Santana foi em frente e encontrou-se pela primeira vez com a sua gente, na Arena de Évora. O antigo primeiro-ministro, que sempre foi uma sensação à chegada aos congressos, não teve desta vez o laranja à sua espera, mas antes um azul moderno (pantone 310C, segundo consta no Tribunal Constitucional). Santana chegou feliz, mas “sem pieguices”, como disse à entrada. A arena é para duros, o gladiador não quis mostrar sinal de fraqueza e o público recebeu-o com os dedos em vê de vitória (tal como no PSD). Uns gritaram Aliança, outros Santana. Houve um Tino de Rans chamado Celso que protagonizou a primeira crítica a Santana.

Santana Lopes à chegada Arena de Évora. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Ainda de manhã, os estatutos do partido foram votados e aprovados por unanimidade pelos congressistas. “A partir de agora está fundado o novo partido o Aliança”, decretou a presidente da Mesa do Congresso, Ana Costa Freitas. O regulamento eleitoral e a declaração de princípios e o símbolo foram igualmente aprovados por unanimidade.

Foi já ao fim da tarde deste primeiro dia de trabalhos que se ouviram discursos capazes de arrancar aplausos e entusiasmo aos congressistas. E vieram pela mão das duas figuras mais notórias do partido a seguir a Santana Lopes: o embaixador Martins da Cruz e o cabeça-de-lista do Aliança às europeias, Paulo Sande. Louvou-se a ousadia, pediu-se coragem e atacou-se o status quo. Foi a receita necessária para acordar uma sala que começava a adormecer no período pós-almoço.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Paulo Sande. O “não-político” que veio fazer política

O cabeça-de-lista do Aliança às eleições europeias, Paulo Sande, chegou ao congresso para lançar a sua campanha. E trouxe com ele uma proposta: a criação de “um sistema de mandato negociado”, que obrigue a que “os assuntos de grande importância para o país” sejam votadas pelo Parlamento português antes de serem votados em Bruxelas. “Assim, qualquer decisão relevante para Portugal tomada em Bruxelas passará por uma posição prévia dos deputados portugueses”, explicou.

A isto, acrescentou uma proposta complementar e que cria um maior escrutínio dos parlamentos nacionais sobre a atuação dos seus executivos. Uma ideia que não é nova, mas que Paulo Sande apoia: “o cartão vermelho”. Ou seja, abrir a possibilidade de “um número determinado de parlamentos nacionais possa considerar uma proposta da Comissão Europeia em violação do princípio da subsidiariedade, encerrando o processo legislativo em causa”, defendeu o candidato do Aliança.

Europeísta convicto, Paulo Sande mostrou-se crítico para com o projeto europeu e apresentou todo um programa para as eleições de maio. Entende que há regras estruturais do projeto europeu que precisam de ser reformadas e pediu ousadia. “É preciso dizer em voz alta que os excedentes orçamentais excessivos são tão contrários às regras do Tratado [Orçamental] como os défices excessivos”, reivindicou.

Garantiu que iria ouvir os portugueses e prestar-lhes contas da sua atuação e daquilo que encontrar em Bruxelas se for eleito. Aliás, já o está a fazer, afiança. “Ecoa um clamor público sobre a ilegitimidade da Comissão Europeia que não pode ser ignorado”, sublinhou, deixando a porta aberta a que esse debate seja tido não apenas na Europa e em Portugal, como no seio do seu partido.

Apresentou-se como um estreante nesta guerrilha política mas quis louvar a sua experiência política e europeia. Num discurso longo, o mais longo do primeiro dia de congresso, Paulo Sande falou pela primeira vez na condição de cabeça-de-lista do Aliança às eleições europeias. Apesar de nunca ter feito “política partidária” mostrou vontade de entrar nesse jogo, atacando de forma indireta tanto os seus adversários mais diretos e aqueles com quem vai disputar o eleitorado de direita. “Uns visarão o Governo, esquecendo que estas são eleições europeias”, afirmou. Um ataque a Paulo Rangel, cabeça-de-lista do PSD, que no discurso de apresentação da sua candidatura fez um discurso em que bateu forte e feio no Governo de António Costa, chegando a nomear por diversas vezes o primeiro-ministro.

