Nunca nenhum bom texto começou assim, mas vamos tentar. Corria o ano de 2003 e saía St. Anger, o oitavo álbum de originais dos Metallica, após um silêncio de seis anos. Para muitos, o primeiro em que podiam agarrar em algum dinheiro para ir à loja comprar um disco. Com esse ponto de partida, este vai ser um texto de “bem-hajas”. O primeiro vai para o Sr. Otávio, da discográfica Arcádia em Torres Vedras, que reservou St. Anger a este que vos escreve para poder faltar a uma aula de Biologia e iniciar um ciclo de um mês a lidar com o facto do (à altura) novo dos Metallica ser um disco no mínimo difícil de digerir.
Um ano mais tarde surgia “Some Kind of Monster”, o filme de making-of do álbum feito pelos brilhantes documentaristas Joe Berlinger e Bruce Sinofsky, que serviu um pouco para entender o que se passava. Subitamente, entre terapias, adições e egos inflamados, os Metallica tinham perdido a alegria. Ainda, assim, com o devido alerta de spoilers, “Some Kind of Monster” tem um final feliz. Robert Trujillo, esse animal de palco, junta-se ao expoente máximo do thrash metal e tudo se transforma em sorriso no mundo dos Metallica. Os já dezasseis anos que se seguiram foram uma espécie de volta de celebração da banda e este monstro que sempre foi mais ou menos infalível em palco ainda se tornou mais imparável.
O que nos leva à noite desta quarta-feira num apinhado estádio do Restelo em Lisboa e a um dos muitos regressos dos Metallica ao nosso país desde 2004. Também uma das muitas oportunidades que a banda de São Francisco tem tido para nos deixar de queixo caído numa sucessão de clássicos de agora e especialmente do antigamente que raramente falham nos seus propósitos. Um bem-haja aos clássicos.
E assim foi, com um palco acompanhado de pompa audiovisual, efeitos de pirotecnia e fogo de artifício, James Hetfield, Lars Ulrich, Kirk Hammett e Robert Trujillo chegaram com o devido atraso de vedeta de cerca de meia-hora, a introdução que usam desde há muito feita de “The Ecstasy of Gold” e atiraram-nos com “Hardwired”, a primeira faixa do mais recente disco, e no fundo só pararam quando quiseram, leia-se ao fim de mais ou menos duas horas. O espectáculo de palco também contou com uma plataforma destacada que se estendia até uma espécie de zona VIP em que alguns fãs mais sortudos conseguiam ver tudo isto um pouco mais de perto.
Ainda assim, a primeira metade de toda esta alegria acabou por ser surpreendentemente comedida. Contou com belos temas como “The God That Failed” , “Disposable Heroes” ou “Sad But True”, intercalados com momentos do já mencionado Hardwired… To Self Destruct, que ao contrário de alguns registos mais recentes da banda, parece funcionar de forma bastante eficaz ao vivo. Mas talvez uma acústica que se pedia mais imponente, alguns problemas técnicos e escolhas um bocado mais exóticas na setlist fizeram com que este parecesse um concerto de Metallica com menos energia do que estamos habituados. Um bem-haja ao Elias, um dos muitos espanhóis que estava no recinto, e que depois de pagar uma cerveja disse que isto estava mesmo era precisar de um “Whiskey in a Jar” ou de um “Metal Militia” para a coisa animar.
À semelhança do concerto no ano passado, Trujillo e Hammett voltaram a dar-nos um doodle que contou outra vez com “A Minha Casinha” dos Xutos & Pontapés, mas também com o tema “Censurados” do disco Censurados da banda Censurados. E felizmente depois disso toda a noite tomou mais o registo de celebração que prometia. O catálogo da banda nem sequer permitia que isto corresse de outra forma. “Frantic” (Sr. Otávio, um abraço), “One” com luzes siderais a iluminar todo o Restelo, “Master of Puppets”, “For Whom the Bell Tolls”, “Creeping Death” e “Seek And Destroy”. Há poucas bandas que consigam rebentar-nos a cabeça com esta eficácia. O encore, com “Lords of Summer”, “Nothing Else Matters” e o essencial “Enter Sandman” plena em fogo de artifício também ajudou a levar tudo isto a bom porto.
Feitas as contas, este talvez não tenha sido o melhor concerto dos Metallica em Portugal. Foi mau? Claro que não, porque isto é gente que não sabe dar maus concertos e vê-los nunca será menos do que um prazer e uma grande festa. Um bem-haja e voltem sempre.