Os centros urbanos de Lisboa e Paris, se tivermos em conta os 100 quilómetros quadrados mais centrais, têm uma diferença: nesses 100 quilómetros quadrados em Lisboa moram cerca de 500 mil pessoas, ao passo que na área equivalente da capital francesa vivem dois milhões. A comparação é feita por Pedro Lancastre, diretor-geral da JLL, consultora imobiliária que esta quarta-feira apresentou o seu estudo Market 360º sobre as perspetivas para o futuro do imobiliário em Portugal. E uma das previsões basilares que a JLL faz é que o centro da cidade, sobretudo graças à nova oferta “construída de raiz” que vai surgir nos próximos anos, poderá duplicar o número de residentes, voltando a cidade a ser “a casa” de cerca de um milhão de pessoas, como já foi no passado.

Os recordes de 2018 poderão não se repetir em 2019 (sobretudo porque o ano passado contou com grandes negócios, designadamente na área dos centros comerciais) mas a JLL continua a ver o mercado imobiliário português como tendo “bases muito sólidas” porque “temos tido e acreditamos que vamos continuar a ter uma procura superior à oferta”, afirma Maria Empis, diretora de research da consultora. “No residencial há construção, mas essa construção não tem sido suficiente para suprir as necessidades da procura, nos escritórios também, no comércio de rua há um dinamismo muito grande em cidades de Lisboa e Porto, na promoção e no investimento a procura é muito elevada”, acrescenta.

“2018 ficará na história como o ano em que se passou a barreira dos 30 mil milhões de euros em transações imobiliárias, mas também como um ano de máximos da última década na ocupação de escritórios e nos preços das casas”, afirma a JLL, acrescentando que, ao olhar para 2019, “o país é um destino de investimento incontornável no panorama europeu e mundial e vai ainda haver muito capital estrangeiro para cá investir”.

Na reabilitação a dinâmica vai continuar, ao mesmo tempo que existem excelente oportunidades para construção de raiz e há todo um conjunto de possibilidades com as novas tendências de vida, trabalho e investimento. O imobiliário vai ter um papel cada vez mais importante na vida das pessoas, das empresas e dos investidores à medida que os hábitos estão a mudar”.

Quando alguns intervenientes falam em “bolha” neste setor, a JLL responde com fatores como “diversificação e internacionalização do mercado” que existiu nos últimos anos (a JLL vendeu imóveis a pessoas de 45 nacionalidades no ano passado) e, também, salienta o facto de os negócios que se estão a fazer terem menos financiamento e mais cash, ou seja, os bancos mantêm bastante margem para financiar a compra de casas, com condições mais acessíveis.

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Outra novidade diz respeito às SIGI, as sociedades de investimento e gestão imobiliária (os REIT portugueses), que vão começar a formar-se a partir do início de fevereiro e podem ser “um catalisador por virem trazer mais transparência, dinamismo e liquidez para este mercado”.

Preços “exagerados” das casas usadas podem “sentir impacto” da nova construção

Quanto aos preços, na área do residencial, Maria Empis antecipa que “apesar de se estimar que poderá entrar mais stock e que pode equilibrar um pouco mais em relação à procura, o impacto que pode haver nos preços é, principalmente, nos preços das casas usadas — que estavam muito caras devido à falta de oferta de produto novo”. “Os preços das novas vai continuar a crescer, embora não tão exponencialmente como nos anos recentes”, confia.

“Quando o mercado começou a recuperar, não havia produto. Quem queria comprar ou esperava ou tinha de comprar casas usadas, e por isso o preço destas aumentou muitíssimo”, recorda Maria Empis. “Agora, à medida que o novo stock entra, começa a equilibrar este preço demasiado exagerado das casas usadas por, finalmente, haver oferta”, nota a especialista.

