É mais um capítulo da ameaça iminente de crise política aberta por António Costa. Depois de se ter desdobrado em explicações para “repor a verdade”, o CDS anuncia agora que, na votação final global, poderá votar contra a proposta conjunta que negociou com PSD, BE e PCP sobre o reconhecimento do tempo integral de serviço que foi congelado aos professores. O CDS só deixará passar a proposta que aprovou com a esquerda e o PSD com condições, que ainda irá levar a votação em plenário: o regresso das exigências que fazem depender a reposição do tempo aos professores da saúde financeira do Estado português e da revisão do estatuto da carreira docente.

Perante a ameaça de demissão de Costa, Assunção Cristas vem assim dizer que, afinal, não abdica dos requisitos que constavam da proposta original do CDS e que faziam depender o pagamento aos professores de circunstâncias como o crescimento económico e a sustentabilidade das contas públicas. Requisitos esses que foram chumbados pela esquerda (incluindo PS) no âmbito da negociação conjunta em sede de especialidade.

A proposta final ainda não está votada. Cabe agora aos partidos ver se estão satisfeitos com a versão final da proposta e, em plenário, votar. Como o CDS tem referido, e eu tenho repetido vezes sem conta, a proposta do CDS é só uma desde o início, e pressupõe o respeito integral de cada uma das condições que constam da nossa proposta, que dela constam desde o começo. Por isso para nós a decisão é muito simples: ou o Parlamento aceita as nossas condições ou não aprovaremos qualquer pagamento. Essa é a posição de princípio do CDS desde sempre. Ou o Parlamento aceita os requisitos da nossa proposta, e eles se tornam lei, ou o CDS não dará o seu voto a qualquer compromisso”, lê-se numa nota divulgada aos jornalistas pela presidente do CDS, Assunção Cristas.

Os requisitos do CDS são estes: “existência de crescimento económico e garantia de sustentabilidade financeira, negociação do estatuto da carreira dos professores, incluindo a avaliação dos professores, negociação do regime de aposentações dos professores”.

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E pode o CDS voltar atrás numa proposta que já foi aprovada na especialidade? Pode, porque o texto final ainda tem de ser votado, e os partidos podem fazer aquilo a que se chama de “avocação a plenário” para mudar alguma coisa, incluindo o sentido de voto de algum dos artigos da proposta com que não estejam confortáveis. É isso que o CDS vai fazer — e é com isso que Assunção Cristas diz que António Costa estava a contar quando arriscou tudo e fez o ultimato da demissão, ou, como diz a líder do  CDS, “ensaiou a sua mentira”.

“A linguagem e o procedimento parlamentares são complexos. Foi sabendo dessa complexidade, e confiando nela, que o Primeiro-Ministro ensaiou a sua mentira. É meu dever explicar, o que de resto pode ser confirmado pela documentação parlamentar. Basta ler a nossa proposta: está lá tudo”, diz Assunção Cristas.

Questionada pelos jornalistas em Bruxelas ao fim da manhã, Assunção Cristas reforçou a posição que manifestou em comunicado — de que o CDS não alterou a sua posição inicial de defender as reposições mas só se a saúde económica do país assim o permitir — e rejeitou qualquer recuo, insistindo, novamente, que António Costa montou uma crise política “com base em falsidades.”

Face à pergunta sobre se o seu partido iria, então, recusar na generalidade aquilo que tinha aprovado na especialidade, Cristas disse que não, que o CDS iria manter a mesma posição e fazer “uma votação que não fez até agora, uma votação final global” que “ainda não existiu.” “O que nós votámos na especialidade foram os dois pontos relacionados com a nossa proposta: o tempo que deve ser considerado e a forma, as condições, para considerar esse tempo. Uma parte gerou um consenso mais alargado, a outra não. É por isso que temos dito desde o primeiro momento que o primeiro-ministro mentiu a todos portugueses quando afirmou que o CDS tinha contribuído para carregar as contas públicas. Não é verdade!”, afirmou a líder política.

Logo de seguida, Cristas voltou a reforçar que António Costa tinha montado “uma crise política com base na mentira” e que o CDS “nunca, nunca, nunca” criou falsas expectativas e que teve sempre “clarinha como a água” desde o primeiro minuto : “Em todas as reuniões dissemos aos professores exatamente a mesma coisa:  Concordamos com o princípio, entendemos que tem de haver negociação, de vários pontos (reforma das carreiras, aposentações, avaliação dos professores), e [a situação] ainda tem de ser vista num quadro de crescimento económico e sustentabilidade financeira. Nunca dissemos uma palavra ao lado.”

