Os partidos com representação parlamentar preferem os habituais meios de financiamento eleitoral e desconfiam do uso das plataformas eletrónicas de “crowdfunding“, enquanto os mais pequenos mostram abertura àquela possibilidade.
Os riscos de “anonimato” da origem dos donativos e a dificuldade prática em garantir o cumprimento das regras legais do financiamento dos partidos e das campanhas foram os principais argumentos avançados pelo BE, PAN, CDS-PP, PCP e PS.
Questionado pela Lusa, o PCP disse que não pretende recorrer a plataformas eletrónicas para donativos, sustentando que a “recolha de fundos direta e pessoal a partir da iniciativa de militantes é bem mais escrutinável e menos disfarçada em anonimatos digitais”.
O CDS-PP sublinhou os “riscos com a sua utilização” caso não sejam garantidas as exigências legais para a “total identificação” da origem e valores em causa. Para os centristas, não é necessária qualquer alteração à lei para regulamentar este meio de financiamento em específico.
O BE manifestou igualmente dúvidas “dúvidas de que seja possível cumprir” todas as exigências quanto à identificação dos doadores e afirmou preferir, tal como o PCP, angariações de fundos diretas e sem intermediários.
O PS, que “inaugurou” em 2013 o “crowdfunding eleitoral” em Portugal na campanha das autárquicas, optou por dispensar esse recurso e conta, no orçamento para as europeias, com a subvenção estatal e iniciativas tradicionais de angariação de fundos para financiar as despesas.
O PAN referiu que “neste momento” não está previsto recorrer ao “crowdfunding” e defendeu que é necessário impedir que “grupos de interesses” possam, através do financiamento, “sequestrar e condicionar a ação política dos partidos”.
Pelo PSD, o secretário-geral, José Silvano, afirmou à Lusa que o tema não foi ainda alvo de discussão no partido e, por essa razão, o financiamento da campanha das europeias será feito pelas formas habituais, principalmente através da subvenção pública. Contudo, não excluiu que no futuro possa vir a ser considerado.
A subvenção pública tem sido a principal fonte de receitas dos partidos políticos com representação parlamentar para financiar as despesas eleitorais. Outras formas de financiamento possíveis na campanha das europeias são as contribuições dos próprios partidos, que por vezes recorrem a empréstimos bancários, e o produto de iniciativas de angariação de fundos.
Sem acesso à subvenção do Estado, o Livre vê o “crowdfunding eleitoral” como uma possibilidade a considerar e está atualmente a analisar os termos em que pode ser feito.
“Sendo um partido que não está representado no parlamento, depende do financiamento dos membros, seja por quotas seja por donativos. Desde que se consiga identificar a origem, se houver essa possibilidade técnica, vamos certamente utilizar”, disse à Lusa o dirigente Paulo Muacho.
O recém-criado Partido Aliança tem em funcionamento no próprio “site” um separador específico para “donativos” que podem ser feitos através de transferência bancária ou por referência multibanco.
“Escolhe-se o montante, preenche-se o questionário, com nome, morada e identificação fiscal para receber o recibo respetivo”, explicou Luís Cirilo, diretor-executivo do Aliança, manifestando-se convicto de que a informação prestada pelos doadores corresponde àquilo que a lei exige.
O recurso ao “financiamento colaborativo” através de plataformas eletrónicas para fins eleitorais cingiu-se em Portugal a duas experiências, a primeira em 2013, pela candidatura socialista à câmara de Lisboa, e a segunda em 2017, por um grupo de cidadãos eleitores às autárquicas em Coimbra.
Em 2013, de acordo com o “site” da plataforma de financiamento colaborativo PPL, a candidatura “Juntos Por Lisboa”, encabeçada por António Costa, angariou 3.588 euros de 87 apoiantes. Nas autárquicas de 2017, esta plataforma foi também usada pelo grupo de cidadãos eleitores “Somos Coimbra”, que angariou 12.291 euros de 102 apoiantes.
Só este ano a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, que fiscaliza a prestação de contas dos partidos, tomou uma posição sobre o recurso ao financiamento colaborativo para fins eleitorais, admitindo ter tido vários pedidos de esclarecimento por parte de de alguns partidos.
Omisso na lei, a ECFP enquadrou o “financiamento colaborativo” na categoria legal de receitas obtidas através de “atividades de angariação de fundos”, figura que proíbe o anonimato dos doadores e montantes e impõe limites para as contribuições.
De acordo com diretor-executivo da PPL, Yoahn Nesme, “em rigor”, o conceito de “crowdfunding” deve permitir o anonimato dos “apoiantes” dos “projetos ou causas”, que podem ser de cariz cultural ou social, para pagar uma conta do veterinário ou para financiar um atleta.
Esta plataforma esteve envolta em polémica por ter sido usada pelos enfermeiros para financiar fundos de greve que a Procuradoria-Geral da República veio a considerar inadmissível por não serem geridos pelos respetivos sindicatos.
A plataforma permite que a contribuição seja por referência multibanco, por cartão de crédito ou mesmo `mbway´, e finalmente por transferência bancária para montantes acima dos 50 euros.
No caso das duas campanhas políticas, a PPL decidiu que as contribuições seriam feitas através de transferência bancária e diretamente para “uma conta do partido”, exigindo-se o envio do comprovativo e a identificação do número fiscal de contribuinte do doador.
Foi neste passo que, de acordo com fonte do PS, se percebeu que o recurso ao “crowdfunding” não funcionou da melhor maneira na candidatura à câmara de Lisboa em 2013. Entre as pessoas que contribuíram para a campanha, algumas não responderam às perguntas que se seguiam para fornecerem os dados pessoais necessários à identificação da origem dos fundos. Nesses casos, os donativos que fizeram acabaram por ser devolvidos, disse a fonte.
O diretor-executivo da PPL admitiu à Lusa que, na prática, o “formato ad-hoc” que teve de ser criado pela plataforma para cumprir as exigências legais de transparência altera o espírito do “financiamento colaborativo”, tornando-o numa “espécie de crowdfunding” que pode ter pouco interesse para os partidos políticos como fonte de grandes financiamentos.
“Mas pode funcionar mais uma ação de `marketing´, mais uma forma de ganhar notoriedade para a campanha, de os partidos aparecerem como muito modernos” na Internet, pelas partilhas possíveis nas redes sociais e pela diversidade de público que pode atingir, considerou.