“A verdade nua e crua é que o Parlamento votou três vezes contra o acordo da primeira-ministra.” A frase foi dita por Peter Kyle, deputado trabalhista e autor da moção votada esta tarde que reuniu mais votos — apesar de, à semelhança das restantes, ter sido chumbada — e provocou de imediato algumas gargalhadas. Não por os deputados considerarem absurda a constatação de que o acordo de Theresa May foi chumbado por três vezes. O verdadeiro motivo das gargalhadas prendia-se com a utilização da palavra “nua” quando, ali ao lado, nas galerias, os ativistas que tentavam alertar para as alterações climáticas se colavam ao vidro usando apenas roupa interior.

O protesto, que provocou muitas outras piadas entre parlamentares, foi o único momento fresco de novidade — a sessão desta segunda-feira do Parlamento britânico trouxe um resultado muito semelhante ao da semana passada, apesar de o país estar agora a apenas 11 dias da data marcada para a saída da União Europeia, caso não haja acordo aprovado até lá (12 de abril).

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As propostas selecionadas pelo presidente da Câmara, John Bercow, eram quatro: união aduaneira com a UE, permanência no mercado comum (num modelo semelhante ao da Noruega), um segundo referendo ao acordo que emerja do Parlamento ou uma série de passos que dão mais controlo ao Parlamento (incluindo a possibilidade de revogar o Artigo 50, ou seja, cancelar o Brexit). “Só emergirá uma solução se fizermos por isso”, tinha apelado Kyle no início da sua intervenção. O seu partido, o Labour, decidiu impor como disciplina de voto o voto favorável a todas as moções com exceção da última, proposta pelo Partido Nacional Escocês.

Mas os esforços para se conseguir um entendimento na Câmara dos Comuns falharam. A proposta de um “voto popular de confirmação” (um segundo referendo, portanto) foi a que teve mais apoios (280 votos), mas não chegaram para contrabalançar os 292 contra. A proposta do veterano Kenneth Clarke pela união aduaneira, por seu turno, foi a que teve a menor diferença de votos (273 vs. 276), sendo por isso a que esteve mais próxima de ser aprovada — mas falhou esse intento.

Também a proposta dos escoceses foi rejeitada (apenas 191 votos a favor, 292 contra), tal como o modelo Noruega (261 vs. 282). Em reação à votação, o proponente da moção pelo mercado comum, Nick Boles, anunciou dramaticamente que iria abandonar o Partido Conservador: “Falhei. Falhei sobretudo porque o meu partido recusa-se a fazer compromissos. Lamento anunciar que já não posso sentar-me com este partido.”

Irá agora Boles juntar-se ao Grupo Independente de Anna Soubry e Chuka Ummuna, que reúne dissidentes tanto dos trabalhistas como dos tories? É uma questão que fica, para já, sem resposta.

Deputados insistem que consenso é possível. Round 3 ainda esta semana?

Também a questão maior, a do Brexit, fica transformada num ponto de interrogação gigante. “A verdade nua e crua”, como diria Kyle, é que no final da noite o Parlamento voltou, em poucos dias, a não conseguir chegar a nenhuma espécie de entendimento, apesar da determinação em tentar evitar um no deal — que acontecerá, por defeito, a 12 de abril, se nada for feito até lá. A Câmara dos Comuns já por duas vezes aprovou votos indicativos, dizendo que não quer esse cenário; mas, por enquanto, ainda não conseguiu aprovar nenhuma solução alternativa a essa.

Assim que os debates foram anunciados, o líder da oposição, Jeremy Corbyn, reagiu no Parlamento dando o sinal de qual poderá ser a estratégia dos deputados: imitar a primeira-ministra e tentar insistir, em modo “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. “Se é aceite que a primeira-ministra tenha três tentativas com o seu acordo, então sugiro que é possível que a Câmara possa reconsiderar as opções que temos à frente”, declarou. “Assim, a Câmara pode ser bem sucedida onde a primeira-ministra falhou.”

Peter Kyle reforçou essa ideia, dizendo que este é o tempo “da humildade”:

Não há uma maioria, mas há várias minorias que podem unir-se para formar uma maioria”, afirmou o autor da proposta por um segundo referendo.

O facto de três das opções que foram chumbadas — união aduaneira, mercado comum e segundo referendo — terem sido reprovadas por uma margem inferior aos 58 votos de diferença entre os que chumbaram e os que aprovaram o acordo de May dá alento aos promotores destas propostas, que esperam ainda conseguir convencer os apoiantes a combinarem as duas ou até as três propostas numa só, que pudesse ser votada e aprovada na quarta-feira.

Só que, claro está, não só é certo que a matemática funcione, como o Governo — que estará reunido esta terça-feira num Conselho de Ministros de cinco horas — também tem uma palavra a dizer. Não só não é legalmente forçado a respeitar qualquer votação deste tipo do Parlamento, como continuam a circular rumores de que a primeira-ministra pode tentar apresentar o seu acordo a votação uma quarta vez, na esperança de que os conservadores se assustem com este possível soft Brexit que se cozinha no Parlamento e apoiem a sua proposta.

Mas qualquer votação tem de trazer um documento novo, caso contrário Bercow não permitirá que seja votada. E o Parlamento parece determinado em não dar chances a May, embora ainda não tenha conseguido ser mais bem sucedido do que a primeira-ministra. Perante este cenário, não admira que “muitos ministros falem agora em privado de opções mais drásticas”, como refletia na noite desta segunda-feira Laura Kuenssberg, editora de política da BBC. “Talvez umas eleições antecipadas, se não houver outra forma de sair desta confusão.”

Seja qual for o caminho daqui para a frente, certo é que esta foi mais uma noite de inconsequência, numa altura em que é necessário agir. “Estamos onde estamos. Nada ganhou esta noite. Do que é que retiro conforto? Roger Federer fez uma exibição majestosa em Miami ontem à noite e, embora não tenha havido uma vitória aqui nesta Câmara, o Arsenal ganhou por 2-0. Esta noite vou ter de me contentar com isso”, refletiu o presidente da Câmara, John Bercow, no encerrar da sessão, antes de deixar um último conselho: “Tenhamos uma boa noite de descanso para recarregar baterias e fazer o nosso dever amanhã com determinação e boa disposição.” Quanto à última parte, só restam mesmo os protestos originais de manifestantes meio despidos para conseguir arrancar gargalhadas a um grupo de deputados sem consenso.