O vídeo correu as redes sociais como fogo num rastilho: mostra o autocarro da seleção nacional a sair do Estádio do Bessa, ao som dos aplausos e gritos de um grupo de adeptos, e, de repente, a parar mesmo em frente a eles. Lá dentro, giram algumas cabeças e esticam-se alguns pescoços, de quem parece surpreendido pela paragem. Jogadores e equipa técnica tentam perceber o que se passa, mas só um se levanta. Abre-se a porta, sai um dos membros do staff da seleção e há a indicação para que alguém se aproxime.
Na imagem aparece então uma criança com um cartaz na mão, boné azul do Futebol Clube do Porto, calções vermelhos e um tubo de oxigénio ligado a uma pequena botija que o pai carrega, mesmo atrás. Ajudam o rapaz a subir os três degraus da entrada do autocarro. Lá em cima já está Cristiano Ronaldo.
Um outro vídeo filmado dentro do autocarro conta aquilo que, cá fora, todos imaginam. Durante horas, a criança esteve ali, à porta da garagem do Estádio do Bessa, com um cartaz na mão: “Cristiano, dá-me um abraço”. Agora, o capitão português correspondia ao pedido. Nesta altura, já outro homem está de pé — o selecionador, Fernando Santos. Ronaldo senta-se no degrau de acesso ao corredor, encosta a criança a si e sorri para a fotografia — está feito o sonho de Eduardo Moreira, a criança de 11 anos que parou o autocarro da seleção para abraçar Cristiano Ronaldo.
Primeiro a leucemia, depois as complicações
Eduardo tinha 15 meses quando os pais começaram a estranhar a falta de energia da criança, o cansaço e as nódoas negras. Numa reportagem da Trofa TV, feita há pouco mais de um ano, é explicado que os médicos acabariam por diagnosticar-lhe uma leucemia. Meses depois, era encontrado um dador compatível e feito o transplante.
O alívio da família, natural de S. Romão do Coronado, durou muito pouco. Com o transplante, veio também uma complicação: Eduardo desenvolveu uma patologia conhecida como “doença do enxerto contra o hospedeiro”. Na prática, é como se as células do dador tivessem começado a atacar o organismo da criança.
Uma das faces mais visíveis da doença são os problemas respiratórios. Por causa da atrofia muscular, Eduardo tem uns pulmões muito frágeis e fracos. Por isso, tem de andar sempre uma máquina de oxigénio. Sabe que isso chama muito a atenção das pessoas por quem passa na rua, mas garante que não se importa. Na reportagem, diz que as pessoas olham para ele “de lado”, mas não liga:
Nunca viram uma criança com os problema que eu tenho, com o oxigénio, etc. Estranha-se. É um menino ali com uma coisa no nariz. As pessoas ficam a olhar de lado. Não ligo. Se acham mal, quero lá saber, Se acham bem, ‘tá-se bem.”
Esta ligeireza, pelo menos aparente, com que fala da própria doença é, aliás, uma das coisas que mais impressionam nele. Eduardo diz que “não é difícil viver assim”. Confessa que, no início, chorava, mas agora não. “Tenho que ter e tenho, foi Deus que me deu, tenho de viver assim”, remata.
A mãe diz mesmo que é isso que faz com que a família tente, às vezes à força, manter uma vida normal. “Se ele tem de viver um dia de cada vez, vamos vivê-lo, à nossa maneira. Tentamos não fechar o Eduardo a sete chaves. Era impossível o Eduardo ir para a praia. No ano passado fomos. Um bocadinho, mas fomos”, conta.
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Não foi sempre assim, claro. Perante o diagnóstico, a família “foi abaixo” e a mãe admite que acabou por ficar deprimida — e, com isso, por deprimir a criança. Por isso, decidiu voltar ao trabalho e tentar seguir em frente.
Havia muitas fases em que o Eduardo dizia: ‘Eu quero morrer, porque tu estás a chorar por minha causa. Eu não tenho culpa de ser assim. Tu não vais trabalhar, estás doente da cabeça por minha causa'”, conta.
Do filho, garante, não ouviu muitos lamentos. Nem mesmo nos dias em que tem de ser picado várias vezes, por causa de exames ou análises. “Oh mãe, eu pareço um queijo suíço, todo furado”, disse-lhe uma vez, quando viu a preocupação da mãe. “Quando é para picar, ponho o braço e já está, não dói nada”, diz Eduardo. “Tenho assim muita força, desde que nasci, basicamente.”
A doença tem sido difícil de controlar. No ano passado, os médicos fizeram uma tentativa para reduzir a medicação, mas o corpo da criança reagiu mal. Na reportagem feita no ano passado, falava-se da possibilidade de um tratamento nos Estados Unidos, que poderia atenuar alguns dos sintomas. Dos cuidados cá, a família só tem o melhor a dizer — sobretudo Eduardo, que diz que os médicos até lhe dão pizza no hospital.
O rapaz “bonito” que quer ser Presidente da República
Gosta de comer, de vídeo jogos e de futebol — claro —, mas sabe que o futuro não passa por aí. A fragilidade dos seus pulmões não lhe permite grandes esforços físicos. Por isso, jogar à bola, só vestido de preto: “Não posso jogar futebol, canso-me muito. Agora sou árbitro”, explica, dizendo que gosta sobretudo dos cartões vermelhos, porque saem logo.
A sua cadeira de sonho também não parece estar num estádio, a treinar um clube, por exemplo. Em 2018, Eduardo dizia que queria ser Presidente da República. Porquê? “Para mudar o mundo.” A começar pelo dinheiro de que precisam algumas pessoas: “Os doentes como eu que precisam de ajuda, os velhinhos que andam aí mesmo doentes. Vão lá ao governo e tiram”.
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No futuro, espera ter um cão, filhos e uma família. E não antecipa grandes dificuldades porque, “basicamente”, tem “muitas miúdas” atrás dele. Também não lhe falta sentido de humor: “Bonito, sexy e gostoso”, diz, quando lhe pedem que se defina em poucas palavras.
Algum tempo depois de ter conhecido o seu ídolo, à porta do Estádio do Bessa, a mãe dizia que ainda não se tinha refeito.
Ele está fora dele, muito feliz. Estava um bocadinho ansioso, até porque já tinha tentado na quinta-feira, mas hoje [sábado] acordou cedo, esperançoso. Está muito contente. Ele gosta muito do Ronaldo e às vezes até diz que quer cortar o cabelo como ele. Isto foi muito importante para ele e para nós, que ficámos de coração cheio por vê-lo sorrir e feliz”, disse Vera Martins ao jornal Record.
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As tentativas para proporcionar um encontro entre Eduardo e Cristiano Ronaldo foram organizadas por Tiago Velho, um nome conhecido no futebol precisamente por angariar e leiloar camisolas de jogadores para fins solidários. É ele, aliás, quem regista em fotografia o momento dentro do autocarro.
No Facebook, Tiago Velho escreveu que “não existe felicidade tão grande como esta” e que o episódio “vai ficar na memória para sempre”, porque provou que não há impossíveis.