Chegou ao fim mais uma edição do Portugal Fashion. Sob o sol domingueiro, a Alfândega do Porto encheu-se para o último dia de desfiles, com direito aos dois nomes mais internacionais do momento — Marques’Almeida e Alexandra Moura. Depois da segunda apresentação na Semana da Moda de Paris, a dupla formada por Paulo Almeida e Marta Marques deixaram a sala de queixo caído. Numa subtil homenagem a Portugal e às suas raízes, os dois designers trabalharam gangas, brocados, pele, seda e pontuaram a coleção com acessórios arrojados. A alma portuguesa e o espírito londrino desfilaram de mãos dadas. As M’A girls voltaram a dar a cara pela marca, desta vez com um casting feito em Portugal.

Alexandra Moura está, naturalmente, entre os nomes mais esperados do calendário. Na estação em que se tornou na primeira portuguesa a integrar o calendário oficial da Semana da Moda de Milão, Alexandra atraiu para si todas as atenções. Com “Bestiário”, a criadora foi transparente ao expor aquele que é o seu universo estético. Partiu do imaginário de ceramista Rosa Ramalho, “uma senhora deliciosa, com uma capacidade incrível de visualização, mais à frente do seu tempo, com um sentido de estética incrível, quer ao nível das esculturas de barro, quer ao nível da paleta de cores”, segundo palavras da própria criadora, quando falou com o Observador em Milão, no final de fevereiro.

“Não é sonho nenhum”, o slogan de Alexandra Moura na coleção “Bestiário” © Ugo Camera

Mais uma vez, dois mundos aparentemente opostos fundiram-se na passerelle. O urbano e o bucólico, fórmula que Alexandra já mostrou, mais do que uma vez, dominar na perfeição; o streetwear e o romantismo, cruzamento tão flagrante quando vemos passar (quase a tocar-nos nos pés, já que Alexandra faz questão que os manequins desfilem o mais perto possível da assistência) tule e flanela, casacos de xadrez e um vestido de acabamento metalizado. “Não é sonho nenhum”, como estampou numa sweatshirt da coleção, é Alexandra Moura a abrir-se ao mundo e a levar Portugal com ela.

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O dia começou bem mais cedo. Pela manhã, antes dos cabeças de cartaz pisarem a passerelle, o Portugal Fashion estreou um espaço dedicado à moda infantil. Laranjinha, Phi Clothings, Play Up e Turquesa Beach foram as marcas em destaque na primeira edição da “Portugal Kids Fashion Week, powered by Moda Portugal”.

Com a 44ª edição a aproximar-se do fim, Carla Pontes entrou em cena. E se, por um lado, há criadores portugueses em velocidade cruzeiro, durante os últimos dias, vários designers mostraram vontade de abrandar. Ao mesmo tempo que optaram por formatos alternativos ao desfile convencional, a consciência ambiental, mas também a readaptação das estratégias comerciais, falou mais alto. Na quinta-feira, Maria Gambina anunciou o fim dos stocks e Júlio Torcato reduziu drasticamente o número de coordenados apresentados. No sábado, Susana Bettencourt apresentou um conjunto de peças conceito, guardando a coleção comercial para o desfile de outubro. Agora, foi a vez de Carla partilhar a sua nova visão sobre a indústria da moda e sobre o seu próprio trabalho. Fala numa “necessidade de abrandar”.

O desfile de Carla Pontes © Ugo Camera

“Os desfiles são, muitas vezes, um espelho da própria indústria. É muito rápido, quase ninguém consegue compreender o que está a ser ali apresentado e conhecer realmente as peças. E acho que os meus colegas pensam o mesmo, que esta velocidade nos limita a criatividade. Estamos sempre a lançar coleções sem conseguir amadurecê-las”, reflete Carla, à conversa com o Observador, após o desfile deste domingo. Foi em função destas barreiras que Carla Pontes criou a coleção “Remember where you come from”. A desfilar no calendário do Portugal Fashion desde 2012, a criadora recuperou peças e elementos de coleções anteriores. Quis puxar pelo que a marca tem de mais identitário, reatualizá-lo e colocá-lo novamente na passerelle.

No desfile, a cor foi um dos elementos que mais saltou à vista. Em coordenados maioritariamente monocromáticos, as peças viveram das texturas, no caso das malhas, e de acabamentos como as costuras viradas para fora e as bainhas em fio. Apesar de mais pequena, a coleção foi também uma auto-reflexão da própria criadora, e com isso um inevitável exercício de minimalismo. O próprio formato da apresentação também mudou. No final, Carla quis que os manequins permanecessem da sala e que a coleção pudesse ser vista mais de perto.

Desfile de David Catalán © Ugo Camera

Os temas e preocupações comuns não ficaram por aqui. David Catalán voltou a trazer o espírito da montanha para a passerelle, depois de Maria Gambina e de Luís Onofre se terem inspirado nos desportos de neve para projetar o próximo inverno. O jovem criador ficou-se na figura do alpinista, multiplicando-a em dezenas de silhuetas. Dos fatos de xadrez, que não escaparam a uma aura vintage, aos longos casacos acolchoados, diretamente inspirados nas camas que estes aventureiros levam às costas. Ao mesmo tempo que explorou os preceitos da alfaiataria, o designer regressou às peças oversized.

Para Catalán, o desfile da coleção “Still Alive” é um grande passo em frente. Com mais coordenados, uma paleta coesa e um styling irrepreensível, o trabalho que o criador tem vindo a desenvolver no menswear assume uma nova consistência. E os resultados já começam a notar-se. As vendas para o mercado asiático, nomeadamente para o Japão, têm estado a aumentar e, na Europa, o criador está representado por uma loja em Paris. A próxima etapa é explorar o mercado canadiano. Talvez aí, ter uma farda de alpinista possa dar algum jeito.