Mas também houve farpas para Nuno Melo, cabeça-de-lista do CDS: “alguns dirão que a Europa é aqui, e isso eles sabem porque andam há décadas pela Europa. Parece que descobriram a pólvora”, atirou, referindo-se ao outdoor dos centristas para as europeias. Depois de atacar os seus rivais, recordou o valor acrescentado que pode trazer para a corrida às europeias: “ninguém poderá reivindicar o que o Aliança pode: somos novos”, gabou-se.

Estabeleceu cinco causas – “crescimento, luta contra a corrupção, mundo digital, ambiente e luta pela democracia” – como prioritárias e pediu “uma nova atitude perante a Europa”. Algo que considera impossível olhando para os candidatos dos restantes partidos, “que estão lá há muito tempo” e que “são invisíveis”.

Assumindo que quer ir buscar votos “à abstenção” e que pretende, para isso, aproximar o eleitorado português dos eurodeputados, Paulo Sande garantiu que não irá fazer “mais do mesmo”. “Estaremos na Europa para fazer diferente”, concluiu.

Martins da Cruz: “Não podemos falhar. Portugal está a olhar para nós”

Embaixador Martins da Cruz levantou a sala com o seu discurso no primeiro Congresso do Aliança. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O discurso do embaixador Martins da Cruz era um dos mais aguardados neste primeiro dia de congresso. De entre os vários militantes e delegados, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Durão Barroso é um dos rostos mais conhecidos. À semelhança do que fez o líder do Aliança, deixou o PSD no verão e rumou ao partido de Santana Lopes, integrando de imediato os órgãos transitórios desta nova força política.

Depois de um longo aplauso, subiu ao púlpito e apresentou-se. “Sou provavelmente dos mais velhos nesta sala”, começou por afirmar. De seguida, fez a pergunta que muitos tinham na cabeça e respondeu-se a si mesmo: “Alguns perguntar-se-ão o que estou aqui a fazer. Pois bem, andei algumas dezenas de anos por esse mundo fora, pelas embaixadas de Portugal e quis trazer alguma da experiência que tenho para este novo projeto”, explicou.

Protagonizando um dos momentos altos do primeiro dia do congresso, que desde o regresso da pausa para almoço se mantinha dormente, Martins da Cruz começou, aos poucos, a acordar a sala. A primeira parte da sua intervenção passou pela análise ao contexto político e internacional que está subjacente ao nascimento do Aliança. “O panorama político na Europa tem vindo a alterar-se, também nos países do sul da Europa. Tem-se assistido a uma fragmentação dos partidos típicos e tradicionais”, salientou. E para fazer face a esse desafio e evitar que os populismos tomem conta desses espaços, defende o embaixador, é necessário jogar na antecipação e encontrar “outras vias capazes de servir Portugal”.

“Apoio o Aliança porque é um desfio à rigidez do nosso sistema político”, justificou. Como mais-valia, o embaixador Martins da Cruz assegura que por ter conhecido projetos políticos inovadores na Europa, como em Espanha, França ou Itália” pode acrescentar experiência a um partido “de gente desconhecida mas com mérito“. E deixou uma pergunta: “O que é que esses países têm melhor do que nós para que não possamos fazer o mesmo em Portugal?”.

Apoiou Paulo Sande, que considerou ser “o melhor candidato que se podia ter”, e desafiou-o a lutar contra uma “Europa esotérica que não presta contas a ninguém”. “Queremos uma Europa que tenha princípios e valores”, defendeu.

No fim, deixou uma mensagem de motivação. “Estou seguro de que o Aliança será rapidamente imprescindível no espaço político português e europeu. Não podemos falhar. Temos de o fazer porque Portugal está a olhar para nós”, conclui antes de retomar o seu lugar debaixo de uma forte ovação dos congressistas.

