Deverá voltar a acontecer esta quinta-feira — depois de dias de calor, eis que o inverno está novamente a caminho, com as temperaturas a caírem 10ºC ou mais graus em todo o país. Problema: não é apenas a toalha de praia que tem de dar lugar ao casaco. Quando as alterações são tão acentuadas e repentinas, o mais certo é que o organismo, como não tem tempo suficiente para se ajustar, se ressinta e se torne mais permeável a vírus e doenças.

“Estas alterações, que antes não eram tão frequentes nem marcadas, afetam a saúde das pessoas e provocam desequilíbrios múltiplos nos vários órgãos e sistemas, mas sobretudo ao nível do sistema cardiovascular”, explica ao Observador o cardiologista Manuel Carrageta.

O perigo de AVC

Quando de um dia para o outro a temperatura cai tantos graus, a tensão arterial segue o caminho inverso: com o frio, e graças à necessidade que o corpo passa a ter de conservar em si o calor, as artérias contraem-se e o sangue dentro delas fica mais apertado e com dificuldade em circular. Isso leva a um aumento da tensão arterial que, no limite, pode ser responsável por acidentes vasculares cerebrais (AVC) ou enfartes do miocárdio.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Quando há uma baixa repentina de temperatura já sei que o meu telefone vai começar a tocar, com as pessoas todas a ligar-me e a dizerem que lhes subiu a tensão arterial. É por isso que no inverno as unidades coronárias ficam cheias, há muito mais enfartes no inverno do que no verão“, acrescenta Manuel Carrageta.

Já quando a mudança é a inversa e o organismo passa do frio para o calor, em vez de vasoconstrição há vasodilatação, o que faz com que o esforço exigido para fazer o sangue circular pelo corpo aumente e a tensão arterial baixe, provocando tonturas, perda de forças e até desmaios. “Ainda assim é pior e mais perigoso passar do calor para o frio do que o contrário”, garante o especialista.

Estudos científicos estabelecem esta correlação: quando há baixas acentuadas e repentinas de temperatura, bem como alterações abruptas nos níveis de humidade relativa do ar e da pressão atmosférica, os riscos de AVC aumentam, sobretudo para os grupos de risco mas também para a população em geral. Não são os únicos.

E, claro, a gripe

Como o organismo passa a ter de despender mais energia para se manter quente, o sistema imunitário fica mais debilitado, o que pode abrir portas a vírus, como o da gripe. Como se isto não bastasse, em ambientes frios e com baixa humidade os vírus não só são mais facilmente transmitidos como até se tornam mais resistentes . Se ainda juntarmos à equação o facto de, quando a temperatura ou a chuva cai, as pessoas tenderem a juntar-se em espaços fechados, estão reunidas as condições ideais para a propagação de constipações, amigdalites ou até gripes.

“Há uma clara relação entre as temperaturas mais baixas e a gripe e outros vírus respiratórios mas, falando da experiência de quem faz urgência, sei que as coisas não tendem a ser muito problemáticas quando há estas alterações repentinas”, diz ao Observador o pneumologista Tiago Alfaro.

De acordo com o especialista, as mudanças bruscas de temperatura, no caso do sistema respiratório, podem ser preocupantes mas apenas em casos de pessoas com patologias associadas, não saudáveis. Para isso, explica, contribui a grande capacidade de adaptação do sistema composto por nariz, faringe, laringe, traqueia, brônquios e pulmões: “O aparelho respiratório consegue adaptar-se a quase tudo no espaço de horas”.

Na prática, asmáticos, alérgicos e pacientes com insuficiências respiratórias “muito avançadas”, como doença pulmonar obstrutiva crónica ou fibrose pulmonar, serão os mais afetados por alterações drásticas do tempo, no sentido calor-frio. “Não é tanto o efeito da queda da temperatura, mas da humidade; o tempo mais seco e frio tem tendência a fazer aumentar as crises de asma”, explica o especialista.

Tendo em conta os números associados à doença em Portugal, pelo menos 700 mil pessoas podem ser afetadas por este regresso ao inverno, e sofrerem com mais “crises de tosse ou falta de ar”. O panorama não é mais animador para quem sofre de alergias — só vai afetar significativamente mais pessoas, ou não fosse um terço da população portuguesa alérgica: “O vento e as tempestades que frequentemente acompanham estas mudanças na temperatura podem também levar a alterações de pólens e ao aumento de crises”, diz Tiago Alfaro.

A parte positiva (ou nem por isso)? O tempo mais frio deve durar menos de uma semana e na próxima quarta-feira, dia 22, os termómetros já deverão começar novamente a subir para se aproximarem dos 30ºC.  Veremos depois se (ou por quanto tempo) se mantêm.