A Junta de Freguesia de Campolide vai tirar as cores às duas passadeiras que foram pintadas de domingo para segunda-feira. A Prevenção Rodoviária Portuguesa alertou para o perigo da iniciativa e a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) recomendou que as cores fossem retiradas. Como alternativa à campanha de homenagem à comunidade LGBTI, a Junta vai pintar com as mesmas cores os pilaretes que assinalam as passadeiras.
“Esta decisão surge no seguimento de um diálogo mantido com a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e a Câmara Municipal de Lisboa para esclarecer as dúvidas suscitadas sobre a pintura dos espaços negros das passadeiras com as cores do arco-íris”, disse a Junta de Freguesia em comunicado. Acrescentando que “o parecer da ANSR não coloca em causa o simbolismo da campanha de pluralidade”, mas que se refere apenas à “reposição da cor contrastante”, ou seja, o contraste de branco e preto que está previsto no Regulamento de Sinalização do Trânsito.
A Junta de Freguesia lança o desafio a que outras “autarquias do país assinalem esta causa [contra a discriminação sexual] e reforcem a importância das passadeiras no quadro da segurança rodoviária”.
O parecer da ANSR, divulgado antes de conhecida a decisão da Junta de Freguesia, refere que “nos termos do Regulamento de Sinalização do Trânsito, os sinais de trânsito e as marcas rodoviárias devem obedecer às características definidas no que respeita a formas, cores, inscrições, símbolos e dimensões, bem como aos materiais a utilizar e às regras de colocação”. No caso das passadeiras — ou passagens para peões, como vem definido — devem ser constituídas “por barras longitudinais paralelas ao eixo da via, alternadas por intervalos regulares [formato zebra], ou por duas linhas transversais contínuas e indica o local por onde os peões devem efetuar o atravessamento da faixa de rodagem”.
Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária recomendam retirar passadeiras coloridas de Campolide
É proibido pintar as passadeiras?
Pintar, escrever, colocar símbolos ou de alguma forma alterar um sinal tira-lhe a validade, diz ao Observador José Miguel Trigoso. O presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa contou que a própria instituição que preside se arriscou a cometer um erro do mesmo tipo com uma campanha de prevenção rodoviária. A ideia era ter uma frase escrita a amarelo — como “Antes de atravessar pare” ou “É melhor parar por aqui” — no início da passadeira para alertar os peões, mas foram avisados que essa alteração podia fazer com que a passadeira deixasse de o ser e abandonaram a ação.
Se houver um sinal vertical a passadeira pintada continua a ser válida?
Para começar, nem todas as passadeiras são antecedidas por sinais verticais. O Código da Estrada diz que quando há um sinal vertical, este se sobrepõe às marcas no pavimento, mas o problema com o quadrado azul com a indicação de passagem de peões é apenas informativo, diz José Miguel Trigoso. O sinal avisa que há uma passadeira, mas ela pode estar lá ou não (como nos casos em que foi colorida, ou que a cor branca desapareceu). O presidente da PRP admite que esta é uma questão que pode suscitar discussão e que depois cabe ao juiz decidir.
Os peões só podem atravessar a estrada nas passadeiras?
“Os peões só podem atravessar a faixa de rodagem nas passagens especialmente sinalizadas para esse efeito”, diz o Código da Estrada, mas há uma exceção: quando estas passagens não existem a menos de 50 metros. Neste caso, os peões podem atravessar a faixa “perpendicularmente ao eixo da faixa de rodagem”.
Quando há uma passadeira, o condutor deve reduzir a velocidade e parar para deixar passar o peão caso seja necessário. Isto desde que o peão já esteja a atravessar a estrada, diz a legislação. José Miguel Trigoso é mais cauteloso, prefere recomendar aos condutores que reduzam a velocidade ou travem sempre que vejam um peão com intenção de atravessar a estrada, mesmo que não tenha começado a fazê-lo.
Fique também a saber que, mesmo que o sinal luminoso já lhe tenha dado permissão para avançar (sinal verde), o peão tem prioridade sobre o veículo caso já se encontre a atravessar a estrada. O peão também tem prioridade sobre o veículo quando o condutor muda de direção, mesmo que não se encontre numa passadeira.
O que diz a legislação sobre passar fora da passadeira?
Um condutor que atropele um peão na passadeira estará a cometer uma infração porque a lei é clara quando à necessidade de reduzir a velocidade e parar. Mas fora das passadeiras não há legislação sobre o comportamento do condutor. Tudo o que existe é uma recomendação no prefácio do Código da Estrada: ” Impõe-se agora um cuidado adicional e especial
em relação a estes utilizadores vulneráveis [peões] por parte dos condutores de veículos a motor”. Logo, o atropelamento pode não constituir qualquer infração (se respeitar a velocidade e o limite de álcool, por exemplo).
Um atropelamento fora da passadeira não invalida a responsabilidade do condutor, mesmo que não tenha cometido uma infração, mas José Miguel Trigoso admite que a legislação deixa margem para responsabilizar o peão nestas situações. Sobre o atravessamento da faixa de rodagem, o Código da Estrada diz que “os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respetiva
velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente”. Ou seja, se não tiver tempo para atravessar, não atravesse e não fique a contar que o carro vá parar. E o código ainda reforça com: “O atravessamento da faixa de rodagem deve fazer-se o mais rapidamente possível”.
Quais os riscos de pintar as passadeiras às cores?
A legislação define como devem ser os sinais — sejam as passadeiras, sejam os sinais verticais — e que estes devem ser sempre iguais para que possam ser fácil e rapidamente entendidos por quem os vê. Pintar a passadeira com cores, mesmo deixando as faixas brancas, altera o contraste preto e branco que se reconhece como uma passadeira, podendo fazer com que peões e condutores fiquem confusos em relação ao que estão a ver. “Se o sinal for diferente reagimos mal e tarde”, diz José Miguel Trigoso. “As mesmas coisas têm de ser sinalizadas da mesma forma.”
“A uniformidade resulta da utilização exclusiva de sinais e marcas rodoviárias regulamentares que é uma condição necessária à sua compreensão e apreensão imediata por parte de todos os utentes, com especial importância para os condutores”, disse a ANSR, em comunicado. “A homogeneidade corresponde a que, em condições idênticas, os condutores encontrem sinais e marcas rodoviárias com a mesma valência e dimensões.” Quer isto dizer que os sinais de trânsito “não podem ser acompanhados de motivos decorativos nem de objetos que possam prejudicar a sua visibilidade ou reconhecimento, ou ainda perturbar a atenção do condutor”.
Atualizado às 17h30