Não é comum, mas está longe de ser inédito: quando se soube que uma mulher teria tentado raptar um bebé recém nascido do Hospital de São João, no Porto, voltaram as perguntas que se repetiram, por exemplo, quando, em 2006, uma outra mulher conseguiu levar consigo um bebé, acabado de nascer, do Hospital de Penafiel — e escondê-lo durante mais de um ano. Como foi possível que um estranho chegasse a um bebé, dentro de um hospital, podendo mesmo pegá-lo ao colo? E que mecanismos de segurança deveriam ter impedido que isso acontecesse? O que leva alguém a tentar fazê-lo? E que consequências poderá enfrentar?

Um dia depois da tentativa de rapto no Porto, há já respostas, mesmo que parciais, para algumas perguntas, mas subsistem muitas dúvidas, à medida que vão avançando duas investigações — a interna e a judicial.

Um delas provavelmente nunca será esclarecida: porquê?

Quem é a suspeita de tentativa de rapto?

Quando foi abordada pela polícia, a mulher estava confusa, fazia longos silêncios e o que dizia não era sempre claro. Por isso, há dúvidas até sobre as informações que deu sobre a própria identidade. O Jornal de Notícias avança que tem 48 anos, vive em Vila Nova de Gaia e estará desempregada. Ao Observador, uma fonte policial diz, porém, que se apresentou como administrativa — não confirmando ou desmentindo esse detalhe do eventual desemprego.

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Nesse primeiro diálogo com a PSP, a suspeita não terá apresentado qualquer justificação para o que, alegadamente, tentou fazer. Só ela poderá explicar, afinal, o motivo das suas ações.

Como é que entrou numa zona de acesso restrito?

Há duas versões sobre a forma como a mulher conseguiu entrar na zona restrita de acesso aos quartos onde as mães estão com os recém-nascidos. Ambas coincidem num ponto: o elemento fundamental da estratégia que terá usado estava na bata branca que vestia, fazendo-se passar por profissional de saúde. Foi assim que terá conseguido enganar quem a foi vendo por ali. Testemunhas admitem, até, que tivesse um estetoscópio ao pescoço — à PSP, a mulher terá explicado que era socorrista da Cruz Vermelha e que, por isso, tinha aqueles objetos.

Mulher detida depois de tentar raptar bebé no Hospital de São João do Porto

Continua, porém, por apurar com rigor se a suspeita teve acesso a um livre-passe — um cartão que permite abrir as portas das áreas mais restritas — ou se alguém, pela parte de dentro, lhas abriu. Esta última hipótese não significa, contudo, que se suspeite, pelo menos para já, da existência de um cúmplice.

O JN explicava que a zona da obstetrícia no Hospital de S. João tem um acesso condicionado, com portas elétricas que só são ativadas pelos cartões do pessoal médico daquele serviço ou de familiares e amigos das mães, expressamente autorizados por elas. O problema é que essas mesmas portas precisam de cartão para abrir por fora, mas não precisam do mesmo cartão pela parte de dentro. Pelo contrário, basta carregar num interruptor e as portas abrem-se. A polícia admite que tenha sido um outro visitante, estando na parte de dentro, a abrir a porta — o que não seria estranho, já que, do outro lado do vidro, estaria, aparentemente, uma susposta médica ou enfermeira.

Quem assistiu à alegada tentativa de rapto?

Já lá dentro, a mulher terá sido sempre muito discreta. Não se sabe ainda se escolheu aquele quarto específico por alguma razão ou se entrou ao acaso e dirigiu-se à criança. Os familiares que ali estavam terão estranhado o comportamento da suposta profissional de saúde e, quando ela pegou no bebé, o pai tê-la-á abordado, querendo saber para onde o iria levar — e porquê. A mulher ainda terá ensaiado uma resposta, mas a forma como o fez levou o pai a achar que alguma coisa não estava bem.

Quem a travou?

Terá sido o próprio pai do recém nascido. O homem desconfiou das verdadeiras intenções da suposta médica ou enfermeira e já não a terá deixado sair dali. Alguns jornais deste domingo contam que a suspeita não conseguiu dar uma resposta concreta à pergunta sobre o que iria fazer com a criança para ter de a levar dali — e foi isso que fez disparar um alerta para o pai.

Ainda na noite de domingo, a polícia ouviu as testemunhas que assistiram àquele momento. Nos próximos dias, é provável que essas inquirições continuem, para esclarecer, com detalhe, todos os passos da alegada raptora.

Conseguiria mesmo sair?

Até ao momento, ninguém conseguiu dar uma resposta, com certeza, ao Observador. O Hospital de São João fez saber que não prestará mais declarações, agora que foi aberto um inquérito interno. Não há, por isso, a confirmação oficial das barreiras de segurança que a mulher ainda teria de passar para sair, de facto, com a criança nos braços.

Por causa de outros casos de rapto ou de tentativas de rapto em hospitais, semelhantes a este, os hospitais fizeram apostas sérias nas medidas de segurança para evitar a saída de um bebé sem autorização ou conhecimento dos pais. Uma delas foi a pulseira eletrónica que é colocada no pé de cada recém nascido e que emite um alerta sempre que for levado para fora das zonas permitidas — por exemplo, para fora do serviço de obstetrícia.

O sistema não é obrigatório, mas vários hospitais optaram por adquiri-lo, chegando mesmo a publicitar essa valência como incentivo para os futuros pais que estejam a decidir onde devem fazer o parto. Seria o caso do Hospital de São João?

No site do Babymatch, o sistema anti-rapto de bebés mais usado em maternidades e hospitais, estão listados 33 estabelecimentos hospitalares que, segundo essa informação, usam essa tecnologia. O Hospital de São João é um deles. A dúvida estará em perceber se todos os bebés recebem a pulseira ou se, por absurdo, o sistema poderia não estar a funcionar.

Se estivesse, qualquer tentativa da suspeita de abandonar as instalações com o recém nascido faria soar um alarme e travaria a fuga.

Lista dos hospitais e maternidades que usam o sistema anti-rapto Babymatch, segundo o site da empresa Infocontrol

O que acontece agora?

A investigação ao que aconteceu será feita em dois planos. Internamente, o inquérito mandado abrir pela administração do Hospital de São João permitirá apurar se todas as regras foram cumpridas ou se alguma falha permitiu que a mulher acabasse por ter acesso ao bebé. Mas mais do que apurar responsabilidades, o inquérito servirá para apontar eventuais pontos fracos no sistema de segurança do hospital e levar a medidas que permitam fortalecer e corrigir essas eventuais fragilidades.

No campo da Justiça, a mulher permanecia detida, este domingo, à espera de ser presente a tribunal para ser interrogada por um juiz. Fonte policial explicava à Lusa que a decisão de a manter detida, à espera, prendia-se com a “gravidade da situação”. Ao juiz de instrução caberá decidir se poderá ser libertada, com medidas de coação mais leves, ou se continua presa — preventivamente ou em casa.

A mulher está já indiciada por dois crimes: rapto na forma tentada, punido com pena de prisão entre dois e oito anos; e usurpação de funções, por ter-se feito passar por profissional de saúde, punido, no máximo, com dois anos de cadeia. Caso venha a ser acusada, o Ministério Público terá sempre de provar que a intenção da suspeita era, de facto, a de sair do hospital, levando o bebé, ou de, pelo menos, retirá-lo do quarto contra a vontade dos pais.