Greta Thunberg não é de grandes conversas e isso não é apenas uma questão de personalidade — é uma questão de saúde. Ainda criança, foi-lhe diagnosticado síndrome de Asperger, transtorno obsessivo compulsivo e mutismo seletivo. Sobre esta última condição, a jovem sueca costuma deixar uma explicação simples: “Basicamente isso quer dizer que só falo quando acredito que é absolutamente necessário”.
Ora, nos últimos meses, Greta não tem feito outra coisa senão falar, falar e falar. O tema é o mesmo que a levou a ser um nome conhecido um pouco por todo o mundo: as alterações climáticas. E o local também já é conhecido: à porta do parlamento sueco para onde Greta, uma rapariga de 16 anos de cara arredondada e corpo franzino que não vai para lá do 1,50m, se desloca todas as sextas-feiras com um cartaz onde se lê “greve às aulas pelo clima”.
O movimento criado por Greta conhece esta sexta-feira, 15 de março de 2019, uma nova etapa, com a convocatória de uma greve de estudantes a nível global. Portugal não deverá escapar a este movimento — de acordo com um perfil no Instagram que está a coordenar os protestos no país, há pelo menos 26 locais onde os protestos estão confirmados.
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Tudo começou quando, em agosto de 2018, Greta anunciou a professores e colegas que não ia às aulas para protestar contra a inação dos políticos suecos (e, por arrasto, daquilo que designa de “países ricos”) para reduzir as emissões de CO2 na atmosfera. A promessa é a de que só vai parar quando quando a Suécia cumprir as medidas estipuladas no Acordo de Paris, firmado em 2015 por 185 países que se comprometeram então a tomar medidas para impedir que a temperatura média global subisse além de 2 graus Celsius.
[Veja no vídeo as imagens de uma greve estudantil que chegou a 120 países]
“Há pessoas que dizem que eu devia ir para as aulas. Há pessoas que dizem que eu devia estudar para ser climatologista para poder resolver a crise climática”, contou Greta numa sessão do TEDx Talks em Estocolmo, em dezembro de 2018. “Mas a crise do clima já foi resolvida. Nós já temos todos os factos e soluções. O que temos todos de fazer é acordar e mudar. Para que é que eu tenho de estudar para um futuro que não vai existir e quando ninguém está a fazer seja o que for para salvar esse futuro? Qual é o sentido de aprender factos no sistema escolar quando os factos mais importantes encontrados pelos melhores cientistas desse mesmo sistema escolar claramente não importam para nada aos nossos políticos e à nossa sociedade?”
Da primeira vez que Greta saiu da escola e se sentou em frente ao parlamento sueco, nenhum colega a acompanhou. Porém, com o tempo, isso mudou — e radicalmente. À medida que uma nova sexta-feira chegava, mais jovens juntavam-se à líder que começou nisto aos 15 anos e agora já vai nos 16. Tanto que, ao final de cada semana de trabalho, é certo que Greta estará em Estocolmo, frente ao parlamento, rodeada de vários jovens que ali se juntam durante horas a fio, além dos jornalistas de todo o mundo que vão para conhecê-la. Greta sente que aquele é mesmo um momento para falar — e é isso que faz, de microfone em punho, a maior parte das vezes em inglês, que domina de forma irrepreensível.
“É como se fosse uma conferência de imprensa de sete horas”, disse Greta para o Lunch with the FT, do Financial Times, o que certamente fará dela uma das participantes mais jovens da conhecida rubrica daquele jornal britânico. Esta é uma menção pela qual muitas figuras das demais praças públicas poderiam cometer algumas loucuras, mas para Greta isso não parece interessar assim tanto. Até porque, esta semana, quando soube que tinha sido nomeada para o Prémio Nobel da Paz, apenas reagiu dizendo: “Honrada e muito agradecida por esta nomeação”.
Honoured and very grateful for this nomination ❤️ https://t.co/axO4CAFXcz
— Greta Thunberg (@GretaThunberg) March 14, 2019
Quando Greta foi a Davos de dedo em riste
À medida que foi ganhando notoriedade, as sextas-feiras de Greta deixaram de ser apenas em frente ao parlamento sueco para serem noutras coordenadas. Na Alemanha e na Bélgica — países para os quais viajou de comboio, já que se recusa a andar de avião por ser mais poluente —, foi recebida por centenas de outros estudantes em greve e também em protesto. Mas uma das viagens que mais marcaram a perceção pública de Greta Thunberg foi até a um ambiente bem mais calmo e sereno do que a frente de um parlamento e a primeira linha de uma manifestação de rua: a reunião anual do Fórum Económico Mundial, em Davos, na Suíça, onde durante dias se reúnem os principais líderes e empresários mais importantes do mundo.
“A nossa casa está a arder”, começou por dizer. “De acordo com o IPCC [sigla inglesa para o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, da ONU], temos menos de 12 anos até não podermos apagar os nossos erros. Até lá, são necessárias mudanças sem precedentes, incluindo uma redução das nossas emissões de C02 de pelo menos 50%.”
O discurso, porém, não se cingiu apenas a questões técnicas — questões essas que Greta costuma evitar nos seus discursos. A estratégia da jovem sueca passa mais por apontar o dedo aos mais velhos — e, em Davos, os mais velhos são também os mais ricos. “Aqui em Davos, tal como no resto do mundo, toda a gente está a falar de dinheiro. Parece que o dinheiro e o crescimento são as nossas únicas preocupações. E já que a crise climática é uma crise que nunca foi abordada com sendo uma crise, as pessoas simplesmente não estão conscientes das consequências que isto terá nas nossas vidas quotidianas”, disse.
