A festa estava montada. E não deveria ser propriamente desse fim de semana, tamanhas foram as facilidades que a Juventus teve ao longo de uma Serie A que continua com pouca ou nenhuma história nas últimas oito temporadas. Estava montada e ainda hoje está: depois da derrota frente à SPAL e do triunfo do Nápoles em Verona diante do Chievo, o scudetto ficou adiado por mais uns dias, mais do que provavelmente até sábado. Mas se para quase todas as equipas europeias o triunfo no Campeonato surge como prioridade, a realidade da Vecchia Signora era outra e passava pela conquista da Champions. Com Ronaldo, claro.

Cristiano voltou para fazer o que melhor faz há 12 anos (a crónica do Ajax-Juventus)

O português continua a ser gerido com pinças, embora seja notícia de forma indireta quase todos os dias. Depois da reportagem da Reuters com o jovem iraquiano Biwar Abdullah, de 25 anos, um sósia do avançado que é travado na rua para tirar selfies e que tem como grande sonho conhecer um dia o seu ídolo, o destaque foi agora para o filho mais velho do jogador que marcou 12 golos nos dois primeiros jogos realizados pelos Sub-9 da Juventus num torneio que decorre na Madeira. Hora de jogo, hora de Liga dos Campeões, hora de regresso da grande estrela da competição. Ou ainda mais estrela, tendo em conta que entrámos na fase a sério onde se define os quatro melhores da Europa – aquela onde Ronaldo somava até esta noite 24 golos em 21 jogos. Mais uma vez voltou a marcar mas, pela primeira ocasião em 12 presenças, acabou por falhar a fase seguinte.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No lançamento destes quartos da Champions, José Mourinho tinha destacado a qualidade de Ajax e Manchester United para deixar uma espécie de alerta a Juventus e Barcelona apesar dos resultados positivos conseguidos na primeira mão. “Não me surpreenderia se um ou ambos ficassem de fora. Os resultados demonstram que todos têm uma oportunidade. Ninguém entra no jogo da segunda mão a pensar ‘isto está feito, já passamos’, nem ‘é impossível o apuramento'”, referiu, acrescentando que, no caso dos holandeses, tratava-se do único conjunto a chegar a esta fase “sem qualquer pressão”. No entanto, e como salientou o também ex-campeão europeu como técnico Fabio Capello (neste caso, falando a propósito da época menos conseguida do Real Madrid), “quem tem Ronaldo começa sempre a ganhar o jogo por 1-0”. O que, mais uma vez, aconteceu – mesmo sendo curto.

A receita de Massimiliano Allegri não tinha propriamente muitos ingredientes. Os nomes que avançariam de início ainda ficaram em segredo, nomeadamente a composição do ataque, mas tudo o resto resumia-se a duas ideias: ter a mesma intensidade do jogo em Turim frente ao Atl. Madrid (3-0) e melhorar a circulação de bola em relação à partida em Amesterdão (1-1). A segunda, nem sempre foi cumprida; a primeira tornou-se o segredo da eliminatória mas ao contrário. Percebeu-se que o jogo poderia ficar a jeito do trio móvel de unidades ofensivas formado por Ronaldo, Dybala e Bernardeschi, mas as ameaças iniciais até foram do Ajax, no seu futebol curto e rendilhado tipo futsal entre David Neres, Tadic, Ziyech e Van de Beek.

Já perto da meia hora, na fase menos conseguida da Juventus na primeira parte, bastou uma bola parada para o suspeito do costume fazer toda a diferença: pontapé de canto apontado na direita por Pjanic, queda de Veltman na área e cabeceamento sem hipóteses de Ronaldo, num lance muito criticado pelos holandeses onde o defesa começa a cair depois de um empurrão de De Ligt antes de ser também tocado por Bonucci e cair na área. Após ver as imagens do VAR, Clément Turpin validou aos 28′ o 1-0 que iria durar apenas seis minutos, quando Van de Beek aproveitou um remate prensado à entrada da área para ficar na cara de Szczesny (perante alguma passividade italiana) e escolher o lado da baliza para fazer o empate em Turim.

O intervalo chegou com igualdade no jogo e na eliminatória, por mérito de um Ajax que não concebe a ideia de abdicar dos seus princípios de futebol total e muito demérito de uma Juventus que quando assumiu o jogo foi sempre melhor mas que mantém uma estranha tendência em dar a iniciativa ao adversário sem ganhar nada com isso. E o cenário não ficou ainda pior para os transalpinos porque Szczesny, algumas vezes apontado como o elo mais fraco dos bianconeri, teve intervenções fantásticas a remates de Ziyech e Van de Beek nos dez minutos iniciais do segundo tempo, com Kean no lugar do lesionado Dybala.

A Juve, a equipa mais experiente da atualidade no panorama europeu a par do Barcelona, passava por dificuldades inesperadas. Durante alguns minutos, nomes como Matuidi, Emre Can, Rugani ou De Sciglio andaram completamente às “aranhas”, sem saber o que fazer ou por onde andar. Os holandeses assumiram o jogo, voltaram a ficar perto do golo em mais uma transição que só não teve golo de Ziyech após assistência de Tadic porque Pjanic foi ainda de carrinho a tempo de cortar para canto mas chegaram com toda a justiça à vantagem no seguimento de um canto, com De Ligt a subir mais alto do que Rugani para o 2-1 (67′). Os miúdos faziam o que mais gostam: jogar à bola. E colocaram os italianos ao nível de uma formação de garotos que está a começar, não aumentando ainda mais os números da expressão futebolística por David Neres falhou isolado na cara do guardião polaco.

Mais uma vez, Allegri acreditou em demasia na sorte de ter Ronaldo na equipa mas nem sempre sai o Euromilhões à terça-feira com o português. Sobretudo quando não tem a equipa e a estratégia para isso. E quando encontra pela frente um conjunto que só pode ser surpresa para quem não vê os seus jogos: tal como já tinha acontecido com o Real Madrid, este Ajax pode não contar com intérpretes individuais como nas suas duas melhores gerações mas honra o epíteto do Futebol Total de Cruyff.