A Caixa Geral de Depósitos poderia ter recuperado uma parte do financiamento concedido no quadro do envolvimento com a La Seda se em 2007 tivesse executado o penhor dado em garantia e vendido as ações do grupo catalão, defendeu Manuel Matos Gil. Não ter executado a garantia prevista no contrato foi “uma má prática de gestão“, frisou esta terça-feira no Parlamento o presidente do grupo Imatosgil (IMG) que esteve envolvido na operação, que terá custado cerca de 90 milhões em perdas de crédito ao banco do Estado.
Ao longo da audição na comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa, Matos Gil relativizou a intervenção do grupo que dirige na Selenis, a empresa que pediu mais de 100 milhões de euros à Caixa Geral de Depósitos para participar num aumento de capital da La Seda em 2007 e não pagou o empréstimo.
Apesar de ser presidente da Selenis quando este contrato foi assinado e de documentos da Caixa indicarem que a empresa era controlada, direta e indiretamente, pelo grupo Imatosgil, Matos Gil não assumiu aos deputados o controlo da empresa que foi vendida antes de a Caixa avançar com um processo de liquidação para recuperar o valor em dívida. O que levou a deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, a levantar-se para lhe entregar uma folha com uma estrutura acionista complexa da Selenis, uma sociedade através da qual o grupo IMG investiu na La Seda com dinheiro da CGD.
A execução desta dívida por parte do banco público só avançou em 2010, três anos depois das garantias dadas nesta operação, ações da La Seda, uma demora de três anos que Matos Gil considera inexplicável até porque, defendeu, a Caixa poderia ter executado o penhor sobre as ações logo em 2008 e recuperado uma parte do crédito. Este argumento também foi invocado por Joe Berardo quando questionado sobre o incumprimento do empréstimo concedido pela Caixa para comprar ações do BCP, também em 2007.
E também um pouco à semelhança do comendador, Matos Gil afirmou que não deve “absolutamente nada”. Nem ele, nem o grupo Imatosgil, disse em resposta à deputada socialista Constância Urbano de Sousa. Matos Gil nem sabe porque foi convocado por esta comissão de inquérito. “Não sou eu o devedor”, reafirmou à deputada do CDS. Cecília Meireles lembra-lhe que era acionista e presidente da empresa devedora.
Matos Gil afirmou que é “lesado da Caixa”
Matos Gil insiste que a Caixa é que deve ser chamada a explicar porque não vendeu as ações da La Seda dadas como garantia quando ainda tinham valor. uma decisão que também prejudicou o grupo, a pontos de Manuel Matos Gil se classificar como um “lesado da Caixa”.
Manuel Matos Gil apontou outras responsabilidades à Caixa, nomeadamente ao ex-presidente Faria de Oliveira que não quis entrar em conflito com os catalães, quando lhe foram explicada as dúvidas sobre a gestão da La Seda e necessidade de atuar. Esta posição foi defendida pelos gestores da Caixa e do grupo Imatosgil na empresa catalã — Matos Gil destaca o papel antigo presidente da Caixa BI, Jorge Tomé, na defesa da necessidade de atuar.
Esta posição foi assumida numa reunião que descreve como “péssima” que aconteceu na véspera do lançamento da primeira pedra da fábrica de Sines, em março de 2008, numa altura em Portugal já havia gente a saber que se “passavam coisas estranhas” no grupo que se propunha investir mais de 300 milhões de euros em Portugal. O caminho escolhido foi o da não confrontação, por isso, explica, saíram da administração da La Seda.
Matos Gil quis na sua intervenção inicial colocar “um ponto final” no que descreveu como “erros, imprecisões e falsidades” que envolvem o grupo que dirige no apoio dado à Caixa à La Seda e à construção de uma fábrica de produtos químicos em Sines. Segundo a auditoria da EY, esta operação representou perdas para o banco público de mais de 200 milhões de euros até 2015, mas que segundo outras dados noticiados terá provocado prejuízos totais de 600 milhões de euros ao banco do Estado.
Matos Gil explicou como o grupo investiu na La Seda, através de uma sociedade, a Selenis, da qual tinha apenas um terço do capital. O financiamento da Caixa ao grupo espanhol data de 2006, mas foi feito, garantiu, sem a intervenção da IMG. Foram 70 milhões de euros concedidos no quadro de uma reestruturação financeira liderada pelo Deutsche Bank.
