De mãos na cara, de braços no ar, sentado no chão, a olhar para o céu. As objetivas no Allianz Stadium estiveram do início ao fim centradas na cara de Cristiano Ronaldo como se apenas dele dependesse o sucesso de uma equipa. O hat-trick com o Atl. Madrid que promoveu a reviravolta nos oitavos da Champions provou que isso é possível – mas também fica curto para voos muito mais altos. De forma natural, o Ajax prolongou o verdadeiro conto de fadas na Europa e deitou por terra o grande sonho da Juventus para a presente temporada (e para a próxima, e para a seguinte, como era nas anteriores). Foi o triunfo de uma ideia de jogo liderada por Erik ten Hag mas também o rotundo falhanço do projeto futebolístico de Massimiliano Allegri.
Na imprensa transalpina, o Corriere dello Sport tem a capa mais marcante do dia: “Apocalipse”. Destaca a vantagem inaugural com o golo do Ronaldo, critica o autêntico colapso coletivo que se seguiu no resto do encontro. Pelo mesmo diapasão alinha a Gazzetta dello Sport, que fala em “tremenda deceção de uma equipa muito longe da que se viu com o Atl. Madrid”: “Cristiano conseguiu o golo habitual mas esteve sozinho, demasiado. A Juve não parecia estar preparada para a grande noite, foi uma equipa branda e aborrecida. As ausências pesaram, sobretudo a de Chiellini: faltou garra”, salienta. Já o Tuttosport realça que “a Juve enganou-se com o golo de Cristiano – o Ajax deu uma lição de jogo e tática”. “Se no ano passado os bianconeri se sentiram defraudados com o que se passou no Bernabéu, agora foi absolutamente razoável”, acrescenta.
Pela primeira vez desde 2010, Cristiano Ronaldo, que entre Manchester United e Real Madrid tinha ganho sempre nos quartos da Liga dos Campeões, não chegou às quatro melhores equipas europeias. E são quatro as principais razões que explicam o autêntico descalabro dos mais do que prováveis atuais e futuros campeões italianos, pelo oitavo ano consecutivo, a começar desde logo pela inexistência de um plano B que permita a Allegri virar o rumo dos acontecimentos na adversidade.
O eclipse de algumas das principais figuras (sobretudo Dybala)
Não foi a primeira vez que Allegri ouviu a pergunta. Provavelmente, não terá sido também a última. A resposta, essa, anda só à volta do tema mas sem uma análise direta: o brilho de Ronaldo apaga a luz da genialidade de outras estrelas no ataque? O técnico recusa a ideia e reforça sempre os elogios ao português mas passa ao lado da outra parte da questão – Dybala, a grande referência da equipa em termos ofensivos até chegar o capitão da Seleção, tem cada vez menos influência (sobretudo nesta segunda parte da temporada); Mandzukic, por motivos físicos, leva muito menos partidas oficiais na presente época.
Uma avalanche de lesões e a quebra física durante o jogo
A segunda parte da época tem aumentado e muito o cenário já preenchido de lesões na Juventus. Com o Ajax, além de Cuadrado que recupera a forma após longa ausência, ficaram de fora os capitães Chiellini e Mandzukic e ainda Douglas Costa. Os dois primeiros seriam titulares “de caras”, o último voltaria a surgir como principal trunfo a lançar durante a partida, como ocorreu em Amesterdão (e com visível sucesso). Mas mais surpreendente foi a quebra física da equipa no seu todo no decorrer da segunda parte, quase estendendo a passadeira para o futebol total do Ajax fazer o que quisesse do meio-campo para a frente.
A marca de uma identidade que se foi perdendo
A Juventus nunca foi propriamente conhecida como uma equipa que apresentasse um futebol espetacular, daqueles que enchem o olho qualquer que seja o resultado final; em contrapartida, era muito elogiada pelos adversários num ponto específico: a solidez defensiva. Assim como treinadores e comentadores dizem que uma equipa que tenha Ronaldo e Messi começa os jogos a ganhar por 1-0, havia essa ideia de que o zero estava “garantido” nos visitantes e que bastava um golo para a Juve ganhar. Com o Ajax, mais uma vez, os bianconeri falharam. Não no setor em específico mas como equipa: na forma como a primeira zona de pressão nunca travou as saídas em posse dos holandeses, nas movimentações que deixavam metros e metros para o adversário jogar apoiado como gosta, nas transições que abriam espaço à velocidade e profundidade dos atacantes contrários. E foi aí que começou a derrocada de um conjunto que partia para a segunda mão com o resultado da eliminatória a seu favor.
O modelo Allegri chegou ao prazo de validade?
Depois da eliminação da Juventus nos quartos de final da Liga dos Campeões, a primeira grande questão colocada passou pela continuidade ou não de Massimiliano Allegri na equipa. O treinador garantiu logo que sim e assegurou que já está a planificar a próxima época, o presidente Andrea Agnelli referiu o mesmo mas lá acabou por acrescentar que “daqui a um mês” haverá uma reunião entre toda a estrutura. Na ideia dos responsáveis do clube, o sucesso interno já parece ser curto e começa a falar-se com insistência num fim de ciclo de uma equipa que rende bem menos em termos coletivos do que deveria – e que, frente ao Ajax, teve em Matuidi o exemplo paradigmático de como uma má abordagem de jogo pode apagar um bom (e decisivo) jogador.