Sábado, terceiro dia oficial da 52ª edição da ModaLisboa, segundo dia forte de desfiles, o Pavilhão Carlos Lopes voltou a encher-se para uma maratona. Coube ao LAB inaugurar o alinhamento, curiosamente, num outro ponto da cidade. Constança Entrudo, a menina prodígio que se estreou na edição anterior, quis um cenário diferente e instalou a passerelle num armazém na zona das Janelas Verdes. O ambiente era claramente a puxar para aquela vibe londrina que a designer conhece bem, contudo, com muito mais sol. Constança fez jus à tarde de sábado luminosa. Definiu uma paleta de cores à base de azuis, amarelos, laranjas e lilases, utilizou padrões florais que nos transportaram para os sixties e voltou a perder-se na sua trama de linhas.
“Foi um regresso às minhas origens, em vários sentidos. Fui à Madeira, onde tive oportunidade de estar no arquivo de uma fábrica de bordado. Mas também fui às origens do meu trabalho enquanto tirava o meu curso em Londres”, explica ao Observador. É caso para dizer que a segunda coleção de Constança Entrudo na plataforma LAB reuniu o melhor de dois mundos — tradição portuguesa e design contemporânea –, além de ter crescido em número de coordenados.
Seguiu-se João Magalhães, que em 2014 pisou pela primeira vez a passerelle da ModaLisboa com o nome Morecco. Um trajeto que começou com acessórios e que chegou ao pronto-a-vestir, sempre com um quê de performativo, é certo. Neste sábado, além de ter apresentado a primeira coleção em nome próprio, readaptou o registo extravagante que lhe conhecíamos. Ainda assim, há detalhes e acabamentos dos quais não abre mão. “Continua a haver muita coisa que foi bordada à mão durante semanas, na Índia. Há muitos acabamentos manuais e a maioria dos moldes é feita por mim. Era um bocado inglório estar a fazer uma coleção de coisas de que gosto mas que depois são muito pouco usáveis. Quis reunir tudo isso, mas de uma maneira que seja mais fácil de vestir”, explica ao Observador.
Para o desfile, o primeiro como João Magalhães, idealizou um passeio em plena cidade. Além de manequins, convidou amigos a desfilarem as suas criações na passerelle, entre eles a artista Aurora Pinho e a atriz Joana de Verona. Construiu a coleção imaginando projeções de luz sobre objetos. Na realidade, a exposição de Tomás Saraceno no MAAT, no ano passado, teve a sua quota parte na construção deste guarda-roupa urbano. Entre lantejoulas, fatos glamorosos e trench coats citadinos, João não teve necessidade de criar em função do género. “Não é uma preocupação. Tudo pode ser vestido por toda a gente, desde que seja em harmonia”, defende o criador.
De certa forma, o exercício de Inês de Oliveira, designer por detrás da Imauve, também foi simplificar. Fala em “moda com significado” e em como o design pode (e deve) ser posto ao serviço de uma luta por um estilo de vida mais consciente. No Pavilhão Carlos Lopes apresentou “Manifesto”, uma coleção leve e luminosa em que a criadora voltou a fazer a ponte com as artes plásticas, desta vez, com o abstracionismo de Malevich. “Estou a tentar criar algo que não seja tão marcado por uma estação em particular, a tentar criar peças mais intemporais e adaptáveis a outras circunstâncias. Sei que, na moda, é muito importante apresentar novidades, mas também é muito importante ter peças essenciais que sejam a base do guarda-roupa de qualquer mulher e que se adaptem a qualquer momento”, refere.
Inês recorreu ao sportswear, algo praticamente inédito na marca, para tornar a coleção mais fácil e versátil. Das malhas confortáveis aos vestidos de ténis, o equilíbrio entre o que é a Imauve clássica e esta sua versão atualizada foi conseguido na perfeição. “Todas as outras coleções foram bastante girly. Esta é mais relaxada. Também é a nossa sexta coleção, ainda estamos a perceber do que é que as nossas clientes mais gostam e qual é a nossa praia”, assinala Inês. “[Esta coleção] Não é tão aspiracional, no sentido em que as pessoas até gostavam de usar mas achavam que não é para elas. Aqui, quero que seja para as pessoas que vêem”, completa.
