elétrica estava cheio de erros, Henrique Gomes explica. Bastava olhar para os relatórios e contas da EDP e ver que Portugal era o mercado onde a empresa tinha maior rentabilidade, mas era preciso fazer as contas a esses ganhos, daí o estudo pedido à consultora internacional.

Henrique Gomes confirmou ainda que já tinha pedido a demissão ao primeiro-ministro de então em outubro de 2011 e que Passos Coelho lhe pediu para continuar pelo menos até à aprovação do Orçamento do Estado e à privatização da EDP. O ex-secretário de Estado diz que pediu a demissão porque a sua proposta para criação da contribuição sobre o setor elétrico estava a ter dificuldade em passar no Governo. “Julgo saber que nesse dia António Mexia foi duas vezes ao ministério insistir nas medidas que a EDP apresentou”, em alternativa à contribuição. “E achei que não tinha condições e não estava interessado em continuar”.

Privatização da EDP travou contribuição sobre a eletricidade em 2011

O ex-secretário de Estado contou que a criação de uma contribuição extraordinária sobre os produtores da eletricidade ia gerar 300 milhões de euros por ano e permitiria travar o aumento dos preços e acelerar o fim da dívida tarifária. Das reuniões que manteve com o então ministro das Finanças, ficou com a impressão de que Vítor Gaspar não pareceu muito apoiante dessa ideia. Henrique Gomes recordou uma reunião de duas horas com Vítor Gaspar em que apresentou vários argumentos para justificar a contribuição, desde o aumento dos preços da eletricidade aos recursos financeiros que a dívida tarifária à EDP estava a absorver. E até este:

É das poucas oportunidades que este Governo tem de aliviar os custos para a economia e para os consumidores.” Ao que Vítor Gaspar terá respondido: “Se o argumento é político está acabada a reunião”.

Henrique Gomes admite que o argumento subjacente era a privatização da EDP, mas referiu que tal nunca ficou expresso. E adiantou que se esse foi o objetivo, não “foi um objetivo inteligente” porque teria sido melhor fazer a operação com a casa limpa e aponta para os problemas que existem agora no setor da eletricidade.

Henrique Gomes até admite que a posição das Finanças era legítima e recorda uma reunião que teve com Maria Luís Albuquerque que a então secretária de Estado das Finanças interrompeu durante alguns minutos para regressar “lívida” e com o desabafo de que “não havia dinheiro nem para engraxar sapatos”. Mas considera que houve uma “má perceção, um erro das Finanças” e perdeu-se uma oportunidade. “A culpa é de quem andou a pôr as rendas excessivas debaixo do tapete”.

A contribuição extraordinária sobre a energia só avançou em 2014 ainda no Governo de Passos Coelho, mas com um perfil diferente do modelo inicial que incidia apenas sobre os produtores de eletricidade que tinham centrais atribuídas fora do regime de mercado — deixando de fora a REN e a Galp — e a receita iria toda para abater à dívida do setor elétrico e não para o Orçamento do Estado.

O antigo secretário de Estado adiantou que até chegou haver um entendimento com as empresas renováveis e a cogeração sobre a tal contribuição, mas a EDP propôs medidas alternativas que rejeitou porque considerou que eram “paliativos”, não resolviam o problema dos custos a prazo, afirmou quando questionado por Jorge Costa do Bloco de Esquerda.

Questionado pelo deputado do PCP, Bruno Dias, sobre se Santos Pereira fez tudo o que a EDP queria depois da sua saída, Henrique Gomes admitiu que o ex-ministro terá feito o que o deixaram fazer para cortar nos custos/rendas da energia. Reconhece que os custos até baixaram, mas confessou que ficou “chocado” com o diploma de 2013 que introduziu cortes nos pagamentos aos parques eólicos, mas em troca de mais cinco anos de tarifas garantias. “Aquilo não são cortes, são alívios de tesouraria” que podiam ter sido feitos de forma mais equilibrada.

Gomes demitido da Gás de Portugal após Mexia assumir a presidência

Nesta audição, Henrique Gomes contou também que já tinha encontrado António Mexia antes de chegar ao Governo quando este assumiu a presidência da Gás de Portugal em 1998. Gomes que tinha acabado de sair da administração desta empresa ficou como consultor, mas o seu contrato foi denunciado três meses depois. “Alguma coisa que tivesse feito não terá merecido a confiança”. Mas acabou por concluir que “foi uma desculpa esfarrapada”.

O ex-secretário de Estado diz ainda que terminou o seu vínculo com a REN (Redes Energéticas Nacionais) em 2012 depois de ter admitido numa entrevista que António Mexia era “um osso duro de roer”. Foi uma entrevista política, mas que “caiu mal na administração da REN”, então liderada por Rui Cartaxo, e a incomodidade gerada resultou num acordo para sair, afirmou ao deputado do PSD, Jorge Paulo Oliveira.

O antigo secretário de Estado da Energia não assume que foi o pai do termo rendas excessivas da eletricidade, mas admite que a expressão apareceu na primeira revisão do memorando da troika depois de conversas com o Governo. E lembra que quando chegou à pasta da energia, estava confrontado com um aumento de preços de 12%, isto sem contar com o agravamento do IVA que foi imposto pela própria troika. Era preciso fazer alguma coisa e foi aí que surgiu a proposta da contribuição extraordinária.