O Presidente da República rejeita uma Lei de Bases da Saúde “fixista” e que represente “o triunfo de uma conjuntura”, seja de quatro ou oito anos, contrapondo que esta deve ser “uma lei de regime”.
Em entrevista à agência Lusa, Marcelo Rebelo de Sousa considera que nesta matéria não deve haver “grande clivagem entre PS e PSD” e argumenta que a instabilidade legislativa “não é compatível com investimentos a médio e longo prazo na saúde”.
Questionado se uma lei aprovada sem o PSD tem o seu veto garantido, o chefe de Estado avisa que “não acharia muito feliz” uma lei que seja revertida noutro contexto político e manifesta “interrogação” e “curiosidade” em relação ao diploma que sairá do parlamento.
O Presidente da República quer ver se a solução “é uma realidade que busca um equilíbrio, na base de uma fórmula flexível, que seja passível de durar para além de um Governo”, ou se, pelo contrário, “é uma fórmula que representa o triunfo de uma conjuntura — seja ela quatro anos, seja oito anos — e que depois é questionada na próxima conjuntura”.
Se for a segunda opção, adverte: “Isso eu não acharia muito feliz, andarmos a ter leis no domínio da saúde que mudassem ao sabor das maiorias de cada período político”.
Marcelo Rebelo de Sousa opõe-se também a “uma solução fixista”, defendendo que deve haver um quadro legal com “flexibilidade” na forma como o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é gerido, em função das circunstâncias e da evolução científica e tecnológica.
De acordo com o chefe de Estado, “uma solução fixista não é uma solução realista” face a crises que possam surgir ou condicionamentos financeiros, face ao envelhecimento da população e às mudanças recentes na área da saúde em Portugal. “Vamos ver se é assim ou não, porque o debate na especialidade é que mostrará se, de facto, surge uma clivagem onde verdadeiramente até agora havia divergências de política, de acento tónico, mas não uma clivagem substancial”, acrescenta.
Até agora, segundo Marcelo Rebelo de Sousa, “havia um acordo de regime implícito entre PS e PSD” materializado numa Lei de Bases da Saúde que, “mais do gosto de uns ou menos do gosto de outros, foi coexistindo com governos de esquerda e de direita“.
No seu entender, esta lei poderia ser revista de uma forma que “não desse grande clivagem entre PS e PSD”, era essa a sua expectativa, “que fosse uma lei de regime”.
Isto é, não fosse uma lei da esquerda, depois vem a direita, vota outra lei, depois vem a esquerda, outra lei, depois vem a direita, outra lei — isso não é compatível com os investimentos a médio longo prazo na saúde e com a estabilidade do sistema”, argumenta o Presidente.
Na entrevista à Lusa, Marcelo Rebelo de Sousa volta a elogiar o trabalho da comissão presidida pela antiga ministra da Saúde Maria de Belém Roseira, a pedido do ex-titular da pasta, Adalberto Campos Fernandes, considerando que apresentou uma proposta “genericamente equilibrada”.
O Presidente da República declara que SNS é “uma grande conquista de Abril”, mas que “há duas maneiras de ver o problema”, com “flexibilidade na forma como é gerido” ou de “maneira mais fixista”.
Presidente contra necessidade de acordo escrito para formar Governo estável
O Presidente da República afirma que lhe faz “alguma impressão” a ideia de que é necessário um acordo escrito para se formar um Governo estável, assumindo-se em discordância com a avaliação do primeiro-ministro sobre esta matéria.
Em entrevista à agência Lusa, Marcelo Rebelo de Sousa refere que esta sua posição vale “tanto para a esquerda como para a direita hoje”, admitindo que “também pode à direita pensar-se numa solução desta natureza”.
A mim faz-me alguma impressão haver a necessidade de acordo escrito para se garantir a duração da legislatura”, afirma.
Segundo o chefe de Estado, esta legislatura “chega ao fim não tanto por causa do acordo escrito”, mas porque houve “uma vontade dos subscritores desse acordo de fazerem durar a legislatura até ao fim – porque todos acharam que tinham a ganhar com isso, e todos acharam que tinham a perder com isso, houvesse ou não acordo”.
“Aí, tenho uma interpretação diferente da do senhor primeiro-ministro”, realça, referindo que António Costa “acha que só chegou ao fim por causa do acordo escrito”.
Interrogado se tem alguma reserva a que haja ministros do Bloco de Esquerda ou do PCP num futuro Governo chefiado pelo PS, o Presidente da República evita uma resposta direta, alegando não querer “condicionar o ato eleitoral”.
“Vamos esperar pela manifestação da vontade do povo português. Depois, vamos esperar pelo resultado traduzido numa viabilidade parlamentar. Tem de ser um Governo que seja parlamentarmente viável, e é isso que se deve procurar”, defende. Marcelo Rebelo de Sousa adianta que, “sendo parlamentarmente viável, naturalmente, há uma liderança do Governo”, que, “em larga medida define, e define de forma muito determinante, aquilo que é a composição do Governo”. “Estar, por antecipação, a formular juízos dessa natureza é condicionar o ato eleitoral”, conclui.
O chefe de Estado já tinha declarado, em setembro de 2018, que não lhe “parece essencial” haver acordo escrito para a formação do próximo Governo, quando foi entrevistado pelo jornalista e comentador Daniel Oliveira no seu ‘podcast’ “Perguntar não ofende”.
O Presidente da República distanciou-se assim do entendimento do seu antecessor, Aníbal Cavaco Silva, que exigiu ao PS certas garantias acordadas por escrito com PCP, Bloco de Esquerda e “Os Verdes” para empossar o atual executivo chefiado por António Costa.
Nesta entrevista à agência Lusa, interrogado se essa menor exigência não pode conduzir a uma legislatura instável, Marcelo Rebelo de Sousa invoca novamente a sua experiência na liderança do PSD, quando António Guterres chefiava um Governo minoritário do PS, entre 1997 e 1999.
O Governo do engenheiro Guterres durou, correspondendo à minha liderança da oposição, três orçamentos, três anos, e ficou próximo do quarto. E depois completou o quarto, sem necessidade de qualquer acordo escrito”, recorda.
Relativamente à duração do atual executivo minoritário do PS, sustenta que “imensos potenciais fatores de crise nesta fórmula governativa não tiveram nada a ver com o acordo escrito, foram fatores imprevisíveis à data do acordo escrito”.
“Ninguém podia prever a matéria do sistema bancário. Ninguém podia prever as tragédias de 2017. Ninguém podia prever certas evoluções que houve na economia mundial e europeia. Ninguém podia prever fenómenos sociais completamente novos”, elenca.
Todos esses fatores “não estavam no acordo escrito, não constavam daquilo que foi pensado, e podiam ter posto em causa orçamentos ou decisões políticas e legislativas”, mas “não puseram”, salienta.
“Essa vontade política, testada em situações limite inesperadas, é uma vontade exigente, é uma vontade que é preciso ser reafirmada ano após ano, às vezes mês após mês, às vezes semana após semana. Foi o que aconteceu. Não penso que acordo escrito tenha sido decisivo”, reforça.