A 11 de maio a responsável por beleza na edição norte-americana da revista Cosmopolitan publicou um post no Instagram onde fazia publicidade ao Botox — marca de toxina botulínica tipo A, comercializada pela farmacêutica Allergan. Fotografada na companhia do filho de poucos meses, Carly Cardellino referiu-se ao Botox como um tratamento recorrente e, na legenda da imagem, incluiu um longo aviso médico, onde se lia a seguinte nota: “Não se sabe se o Botox passa para o leite materno”.
Antes disso, Heather Muir Maffei, editora de beleza para a Real Simple and Health, partilhou um post semelhante. O mesmo fez April Franzino, editora de beleza nas publicações Good Housekeeping, Woman’s Day e Prevention, apesar de já ter eliminado o conteúdo. O apanhado é feito pela Business of Fashion (BOF) que, num artigo publicado a 20 de maio, cita uma fonte anónima que dá conta que o pagamento feito pela marca Botox a estas editoras de beleza foi “bem acima da média” quando comparado com o que as influenciadoras com números semelhantes de seguidores recebem.
À publicação citada, Cardellino, através de um representante, recusou-se a comentar. Heather Muir Maffei e April Franzino não responderam e a farmacêutica Allergan também não quis comentar. Fontes conhecedoras do processo afirmaram que os negócios com Cardellino e com Franzino foram feitos de forma individual e não foram parte de um acordo maior.
A situação levanta uma questão moral e ética, e está no centro de uma batalha travada no Instagram — onde se encontra o público alvo deste mercado em particular, isto é, mulheres na casa dos 20 e dos 30 anos apostadas em trabalhar a própria imagem. Isto porque pela primeira vez em 10 anos a Botox tem concorrência direta: a marca Jeuveau, da Evolus Inc., foi aprovada este ano, está disponível desde meados de maio e pode ser uma ameaça real às receitas lucrativas da Botox.
A notícia de que editoras de beleza foram pagas para publicitar a marca surge, então, numa altura em que a Botox procura manter-se atraente num mercado em rápido crescimento. A Business of Fashion (BOF) acrescenta que a Botox representa 70% de um mercado de mais de 1 mil milhões de dólares nos EUA — nos bolsos da Allergan caíram 907 milhões de dólares só no ano passado, um valor correspondente à categoria de estética facial. “O número de procedimentos para reduzir as rugas nos EUA aumentou 3% em 2018, totalizando 7.4 milhões, de acordo com a American Society of Plastic Surgeons”, continua a BOF (as injeções custam aos pacientes uma média de 397 dólares por sessão).
Se em janeiro a Allergan arrancava com uma campanha com a participação de influenciadoras, a Evolus está agora a “cortejar” médicos — no início de maio levou cirurgiões plásticos e dermatologistas a participarem numa operação de charme no Ritz Carlton em Cancún, no México, para uma celebração extravagante com direito a fogo-de-artíficio e confetti, a qual chegou às redes sociais de muito dos médicos convidados, tal como contou o The New York Times.
Há que ressalvar que publicitar tratamentos médicos nas redes sociais pode ser algo arriscado e em nada semelhante ao lançamento de produtos de cosmética. Além da necessidade legal de assumir as publicações como anúncios, a BOF esclarece que tanto o Botox como o Jeuveau exigem prescrição médica “e não são seguros para todos os consumidores”.
A necessidade de transparência no universo onde a beleza se cruza com as redes sociais é cada mais real, tanto que o The Huffington Post destacou num artigo um conjunto de influenciadoras de beleza que “são brutalmente honestas” nas críticas de produtos que fazem. Curiosamente, recentemente a atriz e blogger portuguesa Vanessa Martins confessou à revista Cristina que “faz Botox desde os 26 anos de idade”:
Tinha rugas de expressão que me incomodavam imenso. E fiz. Faço toxina e botox no rosto, como prevenção, desde os 26 anos de idade e as pessoas ficam admiradas por eu continuar com a mesma cara.
Neste universo não são só as influenciadoras que marcam presença. Segundo James Nord, diretor executivo da agência Fohr, as editoras de beleza trazem valor acrescentado a este negócio. “Estas são as mulheres que influenciam a indústria. São vistas como líderes nos seus espaços e há valor nisso”, continuou. Ao BFO, a editora de beleza do The Cut, da New York Magazine, afirmou ainda que as editoras de beleza e as influenciadoras não podem ser igualadas, até porque os leitores têm expetativas diferentes quando a ler uma revista por oposição ao feed do Instagram.
Em Portugal não existe este cruzamento, ainda que Susana Chaves, ex-editora de beleza da Vogue, agora dedicada ao projeto 100% digital Miranda, tenha cerca de 11 mil seguidores no Instagram. “Uma jornalista de beleza não é diferente de um jornalista que escreve sobre comida, automóveis ou hotéis”, diz, explicando que, apesar de ser natural que se estabeleçam “relações íntimas” com determinadas marcas de maneira a experimentar os respetivos produtos, a escolha que um jornalista torna pública resulta única e exclusivamente do seu trabalho. “Em Portugal, o papel da editora de beleza ainda não se confunde com a de influenciadora”, conclui.