Nos veículos eléctricos e face à simplicidade dos motores animados por electricidade, são as baterias que determinam tudo o que implica dinamismo, da potência máxima permitida (um excesso pode resultar em aquecimento e deterioração do acumulador) à autonomia, passando pelo tempo de recarga e, claro está, pela estabilidade das células. Esta pode ser facilmente comprometida, limitando o número de ciclos de carga/descarga, ou seja, o tempo de vida das baterias, que continuam a ser a “peça” mais dispendiosa num carro eléctrico.

Nos automóveis eléctricos nem sempre é possível encaixar as baterias de maiores dimensões que gostaríamos para aumentar a autonomia. Tanto mais que, quanto maiores, mais caras são. Daí que os fabricantes persigam os packs formados por células que ofereçam a maior densidade energética, ou seja, com mais energia (Watt-hora, Wh) por kg. Na indústria, todos aceitam que são as baterias da Tesla (fabricadas em parceria com a Panasonic) que oferecem a maior densidade energética do mercado e o menor custo por kWh, dois trunfos que conferem grande vantagem ao fabricante americano, o que seria de esperar uma vez que se dedica em exclusivo a este tema desde a fundação da marca. Ou seja, mais de uma dezena de anos antes de todos os concorrentes.

O que aconteceu?

Depois de negociações que decorreram entre 12 de Dezembro de 2018 e 3 de Fevereiro de 2019, a Tesla adquiriu a totalidade das acções da Maxwell Technologies, pagando 4,75 dólares por título, num total de 218 milhões de dólares. Isto quando as acções da empresa não ultrapassavam 2,35$ em Dezembro, o que colocava o valor da empresa nos 140 milhões de dólares. As negociações foram extensas, minuciosas e aprovadas pelo conselho de administração, bem como pelos dois escritórios de advogados em representação de ambas as companhias, tendo sido anunciada a compra a 4 de Fevereiro e paga com acções da Tesla aos accionistas da Maxwell.

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Tudo estava a correr bem até um grupo de accionistas da Maxwell avançar para tribunal, contestando a venda e bloqueando-a, acusando a administração de ter vendido abaixo do preço. Isto não é uma novidade neste tipo de negócios, pois são normais as acções colectivas de accionistas que se sentem prejudicados. Mas daí a conseguirem provar má gestão da administração da empresa onde detêm interesses vai, tradicionalmente, um grande passo.

O tribunal irá analisar a queixa, com os especialistas a preverem uma resposta negativa. Até lá o negócio está parado, atrasando o controlo que a Tesla pretendia sobre a Maxwell por uma questão de semanas, pois a justiça americana é bem mais célere do que a nossa.

O que faz a Maxwell? O que são supercondensadores?

A Maxwell foi criada em 1965, em São Diego, na Califórnia, como fornecedor do Governo americano. A sua especialidade é o que se apelida de “ultracapacitors”, ou ultracapacitadores, apesar do termo em português mais correcto ser ultracondensadores. Condensadores é algo que existe desde 1746 e que faz parte das nossas vidas, dos rádios aos automóveis, especialmente aqueles com distribuidor e platinados. Até há pouco tempo, os condensadores eram electrolíticos, ou seja, funcionavam como uma bateria, com uma solução iónica a servir de meio para que os iões se deslocassem entre uma placa e outra, ou seja, entre o ânodo e o cátodo.

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Com a evolução dos condensadores para supercondensadores, estes deixaram de ser electrolíticos, com os iões a movimentarem-se agora entre as placas, sendo estas sólidas, através de um campo eléctrico. Por sua vez, os ultracondensadores, o último grito desta tecnologia, elevam ainda mais a fasquia, recorrendo ao grafeno para armazenar ainda mais energia, propondo uma densidade energética mais próxima das baterias de iões de lítio, continuando contudo a exibir as mesmas vantagens dos supercondensadores convencionais. Estas passam por uma elevadíssima densidade de potência, capacidade de carga instantânea e um número de ciclos muito superior. É esta a especialidade da Maxwell e é por isso mesmo que a Tesla necessita da sua tecnologia.

Para que quer a Tesla a Maxwell?