Pela primeira vez, Inês de Oliveira utilizou tecidos excedentes de fábricas para produzir a coleção. A esses, juntou materiais que tinha em stock no próprio atelier, incluído tecidos que já tinham sido usados noutras coleções. Alguns foram virados do avesso e assumiram novas cores. No fundo, a designer está a submeter o próprio trabalho ao teste do tempo. “Utilizei peças de outras estações — um casaco da minha primeira coleção e até um protótipo que fiz ainda antes da marca se chamar Imauve. Quero mostrar que a linha temporal está diluída e que o que compras hoje podes usar daqui a 20 anos”, termina.
“Bétnica” foi o neologismo na base da coleção apresentada por David Ferreira. O jovem mestre dos volumes fez jus ao título e exibiu um guarda-roupa eclético em que brilharam os cetins e as organzas de seda, mas também as lãs fofas da Mongólia, material que se tornou numa espécie de imagem de marca do criador. “A bétnica tanto usa um turbante, como usa um vestido cintado, como usa um bomber jacket. O mesmo aconteceu comigo — não me limitei a um look nem a um material. São todas as estéticas do mundo David Ferreira, sem me limitar apenas a uma”, admite o designer no final do desfile. As silhuetas exuberantes foram ainda potenciadas pela utilização de plástico. Dois dos coordenados fizeram lembrar as peças escultóricas de Olga Noronha, embora David Ferreira se tenha limitado a revisitar a matéria já explorada no passado, nomeadamente quando criou uma máscara para a cantora Björk.
O dia ficou ainda marcado pelo regresso de Carlos Gil à passerelle lisboeta, num desfile promovido pelo Portugal Fashion dentro do calendário da ModaLisboa. O criador foi fiel a si mesmo e pintou o Pavilhão Carlos Lopes de cores vibrantes, absorvidas das paletas de mestres como Mondrian e Kandinsky. Os brilhos e as aplicações em pelo marcaram a coleção da próxima estação fria, bem como uma nova aquisição no léxico Carlos Gil: um estampado desenvolvido em tom de homenagem à terceira arte, a pintura.
Com o coletivo Awaytomars, a sustentabilidade voltou a estar sob o foco. A plataforma de design colaborativo apresentou uma coleção feita a partir de peças enviadas por designers, marcas e clientes. Em seguida, Lidija Kolovrat não fugiu completamente ao mote e fez a ponte com a natureza. “Nature is Magic” começou por soar a um western reatualizado, mas esse acabaria por ser apenas um dos elos de ligação da criadora com o meio natural. Com cogumelos estampados, padrão camuflado e xadrez, lãs, algodões e elementos bem mais subtis como punhos de camisas que terminavam em pétalas, Kolovrat deixou que os manequins passeassem por entre esculturas coloridas que criavam uma espécie de jardim mágico (ligeiramente alienígena) em plena passerelle.
Coube a Luís Carvalho encerrar o dia. Mais uma vez, as artes plásticas inspiraram a moda. O criador partiu da obra de Matthieu Bourel, artista digital e de collage, para elaborar um outono-inverno à sua imagem. Os recortes e sobreposições foram transpostos para a roupa, o xadrez retirado das imagens do artista para dar vida a vestidos e fatos. “Normalmente, ele [Matthieu Bourel] trabalha imagens a preto e branco com apontamentos de cor. Aproveitei essas cores para criar pontos de luz na coleção”, explica Luís Carvalho.
O homem que vestiu Conan Osíris na semifinal e na final do Festival da Canção fala no desejo mútuo que o uniu ao cantor e compositor português. “Mandei-lhe uma mensagem a dizer que gostava de vesti-lo. Ele enviou-me a imagem de um look que gostava de usar, que acabou por não ser aquele”, conta. Quanto à Eurovisão, ainda não há certezas de quem vestirá Conan Osíris. Luís Carvalho está pronto a aceitar o desafio.
A ModaLisboa termina no domingo, dia em que se esperam os desfiles de Nuno Gama, Andrew Coimbra, Gonçalo Peixoto, Olga Noronha, Nycole, Ricardo Andrez, Aleksandar Protic e Dino Alves. Na fotogaleria, veja as imagens dos desfiles deste segundo dia de ModaLisboa.