Garante que ponderou muito antes da escrita, esperando até que tudo não passasse de uma moda que seria rapidamente arrumada no fundo da gaveta. Mas parece que as leggings, esse “acessório imperdoável, vieram para ficar. Segundo Maryann White, “mãe católica de quatro filhos”, que assina esta carta protesto enviada aos editores do The Observer, o jornal da Universidade de Notre Dame e do colégio de Saint Mary, publicada a 25 de março, o problema vai muito além dos discutíveis contornos estéticos. Para a autora, esta é uma questão que “apenas as raparigas podem resolver”, razão suficiente para ter lançado um apelo às alunas destas duas instituições de ensino em Indiana: “Na próxima vez que forem às compras, conseguem pensar nas mães de rapazes e escolher antes jeans?”

Maryann descreve um “mundo em que as mulheres continuam a ser retratadas como ‘babes’ em filmes, jogos de computador e videoclips, tornando-se difícil uma mãe católica ensinar aos seus filhos que estas mulheres são as irmãs e as filhas de alguém”. E recorda o constrangimento sentido durante uma ida à missa, quando se cruzou com um grupo de jovens usando estas calças e ainda crop tops. Quanto ao fator conforto, um dos argumentos frequentemente associado ao uso desta peça, White é perentória: “Também os pijamas são confortáveis. Ou andar nu. O corpo humano é lindo, mas não andamos por aí nus por respeito a nós mesmos”.

O caso das leggings que impediram duas meninas de voar na United Airlines

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Tal como as leggings, e como seria de esperar, o desabafo desta mãe também não ficou a ganhar bafio na página de um jornal. O caso é recordado por Vanessa Friedman no The New York Times, que descreve o episódio e as suas repercussões, começando por fazer notar, desde logo no título, que “As leggings podem ser o futuro. Lidem com isso”. Em dois tempos, as respostas fizeram-se escutar de diferentes quadrantes, com diferentes marcas de desporto que comercializam artigos como estes (na imagem abaixo) a aproveitarem o barco.

Segundo o New York Post, que também fez eco da história, em menos de 24 horas o grupo escolar sem fins lucrativos Irish 4 Reproductive Health organizou um movimento em jeito de retaliação à mãe indignada, consagrando o 26 de março como o “Leggings Pride Day”, e encorajando ambos o sexos a partilharem fotos suas com estas calças justas nas respetivas redes sociais. No mesmo sentido, disseminou-se online o hashtag #leggingsdayND.

Quatro dias depois da publicação da carta de Maryann, o The Observer viu-se obrigado a reagir, tal a torrente de comentários que recebeu, entre tweets, memes, e ainda discussões que se instalaram no interior das salas de aula. “Ficámos estupefactos com o grau de discussão que as leggings despoletaram”, admitiu a publicação, que entretanto também foi questionada sobre o processo de divulgação da carta de White, acusada de eventualmente ter cedido ao potencial viral de tal queixa.

Garantindo espaço a posições alternativas, o jornal publicou ainda “The Leggings Problem — A Response”, uma opinião que contraria a perspetiva de Maryann, e que frisa uma das principais notas em cima da mesa: “A noção de que as mulheres devem deixar de usar certa coisas porque os homens não se conseguem controlar desvia a culpa da pessoa que olha para a pessoa que veste, ou seja, a culpa é da mulher que veste a roupa, não do homem que tem estes impulsos.”

O New York Times recorda ainda uma polémica de 2017 envolvendo o mesmo acessório, quando duas meninas de 10 anos foram impedidas de viajar na United Airlines, e apresenta algumas respostas para a aparente perplexidade do campus escolar, apanhado de surpresa por um debate que parece de segunda linha, mas que talvez seja mais revelador do que à primeira vista se apresenta. “O que este protesto das leggings pode ter exposto não é tanto o físico de quem as usa, mas antes uma falha cultural que atravessa gerações. Este padrão histórico inclui a minissaia e os jeans, Mary Quant e James Dean, e acessórios que pareciam tão hereges e inexplicáveis para o establishment mas que desempenharam um papel fulcral na atualização de normas e no abrir caminho para o que veio a seguir”.

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Em tempo de rescaldo do movimento #MeToo, Friedman sublinha ainda as diferentes leituras a que uma peça desta natureza se presta, do aparente apelo à sedução (sugerido por correntes como as de Maryann White) à vigente tendência confort culture, frequentemente a anos-luz do fator sexy e alheia a acusações do género. Até entre gerações próximas há todo um referencial que se manifesta de forma distinta. “Para a geração Y, as leggings tendem a ter um significado de lifestyle mais associado à saúde e atividade física do que propriamente ao contexto do trabalho; para a geração Z, que maioritariamente rejeita a uniformização e rótulos tradicionais, elas são um básico tal como os jeans, que as pessoas vestem sem pensar duas vezes”.

A fluidez nos códigos e ditames da moda tem força quanto baste para encetar outras discussões, sobre peças tão ou mais reveladoras. Basta pensar, por exemplo, como a roupa interior saltou para o exterior, para uma verdadeira revolução nos códigos, costumes e polémicas, claro.