O que a Tesla deseja, como qualquer fabricante de baterias ou de veículos eléctricos – e a marca americana desenvolve actividades nestes dois campos – é encontrar acumuladores que sejam mais baratos, capazes de carregar mais depressa sem se deteriorarem com as cargas rápidas, sendo simultaneamente mais pequenos e leves. E, já agora, que suportem um número superior de ciclos carga/descarga, pois ninguém quer lidar com o problema da reciclagem das baterias.

Como Musk não partilha os seus segredos, surgem várias teorias para explicar o desejo da Tesla em adquirir a Maxwell, passando ambas pela produção de baterias revolucionárias. Na solução mais simples, os ultracondensadores serviriam para reforçar as baterias de iões de lítio convencionais, ocupando entre 30% e 40% da capacidade total das baterias, facilitando o seu funcionamento. Sempre que o condutor acelera a fundo, a energia é fornecida pelos ultracondensadores, poupando a bateria ao esforço da descarga rápida, que tanto lhe limita o tempo de vida útil. Simultaneamente, aumenta a autonomia, uma vez que as acelerações mais violentas absorvem demasiada energia.

Poucos acreditam que seja apenas este o interesse de Musk na Maxwell. Tudo indica que as baterias que a Tesla tem debaixo de olho são substancialmente mais complexas e eficientes, necessitando da tecnologia da Maxwell, não especificamente pelos ultracondensadores, mas pelos eléctrodos sólidos que eles possuem e que a empresa tem patenteados. Com estes cátodos e ânodos sólidos, a Tesla estaria em condições de avançar mais rapidamente para as baterias sólidas – que também podem ser apelidadas de uma nova geração de ultracondensadores – o que a deixaria de novo com larga vantagem sobre a concorrência.

Qual o interesse de Elon Musk nos condensadores?

Musk tem uma paixão secreta por ultracondensadores há muito, tanto mais que foi este o tema de um dos seus trabalhos de investigação na Universidade de Stanford, nos anos 90 (como pode ver abaixo, numa entrevista em 2011 à Khan Academy). A Maxwell anunciou recentemente que os seus novos eléctrodos sólidos já conseguem garantir densidades energéticas de 300 Wh/kg e que facilmente poderão atingir 500 Wh/kg, uma evolução brutal face às melhores baterias da Tesla, as 2170 montadas no Model 3, que se ficam pelos 246 Wh/kg, sendo ainda assim o melhor valor do mercado.

Em termos de densidade energética, isto significa que a Tesla pode dar um salto de quase 10%, que em breve poderia atingir 50%, uma evolução esmagadora face aos adversários. Paralelamente, as baterias fabricadas com as inovações da Maxwell vão garantir, segundo especialistas, uma redução dos custos que pode atingir facilmente 20%, face aos actuais acumuladores com electrólito líquido, outra vantagem que desperta o interesse de qualquer fabricante.

Mas as maiores vantagens das novas baterias sólidas (ou ultracondensadores de última geração) são a sua capacidade de aceitar carga a uma potência muito superior e sem se degradarem por aquecimento, o que permitirá reduzir o tempo de recarga a poucos minutos, sensivelmente o mesmo que tarda a atestar de gasolina, para depois suportarem um número de ciclos que pode chegar a ser 100 vezes superior. E como as actuais baterias já são garantidas por oito anos, em média, é fácil fazer as contas e, sobretudo, afastar a ameaça da reciclagem, uma vez que depois de servir o tempo de vida útil do veículo, os acumuladores ainda poderão estar umas dezenas de anos a servir de bateria estacionária, numa Power Wall lá em casa ou no escritório.

Este processo é um grave revés para a Tesla?

Depende da decisão do tribunal. Os fabricantes andam em cima de todas as empresas do sector das baterias, especialmente das startups, tradicionalmente mais criativas, em busca de soluções que possam usar para incrementar a qualidade e a eficiência dos seus produtos. A Tesla confessou-o por diversas vezes e tudo indica que encontrou a solução para revolucionar as suas baterias na Maxwell – para cúmulo, são vizinhos na Califórnia.

Este tipo de acções colectivas movidas pelos accionistas da Maxwell, contra a administração da própria empresa, visa elevar o encaixe por acção. Se a Tesla necessitar mesmo da tecnologia Maxwell e achar que corre o risco de ter uma decisão desfavorável, o mais certo é vermos nos próximos dias um aumento dos 4,75$ propostos por acção. Caso contrário, é uma questão de semanas até surgir o veredicto.