Escritórios. Oferta muito longe da procura

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Lisboa é, também, segundo a JLL, uma das capitais europeias onde existem menos metros quadrados de escritórios por habitante — “metade do que as grandes cidades europeias têm, temos uma grande escassez de escritórios sobretudo para a procura que existe hoje em dia, por grandes empresas que querem espaços novos e modernos”, comenta Pedro Lancastre, argumentando que “os 400 mil metros quadrados de espaço de escritórios que nós sabemos que virão para o mercado nos próximos quatro anos são pouco para as necessidades que uma cidade como Lisboa tem”.

Entre os desafios para o próximo ano estão o risco de subida dos taxas de juro, a começar pelos EUA — mas a JLL acredita que “tem de haver alguma cautela por parte dos bancos centrais” a esse respeito, admitindo subidas de taxas de juro “mas de forma muito faseada”. A nível externo, existem riscos como o Brexit — que em alguns aspetos até pode ser positivo para Lisboa, mas introduz um grande grau de incerteza geral no mercado imobiliário, desde logo pelo efeito do câmbio.

A nível mais interno o que preocupa é a “pressão política” que tem existido no setor: “houve mexidas nas leis da habitação e do arrendamento”, salienta Maria Empis, argumentando que “a lei do direito de preferência [dos inquilinos] pode travar algumas compras de edifícios, sobretudo para reabilitação” e houve “alterações no alojamento local que, para quem estava a investir no centro da cidade agora vê que pode não ter licença para operar no alojamento local”, afirmou a diretora de research da JLL. Ainda assim, apesar de 2019 ser ano de eleições, os estrangeiros olham para Portugal como um país politicamente muito estável.

Alojamento local. “As propostas da esquerda encaixaram perfeitamente nos interesses da hotelaria”

Um outro desafio importante é que os “custos de desenvolvimento estão muito mais altos”. Segundo contas da JLL, nos últimos cinco anos os custos de construção terão subido cerca de 30% — “um crescimento que se reflete todo no valor final do imobiliário” — uma consequência, em parte, da falta de mão de obra que existe no setor da construção. Além disso, “as câmaras estão mais lentas, os processos de aprovação estão mais lentos e isso faz atrasar muitos processos”, atira Maria Empis.

As principais cidades em Portugal — não só Lisboa — vão passar a ter uma predominância cada vez maior dos projetos de construção habitacional de larga escala (e menos pequena reabilitação) e haverá, também, uma tendência para o crescimento de projetos modernos de coliving, que já começa a ser uma tendência em Portugal, além de residências para estudantes com qualidade superior.

Programas como os Vistos Gold e os benefícios fiscais para não-residentes estão a ter uma importância cada vez menor, mas os estrangeiros vão continuar a olhar com muito apetite para o mercado português — mesmo para viver, desde brasileiros até cidadãos de outros países da Europa (Reino Unido, França), passando por turcos, sul-africanos e, cada vez mais, Médio Oriente.

O interesse não está a esmorecer e, a par disso, com a reabilitação e nova construção, Pedro Lancastre acredita que dentro de alguns anos o concelho de Lisboa possa duplicar o número de residentes, enchendo os tais 100 quilómetros quadrados com cerca de um milhão de pessoas. “Lisboa dá-se ao luxo de ter terrenos ainda muito grandes que a maior parte das grandes cidades não têm, e tem muita reabilitação para ser feita. Cabe muito mais população do que a que temos hoje”, acrescenta o diretor-geral da JLL, lembrando que há “muito a fazer” nas infraestruturas e nos transportes para acomodar essa duplicação de residentes.

O que falta em Lisboa? Para alguns, falta “onde gastar o dinheiro”

“Portugal está nas bocas do mundo porque tem condições únicas para viver. A procura é muita e vamos ter de ter produto adequado para esta procura”, comentou Patrícia Barão, diretora da área residencial, não só para os estrangeiros como para o cliente nacional. Nesta matéria, é possível encontrar algum otimismo no facto de haver vários projetos não só no centro da cidade mas, também, em outras zonas como a Alta de Lisboa e o concelho de Oeiras, incluindo Dafundo, Miraflores, Carnaxide e outros.