Passaram-se quatro dias de desfiles em Paris e não há dúvidas de qual é o momento que ascende ao pódio da viralidade. As redes sociais pararam, os críticos de moda também, tudo para ver passar as já habitualmente teatrais criações da dupla Viktor&Rolf, na tarde da última quarta-feira. Aos volumes exuberantes que marcaram a coleção de alta-costura do próximo verão, os holandeses Viktor Horsting e Rolf Snoeren sobrepuseram slogans (que também podem ser vistos como chavões do tempos modernos) sob a forma de emblemas gigantes. O contraste fez o espetáculo — se por um lado, as toneladas de tule deram romantismo e fantasia às silhuetas, a volumetria exagerada tornou-as simplesmente surreais.
“F* This, I’m Going To Paris“, “Leave Me Alone“, “Go To Hell“, “Im’ Not Shy, I Just Don’t Like You” e um simples “No” — as frases e expressões podiam estar bordadas ou estampadas em t-shirts brancas, compradas numa qualquer ida aos saldos. A dupla de designers, exclusivamente dedicada à alta-costura, apenas subiu o tom do statement e aplicou-as a enormes vestidos de baile. “Houve uma altura em que as t-shirts com mensagens eram suficientes para expressar todos os nossos sentimentos. Mas quem conhece a internet em 2019 sabe que as pequenas t-shirts com letras já não são suficientes para expressar fúria. Está na altura de ir para algo maior, para os slogans de alta-costura”, escreveu a revista Harper’s Bazaar na sequência do desfile.
A coleção, com o título “Fashion Statements”, desdobra-se em significados e interpretações. “[…] os volumes exagerados, um território familiar para Horsting e Snoeren, podem ser uma metáfora visual para o ruído dos likes no mundo virtual […], escreve a Vogue. A mesma publicação aponta o casaco usado por Melania Trump em outubro do ano passado, com a mensagem “I really don’t care, do u?” nas costas, como uma das inspirações mais óbvias. “A internet é confusa e terrível, por vezes hilariante. A moda de alta-costura é elegante, refinada e cara. À partida, até podia parecer que estas duas coisas não se misturam. Ainda assim, Viktor&Rolf apresentaram uma coleção de alta-costura com volumosos vestidos de baile em tule cobertos de memes”, escreveu a Elle.
Escusado será dizer que não foi preciso passar muito tempo até as imagens do desfile darem origem a novos memes:
https://www.instagram.com/p/BtBqAuYnxk0/
O certo é que a audácia e a ironia deste statement reacenderam os holofotes sobre a dupla de criadores, aproximando-a de um público que, até aqui, pouco tinha ouvido falar deste atelier, fundado em 1993. Em 2015, a marca deixou de criar pronto-a-vestir (feminino e masculino), retomando a tradição de se dedicar apenas à alta-costura, como tinha acontecido durante a década de 90. Em 2006, Viktor&Rolf foram o terceiro nome a colaborar com a H&M, depois de Karl Lagerfeld (2004) e de Stella McCartney (2005).
Naomi Campbell e Balmain, um dia de regressos
Depois de nomes fortes da alta-costura parisiense — como Christian Dior, Schiaparelli, Giambattista Valli, Chanel, Giorgio Armani e Givenchy — terem mostrado as suas coleções de atelier durante os primeiros dois dias do calendário, a reta final da semana ficou por conta de casas como Maison Margiela, Elie Saab, Jean Paul Gaultier, Balmain e Valentino. Esta última, sob a direção criativa do italiano Pierpaolo Piccioli, tem feito dos volumes (ainda que não à escala teatral de Viktor&Rolf) uma espécie de assinatura.
A fórmula foi composta por silhuetas oversized, color block, folhos megalómanos, bordados e estampados florais (que não é de agora, basta olhar para os vestidos de Lady Gaga no Festival de Veneza e nos Globos de Ouro). A primeira fila encheu-se de estrelas, a começar pelo próprio Valentino Garavani, o fundador da marca. Raf Simons, Clare Waight Keller, diretora criativa da Givenchy, Giambattista Valli e Christian Louboutin assistiram ao desfile, bem como a cantora Celine Dion, que voltou a piscar o olho à moda de autor parisiense. As estrelas não estiveram só na assistência. Naomi Campbell encerrou o desfile com um vestido preto de saia rodada, resultado de uma sobreposição de folhos, e completamente transparente na parte de cima.
Aos 48 anos, a supermodelo britânica regressou à passerelle da casa italiana, que não pisava há precisamente 14 anos, desde o desfile de alta-costura da primavera de 2005. Pode ter sido a mais ilustre, mas não foi o único ícone a integrar o casting de luxo de Piccioli. A jovem Kaia Gerber, filha de Cindy Crawford desfilou ao lado de nomes como Natalia Vodianova, Alek Wek e Mariacarla Boscono.
Mas a última quarta-feira, penúltimo dia da semana da moda, ficou marcada por um outro regresso. Após um hiato de 16 anos, a Balmain voltou a produzir uma coleção de alta-costura. Um regresso para a casa fundada em 1945 e uma estreia para Olivier Rousteing, que, aos 33 anos, ocupa o lugar de diretor criativo da marca desde 2011. Para aquele que foi um novo marco na história da maison, Rousteing revisitou o arquivos da própria casa. Da herança deixada pelo próprio Pierre Balmain, às criações de Oscar de la Renta, que conduziu a Balmain entre 1993 e 2002.
“A inspiração é Paris. É sobre a beleza de França”, afirmou o criador em entrevista dada à Vogue, antes do desfile. O trabalho foi, acima de tudo, de reinvenção. “O senhor Balmain adorava plumas”, confessou na mesma entrevista. Numa das peças apresentadas no desfile, Rousteing recuperou um dos elementos favoritos do fundador. As plumas de avestruz foram incorporadas numa malha posteriormente tecida e à qual foram adicionadas pérolas e pontos de crochet. A peça em questão foi feita por seis pessoas e demorou 1.200 horas até ficar pronta.
Para a sua primeira coleção de alta-costura, Olivier Rousteing tirou partido da estrutura dos materiais. Através de plissados e drapeados criou coordenados maioritariamente assimétricos, ombros rígidos, muitas vezes sobre-humanos. No final, o cartão de visita da coleção foi também a luz. O branco e o pérola foram as tonalidades predominantes, tudo o resto ficou a cargo de uma paleta de pastéis composta pelo rosa, lilás, azul, verde e amarelo. “Não estamos a fazer nada em função de tendências ou da popularidade, estamos a fazer algo intemporal. Isto é qualquer coisa de épico”, exclamou Rousteing.
A semana da alta-costura de Paris terminou na quinta-feira, dia 24 de janeiro, após ter decorrido, na mesma cidade, a semana da moda masculina. As previsões regressam à cidade luz a 25 de fevereiro, com a semana da moda feminina para o outono-inverno 2019/20. Como de costume, o roteiro pelas grandes capitais mundiais da moda começa em Nova Iorque, com o arranque da fashion week marcado para dia 8 de fevereiro.
Na fotogaleira, veja imagens de alguns coordenados dos desfiles de Viktor&Rolf, Valentino e Balmain na semana da moda de alta-costura de Paris.