As imagens impressionam. Milhares de pessoas estão reunidas nas ruas do centro de Hong Kong há largas horas neste que é o terceiro protesto no espaço de uma semana. Há quatro dias a polícia usou gás pimenta e lacrimogéneo e balas de borracha nos confrontos, mas neste domingo ainda não há relato de qualquer problema. A líder do executivo, Carrie Lam, emitiu um pedido de desculpas, admitindo que as “deficiências” no trabalho do governo levaram a “substanciais controvérsias” causando o “desapontamento e pesar” entre o povo.
Vestidos de negro e com os símbolos da paz nas t-shirts, a maioria dos manifestantes são jovens e muitos trazem também flores em homenagem ao manifestante que perdeu a vida depois de uma queda acidental. O jovem morreu depois de cair de um andaime onde tentava colocar uma lona com uma mensagem.
À medida que a noite vai caindo as imagens que chegam dos protestos mostram uma ‘onda’ de luzes a percorrer as ruas. De acordo com os números divulgados pela organização do protesto, a Civil Human Rights Front [Frente Civil de Direitos Humanos], estima-se que estejam nas ruas de Hong Kong cerca de dois milhões de pessoas. Num comunicado divulgado, a organização afirma que os protestos não vão terminar “até que a lei seja revogada, os detidos libertados” e sejam retiradas todas as acusações e insistem no pedido de demissão de Carrie Lam.
As night falls, out come the lights #HongKong pic.twitter.com/1ge5Dsa5CR
— Bill Birtles (@billbirtles) June 16, 2019
A CNN relata uma “multidão em júbilo” apesar de se acumularem milhares de pessoas nas ruas, com pouco espaço e a desfilar a uma velocidade mínima, quase sempre parados. “As músicas e cânticos enchem o ar” relata o canal norte-americano. Uma das músicas entoadas pela multidão, ‘Do you hear the people sing’, eternizada pelo musical “Os Miseráveis” e que ficou também como uma das marcas dos protestos que aconteceram em Hong Kong em 2014, voltou às ruas pelas vozes dos manifestantes.
https://twitter.com/ko_stelly/status/1140264188754817027?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1140264188754817027&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.cnn.com%2Fasia%2Flive-news%2Fhong-kong-protests-june-16-intl-hnk%2Findex.html
Apesar de estarem concentrados numa multidão compacta, à necessidade da passagem de uma ambulância as pessoas responderam com um cordial e civilizado ‘corredor de segurança’, abrindo o espaço necessário para que o veículo de socorro circulasse por entre a multidão.
Hong Kong's streets are packed with demonstrators, bringing many of the city's main roads to a complete standstill — but this crowd of cheering protesters parted to let an ambulance pass through. Live updates: https://t.co/EyPXwmAiGa pic.twitter.com/8IzLINzAsp
— CNN International (@cnni) June 16, 2019
Os manifestantes voltaram também na noite deste domingo à rua onde, há alguns dias, foram expulsos pela polícia com recurso a gás pimenta e lacrimogéneo e balas de borracha. Sentados na Harcourt Road, os manifestantes afirmam que planeiam ficar “durante horas” ou quem sabe “toda a noite” numa das ruas mais movimentadas de Hong Kong, relata a CNN.
“Hong Kong nunca mais seria Hong Kong. Seríamos enviados para a China por qualquer razão.”
Chris Wong, de 26 anos, participou nas três manifestações. Ao Observador é perentório: quer “uma manifestação pacífica, sem sangue no final”. Nascido e a viver em Hong Kong não se lembra, claro, mas tinha apenas quatro anos quando foi assinada a Declaração Conjunta, que prevê que, durante 50 anos, Hong Kong seria uma região da República Popular da China com quase total autonomia.
Ficava garantido, através da Lei Básica — uma espécie de Constituição — que a China não poderia, durante 50 anos, alterar o sistema jurídico e político nem a maneira de viver (Way of Life) dos cidadãos. Chris reconhece, no entanto, as implicações da lei de extradição. “Hong Kong nunca mais seria Hong Kong. Seríamos enviados para a China por qualquer razão”, diz.
Chris Wong já não sabe contar as horas que esteve na rua, somadas a partir dos vários dias de protesto. Diz, orgulhoso: “Sim, fui um deles”. No dia 9 de junho, “foi a maior [manifestação] de sempre em Hong Kong. Nunca tivemos tanta gente nas ruas.” Já no dia 11, foi dos manifestantes que escolheu passar a noite junto à Assembleia Legislativa, esperando que o soar da luz do dia trouxesse mais gente para o protesto.
“Era muito simples: mantinhamo-nos em volta da Assembleia Legislativa e não deixaríamos ninguém entrar”. No entanto, um protesto que se avizinhava pacífico, resultou em pelo menos 80 feridos em confrontos com a polícia. Foram usadas balas de borracha, granadas de gás lacrimogéneo e de gás pimenta, num cenário “caótico”, com pessoas a “chorarem com dores”.
Carrie Lam admite que deficiências do governo podem ter desapontado os cidadãos e compromete-se com atitude “sincera e humilde”
A líder do executivo emitiu um pedido de desculpas. Num comunicado, divulgado horas após o início da manifestação deste domingo, através de um porta-voz do governo, Carrie Lam admite que as “deficiências” no trabalho do governo levaram a “substanciais controvérsias” causando o “desapontamento e pesar” entre o povo.