O Celso e a Lei de Ferro: “O meu nome não é Tino, nem sou de Rans”

O novo partido não demorou até estar ligeiramente partido logo ao início da tarde de sábado. Antes do Congresso, Celso Pereira Nunes tinha tentado apresentar uma moção estratégia global , mas não terá reunido as condições necessárias para o fazer e chegou a acordo com Santana para apresentar propostas numa intervenção de 10 minutos. Isto sem se tratar de uma moção formal, já que não será submetida a votação, e sem ser candidato à liderança.

A intervenção de Celso Pereira Nunes foi morna e desastrada. Um dos delegados tentou interromper a intervenção e questionou a sua legitimidade. A primeira frase de Celso foi: “O meu nome não é Tino, nem sou de Rans, mas vou ter de dizer algumas coisas“. Aquilo que anunciou ser uma “pedrada no charco” mais não fez do que adormecer uma sala já pouco viva no pós-almoço. Falou da Lei de Ferro da oligarquia, do alemão Robert Michels, e remeteu a explicação das suas ideias para uma moção que colocou na plataforma Wix, dando o link para que fosse fácil lá chegar.

O Celso que não é Tino defende nesse documento de 35 páginas medidas diversas e polémicas, tais como:

  • “Tornar obrigatório o trabalho na prisão“;
  • “Introduzir a sanção de castração química para condenados por pedofilia”;
  • “Extinguir a ADSE”;
  • “Regulamentação mais clara que permita às forças de segurança trabalharem disfarçadas“;
  • “Abrir novas embaixadas e consulados, como por exemplo uma embaixada com secção consular em Daca (Bangladesh) e consulados em Chongqing (China) e Lagos (Nigéria), com o intuito de ajudar mais empresas e cidadãos”;
  • “Exigir ao Reino de Espanha a devolução da Vila de Olivença e territórios subjacentes, nos termos do Artigo 105 da Ata Final do Congresso de Viena”;
  • “Defender a ideia de constituição de um governo europeu emanado a partir do Parlamento Europeu”;
  • “Salário mínimo de 800 euros em 2022”;

Um tomate, um Ferrari e as vacas que não voam

No Alentejo, a agricultura é um tema incontornável. O Aliança convidou então o secretário-geral da CAP, Luís Mira, para falar no Congresso. O representante dos agricultores, começou por abordar a modernização da agricultura e os efeitos que isso tem no trabalho dos agricultores, ao dizer “um tomate é vermelho e um Ferrari também é vermelho”. No entanto, explicou, “há mais tecnologia para produzir um tomate do que para produzir um Ferrari”.

O secretário-geral da CAP alertou para a necessidade de “convergir com os agricultores europeus”, mas também contestou a atribuição dos fundos comunitários: “Não é justo que as verbas para o desenvolvimento rural tenham um corte de 17,5% em Portugal e para os franceses de 4,5%”. Luís Mira atirou uma farpa a António Costa ao dizer que “alguns políticos dizem que as vacas voam, mas as vacas na verdade não voam”. O secretário-geral da CAP lamenta o facto de a agricultura ter “evoluído muito”, mas “o ministério da Agricultura e o Estado” não evoluíram.

Santana Lopes cumprimenta o cabeça-de-lista às Europeias, Paulo Sande. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Luís Mira disse ainda que “a Aliança faça a diferença e defenda o que é a vida rural e os valores da vida rural”, já que “quando se fala nas touradas, quando se fala na caça, nenhum partido arrisca, ninguém se arrisca a defender esses valores sem medo. E há pessoas que querem viver assim”.

Depois de se ouvirem os três hinos do partido a concurso, houve um momento de cante alentejano mesmo antes da suspensão dos trabalhos para almoço.

Santana chegou à boleia do Carpool do Observador

Com alguns minutos de atraso, Santana Lopes seguiu para o primeiro Congresso do seu novo partido no Carpool do Observador. Na entrevista, o ex-líder do PSD disse que não fecha “a porta a ninguém que queira vir” do seu antigo partido, mas destaca que prefere construir o Aliança com caras novas. “As pessoas que estão no PSD que fiquem lá. Isto é para fazer com gente nova”, disse na entrevista no carro do Observador.

