Manteve sempre uma postura conservadora e defende os valores mais tradicionais da Igreja Católica. Chegou a ser o número três do Papa Francisco e antigo tesoureiro do Vaticano, em 2014. Considerou o aborto “um escândalo moral pior do que os padres abusarem sexualmente dos jovens”, mas sempre disse que “toda a ideia de abuso sexual é aberrante”. Esta segunda-feira, o cardeal australiano George Pell foi considerado culpado de cinco crimes de abuso sexual de dois menores, na altura com 13 anos, cometidos há mais de 20 anos na Catedral de São Patrício, em Melbourne.
Pell, de 77 anos, foi arcebispo de Sidney em 2011, mas três anos depois mudou-se para Roma, onde assumiu o cargo de prefeito da secretaria para a Economia do Vaticano, com o objetivo de conduzir a reforma económica da cúpula da Igreja Católica e limpar a imagem de uma instituição marcada pelos escândalos financeiros dos últimos anos. Ainda antes de assumir esse cargo, esteve envolvido numa polémica na Austrália, onde foi acusado de apoiar e encobrir o cardeal Ridsdale, que enfrentava acusações por vários crimes sexuais em 1993. Mais tarde, o cardeal confessou que errou ao apoiar Ridsdale, mas sempre negou as acusações de que teria transferido sistematicamente o cardeal de uma paróquia para outra depois de este ter confessado que seria pedófilo.
As polémicas relacionadas com abusos sexuais foram sempre acompanhando o cardeal. Em 2012, Pell disse publicamente que os sacerdotes que ouviram confissões dos colegas que cometeram abuso sexual de menores devem estar protegidos pelo Selo de Confissão. “Se o padre souber de antemão sobre tal situação, o padre deve recusar-se a ouvir a confissão”, disse, acrescentando de seguida: “O Selo da Confissão é inviolável”.
Mais tarde, em 2014, voltou a estar no centro da polémica quando, durante a investigação da Comissão Real australiana em 2014, disse que “a Igreja Católica é tão responsável pelo abuso de crianças como uma empresa de camiões o é quando um motorista molesta uma mulher durante o trabalho”, disse, citado pelo The Guardian.
A luta contra a homossexualidade
Pell é também conhecido pela sua visão negativa sobre a homossexualidade. “Acreditamos que tal atividade está errada e acreditamos que, pelo bem da sociedade, ela não deve ser estimulada”, disse o cardeal em 1990. Oito anos depois, recusou dar a comunhão a membros do Rainbow Sash, um movimento de católicos gays que participava numa missa em Melbourne.
Não é uma questão de recusar homossexuais ou alguém que seja orientado para a homossexualidade. Uma pessoa que publicamente se define como apoiante ou praticante de atividades contrárias às doutrinas da Igreja num assunto tão grave não merece receber a comunhão sagrada”, referiu George Pell.
Ainda sobre a homossexualidade, o cardeal George Pell referiu ainda que “a atividade homossexual é um perigo muito maior para a saúde do que o tabagismo”.
“O aborto é um escândalo moral pior do que os padres abusarem sexualmente dos jovens”
Pell entrou na Igreja cedo, estudou em Roma e foi ordenado em São Pedro, depois de fazer um doutoramento em Oxford. A sua postura mais conservadora aplicava-se também no tema do aborto quando, em 2002, afirmou que “o aborto é um escândalo moral pior do que os padres abusarem sexualmente dos jovens”.
O cardeal manifestou-se também contra o uso de medicamentos para o aborto e apoiou as afirmações do Papa Bento XVI quando disse que os preservativos estavam a piorar o problema do VIH em África. “A ideia de que se pode resolver uma grande crise espiritual e de saúde como o VIH com algumas engenhocas mecânicas como os preservativos é ridícula”, referiu ainda, citado pelo News Australia.
A sida é uma grande crise espiritual e de saúde, e um enorme desafio, mas o uso de preservativos não é a solução — estão mais a estimular a promiscuidade e a irresponsabilidade”, referiu.
As acusações de abuso sexual
Em 2013, o cardeal assumiu que a resposta aos abusos por parte da Igreja Católica foi “imperfeita”, mas que só nessa década “começaram a aparecer artigos sobre o significado e importância dos crimes de pedofilia”, afirmando ainda que o celibato “não era para todos” e podia ser “um fator” neste caso de abuso. Pell associou ainda os abusos sexuais ao “problema da homossexualidade”.
Três anos depois, a rede televisiva ABC News deu início à divulgação do escândalo de abusos sexuais que envolvia George Pell, quando dois homens relataram terem sido vítimas de toques inapropriados por parte do cardeal, em 1970. “É um assassínio implacável da minha pessoa. Estou ansioso para ir ao tribunal defender-me. Sou completamente inocente destas acusações. Toda a ideia de abuso sexual é aberrante para mim”, referiu depois de a polémica estalar.
Em 2017, numa entrevista ao Observador, voltou a negar todas as acusações, dizendo até que se questionava se os problemas que teve na Austrália “estarão de alguma forma relacionados com as reformas” que estava a fazer em Roma.
Cardeal Pell: “Se eu me visse como um verdadeiro embaraço para o Papa, parava amanhã”
Agora, o antigo número três do Papa Francisco foi considerado culpado de ter penetrado um rapaz de 13 anos e de, em quatro ocasiões, ter cometido “atos indecentes” com outro menor de 13 anos entre dezembro de 1996 e o início de 1997 na Catedral de São Patrício, em Melbourne. O júri do tribunal considerou verdadeira a acusação do Ministério Público australiano, segundo a qual Pell terá cometido abusos sexuais sobre menores que faziam parte do coro da catedral de São Patrício, em Melbourne.
O processo já tinha sido julgado em agosto do ano passado mas, ao contrário do que aconteceu agora, o júri não tinha conseguido elaborar um veredito final. O caso voltou à estaca zero e foi reavaliado pelos tribunais australianos, que cinco meses depois, com um novo júri, consideraram o ex-tesoureiro do Vaticano culpado pelos cinco crimes. Na sequência da acusação, Pell deixou temporariamente as suas funções em Roma e regressou à Austrália para se defender em tribunal.