Leia a declaração completa do porta-voz do governo:
Nos últimos dois domingos, um grande número de pessoas expressou as suas opiniões durante as manifestações públicas. O Governo entende que essas opiniões foram feitas de amor e carinho por Hong Kong.
O Chefe do Executivo ouviu com clareza as opiniões expressas de uma forma pacífica e racional. Ela reconheceu que isso incorporava o espírito de Hong Kong como uma sociedade civilizada, livre, aberta e pluralista que valoriza o respeito mútuo, a harmonia e a diversidade. O governo também respeita e valoriza esses valores centrais de Hong Kong.
Tendo em conta os pontos de vista fortes e diferentes da sociedade, o Governo suspendeu o exercício de alteração legislativa no Conselho Legislativo, tendo em vista restabelecer a calma na sociedade o mais rapidamente possível e evitar ferimentos em quaisquer pessoas. O governo reiterou que não há cronograma para reiniciar o processo.
O Chefe do Executivo admitiu que as deficiências no trabalho do governo levaram a substanciais controvérsias e disputas na sociedade, causando desapontamento e pesar entre o povo. O Chefe do Executivo pediu desculpas ao povo de Hong Kong e comprometeu-se a adoptar a atitude mais sincera e humilde para aceitar críticas e melhorar o serviço ao público.
Mais cedo neste domingo, numa conferência de imprensa, os líderes do protesto sublinharam que a população de Hong Kong não quer viver sob o medo de que seja semeado o terror com detenções.
Questionados pelos jornalistas, sustentaram que a suspensão do debate sobre a lei da extradição é apenas uma tática política motivada pela pressão pública e voltaram a exigir o abandono da lei, um pedido de desculpas da chefe do Governo, Carrie Lam, bem como a sua demissão.
O anúncio de sábado da chefe do Governo de suspender as emendas à lei que permitiriam a extradição para países sem acordo prévio, como é o caso da China continental, não desmobilizou os opositores, que continuam a pedir um recuo total das propostas e a demissão da própria Carrie Lam, a líder do Executivo.
Depois de no último domingo, segundo os organizadores, mais de um milhão se ter manifestado, e após um protesto na quarta-feira que cercou o quartel-general do Governo no qual se registou mais de uma centena de feridos e a detenção de onze pessoas, dezenas de milhar de pessoas marcham este domigo num protesto que vai começou em Victoria Park e deverá terminar de novo no complexo do Conselho Legislativo (LegCo).
A polícia de Hong Kong informou durante a semana que durante os confrontos de quarta-feira foram detidas 11 pessoas, acusadas de crimes como o de participação num motim, cuja moldura penal prevê uma pena máxima de dez anos de prisão.
As forças de segurança confirmaram também a utilização de gás lacrimogéneo, gás pimenta e armas antimotim para dispersar os manifestantes, bem como ferimentos em 22 polícias.
Pelo menos 80 pessoas foram obrigadas a receber tratamento hospitalar, segundo a imprensa local que cita números fornecidos pelas unidades de saúde.
Alguns das detenções efetuadas pela polícia aconteceram nas instalações das unidades de saúde, uma situação que mereceu críticas tanto de responsáveis hospitalares como da CHRF.
Os acontecimentos obrigaram o Executivo a adiar o debate e a encerrar as instalações da sede do Governo, numa primeira fase.
Ao longo do dia, no Twitter foram divulgados vários vídeos onde é possível ver a imensidão de pessoas nas ruas, vestindo roupas de cor preta.
https://twitter.com/ThomasJLowe1/status/1140155259731320832
Massive protests over a controversial China extradition bill shutting down key parts of Hong Kong for a second Sunday in a row. You can just make out the protesters calling on Carrie Lam to “下臺” or step down. #hongkong https://t.co/53L9jOfEhs pic.twitter.com/akh7bVQF1I
— Sherisse Pham (@Sherisse) June 16, 2019
Lei da extradição em suspenso, manifestações continuam
No sábado a líder do executivo, Carrie Lam, que no próprio dia dos confrontos tinha reafirmado a sua intenção de prosseguir com as alterações à lei da extradição apesar dos protestos, acabou por anunciar a suspensão do debate sobre a proposta.
Os opositores defendem que tal não é suficiente e, por isso, mantiveram a mobilização deste domingo, garantindo que os protestos vão continuar até que a proposta de lei seja definitivamente retirada, ao mesmo tempo que pedem a demissão da líder do Executivo, que enfrenta fortes críticas da sociedade e, de acordo com os ‘media’ locais, uma divisão política no próprio Governo.
Proposto em fevereiro e com uma votação final prevista para antes do final de julho, as alterações propostas permitiriam que a chefe do Executivo e os tribunais de Hong Kong processassem pedidos de extradição de suspeitos de crimes para jurisdições sem acordos prévios, como é o caso da China continental.
Os defensores da lei argumentam que, caso se mantenha a impossibilidade de extraditar suspeitos de crimes para países como a China, tal poderá transformar Hong Kong num “refúgio para criminosos internacionais”.
Os manifestantes dizem temer que Hong Kong fique à mercê do sistema judicial chinês como qualquer outra cidade da China continental e de uma justiça politizada que não garanta a salvaguarda dos direitos humanos.
A transferência de Hong Kong e Macau para a República Popular da China, em 1997 e 1999, respetivamente, decorreu sob o princípio ‘um país, dois sistemas’, precisamente o que os opositores às alterações da lei garantem estar agora em causa.
Para as duas regiões administrativas especiais da China foi acordado um período de 50 anos com elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário, sendo o Governo central chinês responsável pelas relações externas e defesa.