Só em 2007, foi contratada uma linha de financiamento até 115 milhões de euros pela Selenis que teve como garantia o penhor das ações da La Seda, cerca de 10% do capital da empresa catalã. Esse empréstimo teve como finalidade principal financiar a participação desta sociedade num aumento de capital do grupo catalão. Mais tarde, em respostas à deputada do PS Constança Urbano de Sousa reconheceu que uma parte deste financiamento serviu também para reembolsar um crédito ao BES.
Ainda no ano de 2007, o valor das ações da La Seda dadas como garantia pela Selenis deixou de cumprir o rácio de 135% contratado. Matos Gil conta que tentou reforçar as garantias, mas que não se chegou a acordo com a Caixa, por razões que não detalhou na intervenção inicial. Mais tarde, em resposta à deputada do PS, diz que propôs outras empresas como garantia. “Não quiseram aceitar, foi uma irresponsabilidade total”.
Caixa podia ter vendido ações, mas não o fez
A Caixa, sublinhou, “tinha opção de venda das ações em caso de incumprimento de rácio de cobertura de 135% Se naquelas datas, e de acordo com as melhores práticas de gestão, tivesse optado pela venda teria encaixado 117 milhões, ou 95 milhões de euros tendo em conta o valor das ações”. Desse financiamento foram gastos cerca de 98 milhões de euros.
Para o gestor, “estava nas mãos da Caixa a recuperação total do financiamento concedido, mas por motivos que apenas a Caixa poderá explicar, a execução de penhor só ocorreu depois do fim do contrato de financiamento” em julho de 2010. Essa execução rendeu apenas oito milhões de euros. “Porque é que Caixa vendeu três anos depois quando estava a perder dinheiro? Haveria algum outro interesse”, admitiu à deputada socialista.
“Foi uma má prática de gestão”, sublinhou, a não execução da garantia, o que prejudicou o banco, mas também o próprio grupo IMG, que tinha um terço da Selenis — o resto do capital estava em mãos de fundos privados.
O mesmo argumento tinha sido usado por Joe Berardo quando confrontado pelos deputados com o financiamento dado pela Caixa para comprar ações do BCP e que tinha como garantia essas ações. Também Berardo argumentou que a Caixa poderia ter vendido as ações, mas não o fez quando ainda tinham algum valor e depois perdeu mais.
O responsável pelo grupo Imatosgil explicou que havia crescentes divergências com a administração da La Seda cujo presidente veio a ser condenado mais tarde por várias irregularidades em Espanha. E diz que foram as suspeitas e dúvidas sobre as contas de 2007 que levaram à renuncia dos dois administrador independentes da IMG e da Caixa. “Em dezembro de 2008, o envolvimento da IMG na La Seda conheceu um ponto final com a venda das ações que ainda detinha.”
Documentos da Caixa indicam Imatosgil como controladora da Selenis
Manuel Matos Gil procurou sempre desvalorizar o peso do grupo que lidera na Selenis e na própria La Seda, mas acabou por reconhecer, em resposta à deputada do Bloco de Esquerda que a Imatosgil (IMG) era acionista da Ibersuizas, sociedade gestora dos outros fundos que também eram acionistas da Selenis. Matos Gil era presidente do conselho de administração da Selenis e é o seu nome que está no contrato de financiamento assinado com a Caixa em 2007 para investir no aumento de capital da La Seda. Matos Gil refere que não há participação indireta, para além dos 32% que assume como sendo do grupo. No entanto, Mariana Mortágua cita documentos da própria Caixa em que o grupo Imatosgil aparece como controlando o capital da Selenis, ainda que de forma indireta, através da Selenis Control, sociedade que detinha 71,5% do capital desta empresa que obteve o tal financiamento até 115 milhões de euros junto do banco do Estado.
A IMG controlava a Selenis SGPS? Não controlava. Então a informação da Caixa BI de que a IMG controlava 71,5% através da Selenis Control SGPS e da participação direta na Selenis, devedora à Caixa e acionista da La Seda? “Só consigo responder que a IMG tinha 32% da sociedade e acrescenta que havia várias sociedades na estrutura acionista.
Mariana Mortágua levanta-se e entrega~lhe estrutura acionista da Selenis que estava na Caixa BI . Matos Gil responde que tem de analisar. A deputada está convencida que a comissão vai concluir que o grupo controlava a Selenis.
Segundo a deputada do Bloco, a Selenis não pagou juros e quando a Caixa foi liquidar a empresa já as ações tinham sido vendidas a outros acionistas em incumprimento do contrato de financiamento feito com o banco que impedia a venda. Matos Gil garantiu que não é regra sua incumprir contratos. De quem é esta empresa? Não sei. A empresa que deixou a dívida na Caixa mudou de acionistas, mas também de nome, chama-se Jupiter.
