Marcelo Rebelo de Sousa não falou publicamente durante a discussão sobre o diploma dos professores, que colocou o país debaixo de uma ameaça de crise política, para não condicionar as eventuais decisões que viesse a ter de tomar.
“O Presidente tinha nas suas mãos três situações que se acumulavam: a primeira era uma lei que estava na ponta final de aprovação. O Presidente não podia estar a pronunciar-se sobre uma lei que estava na última semana de aprovação. A segunda foi isto acontecer a uma semana da campanha eleitoral. Embora já se vivesse em campanha, a campanha eleitoral só ia começar uma semana depois”, começou por explicar o Presidente.
“A terceira é: pela primeira vez na legislatura havia um eventual cenário de crise institucional envolvendo dois órgãos de soberania. E o Presidente poderia ter de intervir promulgando a lei ou vetando a lei e decidindo sobre a crise institucional se ela chegasse a esse extremo. E portanto, aquilo que eu dissesse nesse período de tempo — uma semana, dez dias — acabava por condicioná-lo [ao Presidente], não o deixar de mãos livres para as decisões que viesse a ter de tomar”.
Ou seja, se os partidos da oposição aprovassem o descongelamento de todo o tempo de serviço dos professores e o primeiro-ministro, António Costa, se demitisse, como disse que faria, o Presidente não queria estar condicionado pelos seus comentários no momento de decidir o que fazer.
E os cidadãos aceitam que um Presidente que fala sobre todos os temas publicamente, através da comunicação social, fique calado durante aquele que pode ter sido o pior período de crise institucional na legislatura? “Os portugueses percebem perfeitamente que, tudo o que eu dissesse acabava por limitar o espaço de liberdade. Limitava a minha decisão entre promulgar ou vetar a lei e limitava o meu espaço de liberdade se houvesse uma crise a resolver. Portanto, os portugueses perceberam perfeitamente que o PR intervém para prevenir crises, neste caso deparou com a crise à chegada da China”, respondeu Marcelo.
Marcelo Rebelo de Sousa também comentou a atuação de Joe Berardo na comissão de inquérito dizendo que “as personalidades condecoradas por vários presidentes” têm “responsabilidades acrescidas perante a “comunidade”: “É assim com todos os portugueses, mas sobretudo com quem tem destaque na sociedade. Quanto maior o relevo, maior a responsabilidade. É preciso ser respeitoso. E isso significa tratar as instituições com decoro”.
[“Não tenho nada, não devo nada”. O que disse Berardo]
“Isto aplica-se a todos os portugueses, mas aplica-se a personalidades que foram condecoradas por mais do que um presidente nos anos 80 e depois no começo do século e que tiveram um relevo indiscutível em momentos importantes de decisão no quadro do sistema económico e financeiro português. Quem tem posições de maior relevo, tem também maior responsabilidade”, disse o Presidente.
Em 2007, o então comentador televisivo Marcelo Rebelo de Sousa elegeu Joe Berardo como figura do ano na economia nacional. Na altura, o comentador político utilizou o seu espaço de opinião na televisão para distinguir o comendador Joe Berardo pelo papel decisivo que tinha tido na definição do futuro do BCP, um grande banco nacional que no verão de 2007 entrou num período de crise com o confronto aberto entre o fundador Jardim Gonçalves e Paulo Teixeira Pinto, outrora o seu “delfim”. Joe Berardo reforçou a sua posição no BCP através de vários empréstimos da Caixa Geral de Depósitos, dando como garantia as próprias ações.
Mais tarde, com as ações desvalorizadas, a Caixa Geral registou perdas de centenas de milhões de euros com estes créditos concedidos a Berardo, que entrou em incumprimento vários anos depois. As perdas da Caixa motivaram várias comissões de inquérito, a última das quais a decorrer agora. O comendador foi ouvido na sexta-feira e, questionado pelos deputados sobre as dívidas não pagas à Caixa, disse que não é dono de qualquer património — desde a Fundação Berardo à Quinta da Bacalhôa – afirmou que “pessoalmente, não tem dívidas” e que “o mais prejudicado em toda esta história fui eu”. As frases de Berardo geraram um coro de protestos na opinião pública.
Após dez dias em silêncio, Marcelo alargou-se num comentário ao caso. “Todos temos uma responsabilidade dupla: uma perante a comunidade e outra perante as instituições. Mas a responsabilidade é maior quanto maior for o relevo de quem desempenhou ou desempenha posições de destaque na via portuguesa. Porque todos o outros olham para essas pessoas com uma maior atenção e exigência de responsabilidade”.
E têm de respeitar as instituições, a começar pelas instituições do poder político. E respeitar significa ter decoro, ter uma maneira respeitosa de tratar com essas instituições. Quando isso não acontece o juízo dos concidadãos é inevitavelmente muito negativo, porque sentem que alguém que tinham considerado um exemplo, ao ponto de ter sido condecorado, (…) de repente fica aquém daquilo que muitos portugueses exigem em termos de responsabilidade comunitária e institucional”, disse o Presidente.