Rui Pinto, que está a ser investigado por pirataria informática e extorsão à Doyen, acusa a Polícia Judiciária portuguesa de ser parcial, de ter ligações suspeitas e de não investigar as informações que lhes chegam relativamente ao futebol. E disse esta terça-feira à juíza do Tribunal de Budapeste, na Hungria, onde se encontra em prisão domiciliária, que regressar a Portugal era uma questão de “vida ou de morte”. O Jornal de Notícias garante, na sua edição desta quarta-feira, que caso seja mesmo extraditado, o suspeito pode vir a gozar de um estatuto especial e ter mesmo direito a segurança pessoal.

Já depois da sessão em que a juíza decidiu extraditar o português e que os seus advogados anunciaram recurso, Rui Pinto respondeu a todas as questões dos jornalistas que puderam assistir aquela sessão. Rui Pinto anunciou que as autoridades francesas, a quem já entregou documentos úteis às suas investigações de crimes relacionados com o futebol, prometeram integrá-lo num “programa de proteção de testemunha”, porque terão percebido que “estava em risco”, explicou. A mesma visão não será partilhada pelas autoridades portuguesas. “Fico claramente com a impressão que as autoridades portuguesas podem querer que me aconteça alguma coisa. Existe já jurisprudência europeia para a proteção de denunciantes. E por isso é lamentável também que as autoridades portuguesas não tomem isso em atenção e me queiram tratar como um criminoso”, disse.

O Jornal de Notícias garante, na edição desta quarta-feira, embora sem citar nenhuma fonte oficial, que as autoridades vão estar atentas a qualquer ameaça que Rui Pinto ou os seus familiares possam receber. E, caso seja necessário, o arguido poderá gozar de segurança pessoal da PSP e ser inserido num programa especial de proteção. É o que a lei prevê, aliás, para todos os arguidos ou testemunhas em processos judiciais cuja integridade física seja ameaçada.

Hacker Rui Pinto recorre da ordem de extradição. Regresso a Portugal suspenso

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Pelas declarações de Rui Pinto, no entanto, esta tese não o convence. Ainda no tribunal de Budapeste, o arguido não hesitou em apontar o dedo às autoridades portuguesas, mais concretamente à Polícia Judiciária. “É bastante claro que não houve nenhum clube de futebol, nenhum elemento de clube de futebol que fosse condenado a crimes, sei lá, de corrupção, de lavagem de dinheiro. Nada. Nos outros países, as investigações existem, há resultados e não estou apenas a falar do futebol. Basta ver no caso de Portugal, os LuxLeaks, os Panama Papers, o SuisseLeaks. Em Portugal, parece que não acontece nada, não há nenhuma investigação. O Estado não consegue recuperar dinheiro nenhum. Nos outros países, as investigações avançam, recuperam milhões, mas em Portugal não recuperam nada”. “O caso do Benfica é um exemplo em como a justiça em Portugal é inexistente no que toca ao futebol. Isso é óbvio”, acrescentou.

E foi mais longe quando acusou inspetores da Polícia Judiciária de usarem mails pessoais para comunicarem com responsáveis da empresa do Fundo Doyen, no qual está a ser investigado por extorsão. “Se elementos ligados à Doyen tiverem reuniões clandestinas com inspetores da PJ que nem fazem parte do processo, isto é gravíssimo. Quando vemos inspetores da PJ a usarem emails pessoais para falarem com elementos da Doyen e tratarem-se quase como amigos, é gravíssimo. O Ministério Público investiga? Não quer saber disso. Provas? Tenho, estão em França. Entreguei provas disso às autoridades francesas. Têm documentos claríssimos que mostram que a investigação foi feita de maneira completamente irregular. Isto é escandaloso.”, acusou.

O hacker, que é licenciado em História e natural de Vila Nova de Gaia, garante que está a receber ameaças de fãs do Benfica, mas que não tem qualquer agenda escondida. Ainda aos jornalistas admitiu ser adepto do F.C. Porto, onde também já detetou “comportamentos estranhos” relativamente à Doyen. “Existem algumas coisas que me fazem acreditar que possa talvez haver desvio de fundos no F. C. Porto, o que me entristece. Pinto da Costa para mim é um dos melhores presidentes que o futebol europeu já teve, mas também comete erros. E entristece-me algumas coisas que soube sobre o F. C. Porto. Parte delas já são públicas. Se mais vão ser reveladas? Há essa possibilidade”, atirou.

Rui Pinto está detido desde 18 de janeiro em Budapeste, onde vive, na sequência de um mandado de detenção europeu por acesso aos sistemas informáticos do Sporting e do fundo de investimento Doyen Sports e posterior divulgação de documentos confidenciais, como contratos de jogadores de Alvalade e do então treinador Jorge Jesus, assim como de contratos celebrados entre a Doyen e vários clubes de futebol.

O hacker português terá acedido, em setembro de 2015, ao sistema informático da “Doyen Sports Investements Limited”, com sede em Malta, que celebra contratos com clubes de futebol e Sociedades Anónimas Desportivas (SAD). É também suspeito de aceder ao email de elementos do conselho de administração e do departamento jurídico do Sporting e, consequentemente, ao sistema informático da SAD leonina. A PJ suspeita que tenha também tido acesso aos mails do Benfica e dos seus advogados no caso do e-Toupeira, mas esses factos não integram estas suspeitas.

Rui Pinto está indiciado de dois crimes de acesso ilegítimo, dois de violação de segredo, um de ofensa a pessoa coletiva e outro de extorsão na forma tentada. Em 2014, Rui Pinto tinha sido alvo de um processo movido pelo Caledonian Bank por ter acedido aos dados de um administrador do banco e ter retirado cerca de 34600 euros das contas de vários clientes do banco. Aquela entidade acabou por chegar a acordo com o hacker, aceitando a devolução dos cerca de 17 mil euros que Rui Pinto ainda tinha disponíveis depois do desvio. O banco aceitou o prejuízo, para que os clientes não soubessem que tinha havido uma intromissão informática e retirou a queixa após assinatura do acordo. Desconhece-se o que Rui Pinto fez com o resto do dinheiro e o próprio, quando questionado, justifica que não pode fazer comentários sobre isso por ter assinado um contrato de confidencialidade com o banco.