Santana Lopes garantiu que ainda não convidou ninguém para a Comissão Política Nacional —  o órgão de direção do partido — e revela que “os convites vão acontecer apenas durante dia de hoje [sábado]”. O líder da Aliança antecipa ainda que na sua futura direção, que já tem na cabeça, “conhecidos são só dois ou três” e que os restantes serão “caras novas”.

Santana Lopes antes do Carpool. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Sobre se pretende roubar eleitorado à direita, Santana Lopes não esconde o objetivo: “Espero bem que sim“. Mas logo acrescenta: “E a outros também.”

Ao contrário da moção de estratégia global que levou há pouco mais de um ano à liderança do PSD, Santana Lopes não assume agora um apoio a Marcelo Rebelo de Sousa. Esta questão, segundo disse Santana ao Observador, “é um não assunto neste congresso”. Para já Santana só quer discutir “europeias”, “regionais” e “legislativas”.  “Presidenciais é para o ano, veremos na altura”, atira o líder da Aliança.

Santana Lopes diz que a Aliança vai ser “exigente” com Marcelo Rebelo de Sousa, a quem deixou uma bicada. “Ainda no outro dia o ouvi a dizer na televisão [num vídeo antigo que foi recuperado] que os Presidentes só devem fazer um mandato. Pode mudar a opinião.” Sobre se ainda mantém aceso o desejo de chegar a Belém, o líder da Aliança nega ter essa ambição: “Não tenho nada a ver com isso”. Além disso, destaca Santana, “se o atual Presidente da República se decidir candidatar, com a popularidade que tem, será praticamente imbatível se decidir candidatura.

Santana Lopes já tinha os congressistas à espera há alguns minutos. Foi anunciado várias vezes na Arena, mas só chegou perto das onze da manhã. Pelo caminho, perguntou várias vezes se ainda demorava pois não queria chegar atrasado e foi atirando com humor: “Estão-me a levar para Beja?”

O líder da Aliança disse ainda que “o decorrer dos trabalhos vai provar que este não é o congresso de um homem só” e garante que fará “tudo para que assim não seja”.

Ao sair do carro do Observador, Santana Lopes fez umas breves declarações aos jornalistas, onde falou com romantismo do Congresso que agora arranca: “A Aliança é um partido de gente encantada”. Dentro da Arena, Santana foi cumprimentar os membros da mesa ao palco e os militantes fizeram um V com os dedos, tal como acontece no PSD, mas gritaram “Aliança”.

Junto às dezenas de militantes podia ver-se Fernando Lima — antigo homem forte de Cavaco Silva e envolvido no polémico “caso das escutas” — que está em Évora na qualidade de convidado. Santana explicou, no Carpool do Observador, que Fernando Lima é próximo do presidente do Conselho Estratégico, António Martins da Cruz, e que tem um enorme respeito pelo antigo assessor de Cavaco Silva, a quem gabou a capacidade de leitura política.

Da parte da manhã, houve um momento em que os delegados se começaram a apresentar um a um (o que continuaria depois das primeiras intervenções). Depois disso, a antiga secretária de Estado da Habitação, da Segurança Social e da Administração Pública nos governos de Santana Lopes e Durão Barroso, Rosário Águas apresentou o programa da Aliança, um partido que pretende combater a frente de esquerda. Neste programa, a Aliança apresenta-se como “a verdadeira alternativa no quadro democrático português” e garante que irá seguir um “caminho assente na ética, na honestidade e no direito à felicidade.”

Sobre o crescimento económico, Rosário Águas denunciou as “oportunidades que o país não tem sabido aproveitar”, e deu o exemplo do “mar, a que Portugal virou as costas, e que é em si mesmo uma fonte de riqueza”. A antiga governante falou ainda de fiscalidade e daquele que considera ser um peso excessivo dos impostos sobre as empresas. Além do valor do IRC, Rosário Águas disse que as “taxas e taxinhas”, que incluem “derramas”, fazem com que os impostos pagos pelas empresas sejam “dez pontos percentuais acima da média europeia”. E avisou: “Não há investimento sem competitividade fiscal”.