Nove meses depois de ter sido afastado de uma paróquia de emigrantes portugueses em Paris por suspeitas de abuso sexual de menores, o padre madeirense Anastácio Alves continua desaparecido e a diocese do Funchal ainda não conseguiu contactá-lo para a investigação interna que está a fazer relativamente à denúncia anónima que recebeu contra o sacerdote.
Em 2005 e 2007, Anastácio Alves já tinha sido investigado pela Polícia Judiciária, na sequência de duas denúncias por abuso sexual — mas ambos os processos acabaram arquivados. Na altura, a diocese, liderada pelo bispo D. Teodoro de Faria, nada fez quanto às denúncias, limitando-se a atribuir a Anastácio Alves novas funções, primeiro noutra paróquia e depois noutro país.
Só à terceira denúncia, em 2018, a diocese, já com novo bispo, reagiu a uma denúncia contra ele, como relatou o Observador numa das partes da investigação “Em Silêncio“, sobre a forma como a Igreja em Portugal lidou com denúncias de abusos sexuais, publicada em fevereiro.
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Anastácio Alves foi afastado temporariamente pelo então bispo do Funchal, D. António Carrilho, em junho do ano passado, depois de a diocese madeirense ter recebido uma carta anónima que dava conta de alegados abusos sexuais cometidos pelo sacerdote contra uma criança. O alegado crime teria acontecido numa das deslocações frequentes que o padre, destacado para o apoio aos emigrantes portugueses em França, fazia à sua ilha natal.
O padre acatou a ordem de D. António Carrilho e deixou o serviço da paróquia de Gentilly, sendo substituído pelo padre Leandro Garcês, que entrou ao serviço a 24 de junho de 2018. Porém, desde essa altura que ninguém sabe de Anastácio Alves. O sacerdote está suspenso temporariamente enquanto decorre a investigação prévia que está a ser feita internamente pela diocese do Funchal, de acordo com as normas do Direito Canónico.
Mas a diocese não consegue encontrar o sacerdote para o ouvir no âmbito desta investigação, e essa é “uma das grandes dificuldades” que estão a atrasar o processo, segundo disse ao Observador o gabinete do novo bispo do Funchal, D. Nuno Brás, que entrou em funções no mês passado.
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“O paradeiro do padre Anastácio continua a ser desconhecido”, confirmou a mesma fonte, acrescentando que “o novo bispo pediu que [a investigação prévia] fosse continuada”. Como a diocese não consegue localizar o sacerdote, o gabinete de D. Nuno Brás lembrou ao Observador que, se tal se revelar verdadeiramente impossível, “o processo avançará, mesmo sem a sua participação” — ou seja, sem ouvir a defesa do padre.
Para já, estando a investigação em fase preliminar — há nove meses —, o caso ainda não deu origem a um processo canónico nem foi enviado para a Congregação para a Doutrina da Fé, organismo do Vaticano responsável por orientar os julgamentos eclesiásticos a estes casos.
Em simultâneo, a Polícia Judiciária do Funchal está a investigar as mesmas suspeitas — embora o caso não lhe tenha sido comunicado pela Igreja, mas sim pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens que, depois de identificar na criança em causa comportamentos estranhos na escola, sinalizou-a e remeteu o caso para o Ministério Público.
Em 2005, Anastácio Alves foi denunciado por alegadamente ter abusado sexualmente de um menor na sacristia da igreja paroquial da Nazaré, no Funchal, após uma missa. O menor viria depois a aparecer na polícia acompanhado por uma pessoa ligada à Igreja Católica para desmentir a queixa, mas a Polícia Judiciária continuou a investigar. Quando as autoridades começaram a inquirir elementos da hierarquia da Igreja, sobre o caso, Anastácio Alves foi mudado de paróquia.
A segunda denúncia surgiu enquanto a primeira ainda era investigada, mas o testemunho confuso e contraditório em alguns detalhes da criança acabou por conduzir ao arquivamento do caso. Ainda assim, após o arquivamento da investigação, o sacerdote foi enviado para o apoio aos emigrantes portugueses na Suíça, de onde passaria para França.
O bispo do Funchal até 2007 era D. Teodoro de Faria, o mesmo que na década de 90 tinha testemunhado a favor do padre Frederico Cunha — o seu secretário pessoal que foi condenado em 1993 por homicídio e por abuso sexual de um jovem, e que aproveitou uma saída precária para fugir para o Brasil, onde ainda hoje se encontra.
Já em 2018, a chegada de uma carta anónima à diocese liderada por D. António Carrilho levou a Igreja madeirense a abrir uma investigação interna e a afastar o sacerdote das suas funções como medida cautelar. Ainda assim, a diocese não levou as suspeitas à polícia, porque quis, segundo fonte da Igreja, respeitar a vontade da família, que preferiu manter o caso sem exposição.