Por isso, Greta sublinhou ali que não há espaço nem tempo para soluções de meio-termo. “Vocês dizem que nada na vida é a preto e branco. Mas isso é uma mentira. Uma mentira muito perigosa. Ou prevenimos o aquecimento a 1,5 graus ou não prevenimos. Ou evitamos uma reação em cadeia além do controlo humano ou não evitamos. Ou escolhemos voltar a casa enquanto uma civilização ou não escolhemos. Mais preto ou branco do que isto não há. Não há zonas cinzentas no que diz respeito à sobrevivência”, disse, para uma plateia em completo silêncio.
Tão silenciosa que, quando o discurso chegou ao fim, demoraram a brindá-lo com palmas.
“Os adultos estão sempre a dizer ‘devemos aos nossos jovens a possibilidade de lhe darmos esperança’. Mas eu não quero a vossa esperança, eu não quero que vocês tenham esperança. Eu quero que vocês entrem em pânico. Eu quero que vocês sintam o medo que eu sinto todos os dias. E eu quero que vocês ajam como se estivessem numa crise. Quero que ajam como se a casa estivesse a arder. Porque está.”
Cinco segundos depois, soaram os aplausos.
A mudança começou em casa e uma depressão aos 11 anos
A primeira vez que ouviu falar de alterações climáticas, Greta tinha 8 anos. “Pelos vistos, era uma coisa que os humanos tinham criado pela forma como vivem. Então diziam-me para desligar as luzes para poupar energia e para reciclar papel para poupar recursos”, diz. Mas a verdade é que, aos seus olhos de criança, as alterações climáticas não era assim tão importantes — porque, pelos vistos, ninguém se importava muito com elas. “Se estivesse mesmo a acontecer, não estaríamos a falar de mais nada. Mal ligássemos a televisão, tudo seria sobre esse tema. Os títulos, a rádio, os jornais, tudo. Nunca mais se ia ouvir o que fosse sobre outros temas, como se estivéssemos em guerra. Mas ninguém falava disso”, contou na sua TEDx Talks. Por isso, explica na entrevista ao Financial Times que, quando tomou ouviu falar deste tema pela primeira vez, se tornou numa “negacionista” das alterações climáticas.
Mas isso não viria a durar muito tempo. Aos 11 anos, Greta criou uma obsessão em torno das alterações climáticas à medida que descobria mais sobre o tema.
“Eu fico a pensar nas coisas. Há pessoas que conseguem avançar, mas eu não consigo, sobretudo se for algo que me preocupe ou me deixe triste. Lembro-me de que quando era mais nova os professores nos mostravam filmes sobre o plástico no mar, ursos polares famintos e tudo isso. Eu chorava durante os filmes de uma ponta à outra. Os meus colegas preocupavam-se quando viam o filme, mas, quando ele acabava, começavam a pensar noutras coisas. Eu não consigo fazer isso. Aquelas imagens ficavam presas na minha cabeça”, disse Greta ao The Guardian.
Esta incapacidade de esquecer algo que causa preocupação e tendência para criar obsessões em torno de alguns temas em específico — comportamentos associados ao Síndrome de Asperger — levou Greta a uma depressão aos 11 anos. “Estava tão triste porque o mundo estava errado, estava tudo errado. Pensava que não havia razão para viver… E então fiquei deprimida, deixei de comer, deixei de falar, deixei de ir à escola”, contou ao Financial Times. Naquela crise, perdeu 10 quilos, o que acabou por afetar o seu crescimento físico.
Durante esses tempos, com os pais, discutia sobre o tema que a atormentava, desabafava tudo o que tinha preso dentro de si, mas, no final de contas, nada levava a resultados práticos. Foi aí que mudou o chip. “Comecei a falar disto o tempo inteiro, a mostrar aos meus pais imagens, gráficos, filmes, artigos e relatórios. E passado uns tempos eles começaram a ouvir mesmo o que eu dizia”, contou ao The Guardian.
“Foi aí que percebi que conseguia fazer a diferença. E saí da minha depressão quando pensei: é um desperdício de tempo estar a sentir-me assim quando podia estar a fazer muito mais com a minha vida. Ainda hoje estou a tentar fazer isso.”
A mudança começou em casa, pelos pais, ambos figuras públicas na Suécia. A mãe, Malena Ernman, é uma conhecida cantora de ópera que, por influência da filha, deixou de viajar de avião para o estrangeiro — o que, na prática, a levou a dar menos espetáculos. O pai, Svante Thunberg, ator e escritor, é agora vegan, tal como a filha. Na casa da família, onde vive também a irmã mais nova de Greta, foram instalados painéis solares. As deslocações são feitas por regra de bicicleta e só em situações específicas usam o carro. Elétrico, claro.
Tudo isto, porém, é ao nível doméstico — e Greta, como já se sabe, quer ir muito para lá disso. Até porque, sublinha, não é necessário. Foi precisamente isso que disse na sua Tedx Talk, já no final da sua intervenção.
“É nesta parte em que as pessoas começam a falar de esperança, de painéis solares, de energia eólica, da economia circular, e por aí em diante. Mas não é isso que eu vou fazer. Já andamos há 30 anos a dar palmadinhas nas costas e a vender ideias positivas. Lamento, mas não funciona. Porque se funcionasse, as emissões já teriam descido por esta altura. E não desceram. Claro que precisamos de esperança. Mas aquilo de que precisamos mais é de ações. E assim que começarmos a agir, a esperança estará em todo o lado. Por isso, em vez de procurarem por esperança, procurem por ações”, disse Greta que vai faltar às aulas esta sexta-feira. Como em tantas outras e, agora que já não está sozinha, como tantos outros.