E se esta nova tomada de decisão fizer Costa recuar com a promessa de demissão? “Não estou preocupada com esse ponto porque do lado do CDS este Governo já teria saído há muito tempo”, atirou Cristas em tom provocador antes de relembrar que até já tinha sugerido ao executivo que apresentasse “uma moção de confiança ao parlamento”.

Com Rui Rio ainda em silêncio sobre esta matéria (tem adiado desde sexta-feira uma intervenção sobre o que fará face ao ultimato do primeiro-ministro), a líder do CDS ultrapassa assim o líder do PSD que poderá estar a preparar-se para dar um passo semelhante e inviabilizar a proposta do Parlamento, já que o PSD também tinha na sua proposta inicial uma alínea que fazia o pagamento aos professores depender da sustentabilidade das contas públicas. Ou seja, o argumento da responsabilidade.

“Leia em baixo e na íntegra o comunicado assinado por Assunção Cristas:

CDS irá fazer uma Avocação Parlamentar 

Clareza e verdade
 
Uma mentira fabricada apenas e só para criar uma crise política pode ser repetida muitas vezes, mas não é suficiente para a transformar em verdade. E que mentira é essa, mais uma, do Primeiro-Ministro? A de que o CDS juntou os seus votos à esquerda para aprovar um pagamento de muitos milhões de euros por ano para os professores, pondo em causa as contas públicas.

É mentira porque a proposta do CDS era, e é, claríssima. Esse pagamento só pode ser feito se estiverem reunidos os seguintes requisitos: existência de crescimento económico e garantia de sustentabilidade financeira, negociação do estatuto da carreira dos professores, incluindo a avaliação dos professores, negociação do regime de aposentações dos professores.

Esses requisitos existem na proposta do CDS desde o início, foram anunciados há mais de um ano e não prescindimos deles. Desde o primeiro dia que achámos que esta era a oportunidade certa para negociar o que há muito precisa de ser resolvido, e por isso mesmo colocámos esses requisitos na proposta e deles falamos desde o começo deste processo. Por outro lado, o crescimento económico é a nossa prioridade, e a sustentabilidade financeira o nosso limite.

A surpresa de ninguém se referir a estas exigências do CDS certamente tem a ver com o facto de terem sido chumbadas por todos os partidos da esquerda, inclusivamente pelo PS. Sim, eles constavam da nossa proposta, e sim, eles foram chumbados pelo PS. Se o PS os tivesse votado, se os tivesse viabilizado, não haveria crise política.  

Os artigos são votados um a um, alínea a alínea, por isso estas exigências não constam da versão final saída da votação na especialidade. A proposta final ainda não está votada. Cabe agora aos partidos ver se estão satisfeitos com a versão final da proposta e, em plenário, votar.

Como o CDS tem referido, e eu tenho repetido vezes sem conta, a proposta do CDS é só uma desde o início, e pressupõe o respeito integral de cada uma das condições que constam da nossa proposta, que dela constam desde o começo.
Por isso para nós a decisão é muito simples: ou o Parlamento aceita as nossas condições ou não aprovaremos qualquer pagamento. Essa é a posição de princípio do CDS desde sempre. Ou o Parlamento aceita os requisitos da nossa proposta, e eles se tornam lei, ou o CDS não dará o seu voto a qualquer compromisso. Um Governo do CDS nunca faria negociações incondicionais. Para nós a primazia do interesse geral é uma condição essencial.
Ainda é possível colocar essa opção? É, como aliás é prática parlamentar, com a avocação da norma em causa para decisão em plenário. E é isso que o CDS fará.

A linguagem e o procedimento parlamentares são complexos. Foi sabendo dessa complexidade, e confiando nela, que o Primeiro-Ministro ensaiou a sua mentira. É meu dever explicar, o que de resto pode ser confirmado pela documentação parlamentar. Basta ler a nossa proposta: está lá tudo.
 
Assunção Cristas
5 de maio de 2019″

Artigo atualizado às 13h23 de dia 5 de maio