O empresário voltou contudo a garantir que o empréstimo negociado com a Caixa para o aumento de capital de 2007 foi negociado de forma totalmente autónoma das negociações que existiam para trazer o investimento na nova fábrica da La Seda para Portugal. Há alguma relação entre as duas operações?, pergunta de Cecília Meireles. “Zero”, responde.
Caixa sabia de coisas “estranhas” na La Seda, mas Faria de Oliveira não quis confronto com catalões
Matos Gil veio revelar nesta audição é que quando a primeira pedra deste investimento foi lançada em maço de 2008, com a presença de Sócrates, é que os responsáveis da Caixa e do grupo Imatosgil que estavam na La Seda já sabiam que se passavam coisas suspeitas, “estranhas”, na gestão do grupo catalão e que esse alerta foi dado à administração do banco público. Em respostas à deputada do CDS, Cecília Meireles, o presidente do grupo IMG descreve uma “reunião péssima” que antecedeu essa cerimónia, à qual aliás não queria ir.
Segundo testemunhou, Jorge Tomé, à data administrador da Caixa e representante na administração da La Seda, foi o “principal catalizador” da necessidade de fazer alguma coisa para detetar “coisas estranhas” na empresa catalã. Os gestores portugueses no grupo catalão “tinham a linha da desconfiança”, mas o presidente da entidade — pouco depois identificava Faria de Oliveira recém-chegado à presidência da Caixa — achou que era melhor não seguir essa linha porque entrar em conflito com aquela região, a Catalunha, seria complicado. Matos Gil admitiu que Faria de Oliveira não teria conhecimento das pessoas em causa, mas numa fase mais inicial da audição já tinha deixado esta frase. “O que é grave é o presidente da Caixa saber tudo e ter dito não nos metemos com catalães”.
Parece estranho, reconhece em resposta ao deputado do PCP, Duarte Alves. A única “certeza é a que a Caixa quis que eu estivesse no dia 13 (de março quando foi lançada a primeira pedra em Sines) e no dia 11 denunciamos situações graves na companhia”. E o que veio a seguir foi “catastrófico” e, segundo Matos Gil, levou à demissão dos gestores portugueses da La Seda. Em dezembro de 2008, a IMG afastou-se da La Seda.
Projeto importante para Portugal, mas que foi conduzido deploravelmente
Era um projeto importante para Portugal, mas foi conduzido de forma errada, admitiu Matos Gil. Em resposta a Virgílio Macedo do PSD, considerou mesmo a propósito do projeto da Artlant, que as “coisas foram deploravelmente conduzidas”. E sublinhou que não quis estar presente na cerimónia do lançamento da primeira pedra da unidade em Sines, com o então primeiro-ministro José Sócrates. E só esteve depois de uma reunião com a Caixa Geral de Depósitos.
Havia “coisas que não pareciam bem à data, mas que no futuro se revelaram fraudes”. Em três anos, a La Seda fez três aumentos de capital de mais de 900 milhões de euros para financiar as compras de empresas sem recurso à divida.
Manuel Matos Gil garantiu ainda que não foi ele a apresentar o projeto de construir uma fábrica em Sines para produzir PET, matéria prima usado no plástico de embalagens. Mas reconheceu que participou em reuniões com a administração do banco e responsáveis do Governo de Sócrates onde o investimento foi apresentado. Um dos nomes que foi referido por Matos Gil como tendo estado numa reunião com a Caixa sobre o projeto da nova fábrica foi o de Fernando Freire de Sousa, marido da vice-governadora do Banco de Portugal, Elisa Ferreira, que à data estava na administração do grupo catalão indicado pelo grupo Imatos Gil.
Para o empresário, o o projeto de Sines era sustentável, caso a La Seda tivesse cumprido os contratos de compra da matéria prima da unidade de Sines. Lembra ainda que o projeto inicial, que foi classificado como PIN (projeto de interesse nacional), previa capitais próprios e financiamento de um sindicato bancário para o investimento de mais de 300 milhões de euros. Mas a unidade acabou por avançar com o financiamento exclusivo da Caixa, e sem os contratos de escoamento da produção com as empresas do grupo La Seda que entretanto foram vendidas.
O financiamento à unidade de Sines foi a origem de uma parte importante das perdas geradas com esta operação que foram deram origem a imparidades na Caixa Geral de Depósitos. A Artlant foi declarada insolvente em 2016, tendo entretanto sido vendida a um grupo tailandês. A Selenis entrou em liquidação em 2010 por iniciativa da Caixa. Porque demorou tanto tempo? Porque haveria interesse em outros projetos, admitiu o presidente do grupo Imatosgil.