Sadio Mané raramente sorri. É difícil encontrar uma fotografia do avançado do Liverpool a sorrir. O semblante carregado que apresenta em quase todos os jogos, mesmo naqueles em que marca golos e decide o resultado, contrasta com o sorriso fácil de Roberto Firmino e a boa disposição de Salah, os dois companheiros do trio de ataque da equipa inglesa que faz inveja aos principais conjuntos europeus. E contrasta, principalmente, com a imagem que todos temos daquele que é o principal ídolo de Mané. “Ronaldinho será o meu herói a vida toda. Continuo a adorá-lo. Mas eu não sorrio tanto como ele. Se calhar as pessoas pensam que estou chateado dentro de campo, mas a verdade é que me custa sorrir”, disse o avançado em entrevista, pouco depois de chegar a Liverpool.

A história do início da carreira de Mané talvez seja a principal pista para perceber porque é que o senegalês quase não sorri — para o avançado, um jogo na Premier League, um golo na Liga dos Campeões, uma final da principal competição europeia de clubes, não são acasos do destino. São o resultado de um esforço contínuo e de uma rebeldia de adolescente que podia ter corrido mal. Mané, que atualmente tem 27 anos, nasceu e cresceu em Sedhiou, no sul do Senegal. Filho de pais profundamente religiosos, começou a jogar à bola nas ruas, sempre às escondidas do pai, que chegou a proibi-lo de jogar futebol. A paixão pelo desporto era algo intrínseco e que nasceu a partir do momento em que deu o primeiro pontapé numa bola mas foi alimentada pela primeira ida da seleção do Senegal a um Campeonato do Mundo, em 2002.

Foi no RB Salzburgo que Mané se destacou e acabou por saltar para a alta roda do futebol europeu

Na altura, a equipa orientada pelo francês Bruno Metsu e que contava com Henri Camara, El Hadji Diouf e o atual selecionador Aliou Cissé qualificou-se para o Mundial da Coreia e do Japão, venceu a então campeã em título França no jogo de abertura e chegou aos quartos de final, caindo perante a Turquia e já depois de deixar para trás a Suécia nos oitavos. Sadio Mané, então com 10 anos, assistiu com entusiasmo à prestação histórica do Senegal no Mundial de 2002 e percebeu pela primeira vez que não queria apenas ser um jogador de futebol: queria ser um jogador de futebol bom o suficiente para representar o país num Campeonato do Mundo. Foi com esse objetivo em mente que, aos 15 anos, o atual avançado do Liverpool deu o passo decisivo para chegar onde está agora.

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O tio de Mané, aos invés dos pais do jogador, era o único que apoiava o sobrinho no sonho aparentemente louco de jogar futebol. Foi ele que levou Mané às primeiras captações, num pequeno clube local: foi gozado pelas botas rotas e gastas que levava mas depressa convenceu com a velocidade e a pontaria. Ficou, e o clube de Sedhiou serviu para o ocupar durante os primeiros anos da adolescência. Mas Mané queria muito mais do que uma equipa do sul do Senegal. Aos 15 anos, fez as malas, pediu ajuda a um amigo, juntou dinheiro e viajou até Dakar, a capital senegalesa. Problema? Não contou a ninguém. “Ninguém sabia. Nem sequer contei à minha mãe ou ao meu tio. Estive lá durante uma semana sem ninguém saber. A minha mãe ligou a toda a gente, estava toda a gente em pânico, até que o meu amigo acabou por contar à minha família. Mandaram o meu irmão à minha procura e ele acabou por me trazer de volta. Ninguém na minha família acreditava que eu poderia ser jogador de futebol”, contou o avançado ao canal de televisão do Liverpool.

Ao lado de Roberto Firmino e Salah, o avançado senegalês completa uma das frentes de ataque mais perigosas da Europa

Mané voltou e fez um acordo com a mãe: ficaria em Sedhiou até terminar os estudos e aí, se ainda o quisesse, iria para Dakar. Foi isso mesmo que fez. Cerca de dois anos depois, agora com o conhecimento da família, Mané voltou a fazer as malas, voltou a juntar dinheiro e voltou a viajar até à capital. Começou na academia Génération Foot e foi encontrado pelos franceses do Metz quando tinha 19 anos. Os anos tinham passado mas a forma como o senegalês fazia as coisas não se tinha alterado: fez as malas, assinou contrato com o clube francês e só avisou a mãe já depois de estar instalado em França. Ficou apenas duas temporadas, não conseguiu evitar a descida do Metz ao terceiro escalão mas impressionou o suficiente para interessar ao RB Salzburgo.

Mudou-se para a Áustria, marcou mais de 80 golos ao longo de três épocas e acabou por forçar uma ida para o Southampton e para a Premier League — já depois de reunir com Jürgen Klopp, então treinador do Borussia Dortmund, e de ver a transferência para a Alemanha cair porque os alemães não cumpriram as exigências financeiras feitas pelo Salzburgo. No Southampton, orientado por Ronald Koeman, tornou-se rapidamente a referência ofensiva de uma equipa que também tinha Virgil Van Dijk, o central holandês que em janeiro do ano passado se tornou o defesa mais caro da história ao (também) assinar pelo Liverpool. Em junho de 2016, no final da primeira temporada de Klopp em Anfield, o treinador alemão voltou a pedir a contratação de Mané e acabou por alcançar o objetivo que tinha caído por terra dois anos antes.

No final da terceira temporada em Liverpool, Sadio Mané leva mais de 50 golos e é um terço do tridente ofensivo que é muito responsável pelo facto de os reds ainda lutarem pela Premier League e pela Liga dos Campeões. Em Inglaterra, porém, Mané mantém os hábitos que lhe foram transmitidos pela família em Sedhiou: tem um Bentley que esconde na garagem para não evidenciar a riqueza, ajuda regularmente na limpeza da mesquita Al Rahma, em Liverpool, que frequenta habitualmente, financiou a construção de uma escola na aldeia onde nasceu e está a projetar um novo hospital. Esta terça-feira, em Anfield e contra o Barcelona, Roberto Firmino não deve ser titular e Salah está de fora por lesão. Sadio Mané, que fugiu de casa para alcançar o sonho que viu que podia ser real durante o Mundial de 2002, é a principal arma do Liverpool para tentar dar a volta à meia-final e chegar à segunda final consecutiva da Liga dos Campeões. E, talvez aí, Mané sorria.