“Um dia negro para o futebol”. A capa da Marca é um exemplo paradigmático de como a Operação Oikos caiu como uma bomba em Espanha, com as autoridades a fazerem um total de 11 detenções e cinco identificações por causa de uma rede de jogos de futebol combinados que pode ter chegado à principal Liga. O facto de envolver quatro jogadores (dois retirados, um que deixou de jogar esta época e outro ainda no ativo) e o presidente do despromovido Huesca maximiza o impacto da trama mas, como se consegue perceber pelos primeiros pormenores do que está em causa, este é um esquema que não tem um nome, uma identidade ou uma nacionalidade – pode acontecer em qualquer país ou campeonato do mundo.

O El País faz um esquema gráfico de como uma rede deste género funciona, dando como exemplo o jogo entre Huesca e Nástic, da 41.ª jornada da Segunda Divisão, que está no epicentro de toda esta Operação Oikos, que levará esta quinta-feira os implicados a tribunal para conhecerem as medidas de coação que serão aplicadas pelo juiz.

  • Primeiro passo, escolher um jogo. No início ou no final da temporada, com apostas em várias casas distintas para maximizar o “prémio” e reduzir o risco de chamar atenções (se fosse apenas numa e com quantidades grandes envolvidas, despertava desde logo suspeitas – como foi o caso do Feirense-Rio Ave, que viu as apostas canceladas durante o dia, primeiro no Placard e depois noutras casas). O Huesca-Nástic foi à 41.ª jornada e teve um fluxo anormal detetado pelas autoridades de apostas quer na Ucrânia, quer na Ásia;
  • Segundo passo, fazer apostas combinadas. Para ter maior rentabilidade no ganho final, em vez de haver apenas uma aposta simples no resultado, não se aposta apenas num resultado final mas sim em quatro situações de jogo paralelas: resultado ao intervalo, resultado no final do jogo, pelo menos 15 cantos e um determinado número de cartões. No caso do Huesca-Nástic, que chegou sem golos ao intervalo, havia uma diferente de quase 30 pontos entre as duas equipas mas os visitantes, que lutavam pela fuga à despromoção, conseguiram ganhar;
  • Terceiro passo, fazer o contacto inicial com jogadores. Por norma, o membro do plantel implicado no esquema contactado é o capitão e, caso seja aceite a combinação, discutem-se depois os valores em causa (sempre com dinheiro vivo, sem transferências). É nessa altura que são adiantadas verbas para o atleta e para as apostas;
  • Quarto passo, as contas finais. No final do encontro, e se tudo tiver corrido conforme combinado (neste caso em específico, o Huesca manteve o nulo ao intervalo e perdeu por 1-0 no final diante do Nástic), é entregue a restante verba aos participantes no esquema, com o muito que se ganhou nessa aposta (improvável) combinada.

Este é o esquema que levou o Ministério Público a desencadear o caso, que nesta altura tem sob investigação um total de 21 pessoas, sendo as mais “mediáticas” Raúl Bravo, os restantes três atletas (ou antigos atletas) e o presidente do Huesca. O El Español adianta que existem alguns familiares envolvidos por fazerem também apostas em nome de outros. A Marca, que acrescenta ainda os defesas centrais e os guarda-redes como figuras mais “procuradas” além dos capitães de equipa para montar estes esquemas, falou com o responsável da Liga para a área da Integridade, Iñaki Arbea, que é também inspetor chefe da polícia e esteve no comando do caso do Osasuna, que viveu uma situação semelhante a esta.

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“O primeiro a fazer quando falamos de jogos combinados é a prevenção. Visitamos todos os balneários da Primeira Liga, da Segunda Liga, da 2.ª B, da Terceira Divisão, da Liga Iberdrola [Liga feminina] e da Liga Nacional de Futsal. Ensinamos a todos o que não se pode fazer e damos guias básicos de como atuar quando se deparam com uma situação deste género. E funciona melhor do que possa parecer”, explica, antes de detalhar o sistema TYCHE utilizado pela competição, que consegue fazer uma monitorização de todas as casas de apostas disponíveis: “É um sistema de aviso que vai de zero a cinco na medição dos fluxos. Se passa do dois, é um movimento suspeito que faz ativar os alarmes. O Huesca-Nástic foi entre quatro e cinco. Nesses casos, recolhem-se os dados, elabora-se um relatório e faz-se uma denúncia à Polícia Nacional”. De referir que vários programas espanhóis deram conta de mais jogos investigados como o Valencia-Valladolid, que valeu uma entrada na Champions.

No entanto, nem tudo consegue ser linear e detetável por uma equação ou sistema. Logo à partida, por haver duas nuances mais óbvias: 1) existem casas de apostas ilegais que fogem a este controlo; 2) porque se existem encontros onde o único objetivo passa por fazer dinheiro, há outros que envolvem também objetivos desportivos – e que podem ser pagos de outra forma.

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“Se houvesse capacidade de investigação, em cada temporada podiam ser apanhados nesta rede 200 futebolistas e a troco de muito pouco dinheiro. Há muitos casos mas poucos são apanhados porque é preciso demonstrar a culpa dentro de redes que são muito complexas”, argumenta ao El Confidencial Jorge Sevillano, especialista policial na prevenção de delitos que aponta mais para as divisões inferiores “onde há gente que passa fome e que nem desconta para a Segurança Social”. “O perigo é maior consoante maiores forem também as carências económicas dos envolvidos”, acrescenta. Sobre o perfil dos cabecilhas destas operações, a descrição encaixa na perfeição em figuras como Raúl Bravo, antigo internacional espanhol que foi campeão europeu no Real Madrid. “É sempre o mesmo tipo de figura: um futebolista mais veterano ou que tenha deixado de jogar, que tenha passado por vários clubes e que sabe como chegar aos visados. Dizem que está tudo bem, que ninguém vai saber, que não se passa nada e acreditam porque conhecem aquele antigo jogador”, destaca sobre os meandros destas redes.

Ao ABC, Mikel López de Torre, presidente da Jdigital (Associação Espanhola de Jogo Digital), defende que Espanha não é o país com mais casos destes mas sim um dos que mais faz para acabar de vez com este problema, em comparação com o que se passa em termos genéricos na União Europeia. Em paralelo, complementa toda a informação com um outro dado que torna mais complicado às autoridades chegarem à prova para denunciar todos estes esquemas: a “lei da rolha” que costuma imperar nos balneários das equipas, sendo muito raro haver um jogador a apontar alguma suspeita ou abordagem direta. Também neste aspeto, tudo depende do tipo de balneário em causa, com melhor ou pior ambiente entre atletas, técnicos e dirigentes.