— Dr. Estou a ficar cansado do que está a acontecer neste processo, disse o advogado Mário Baptista
— Agora imagine eu, respondeu-lhe o juiz Carlos Delca
— Só estou a desabafar…
Em abril, foi adiado por razões logísticas; em maio, foi de novo adiado por causa de dois pedidos de recusa do juiz. Três meses depois, à terceira foi mesmo de vez e teve início no Campus da Justiça a fase de instrução do caso de Alcochete. Mas não foi fácil. E só quase às 16h00 é que o primeiro dos quatro arguidos previstos começaram a falar. Ainda assim, pouco mais de uma hora depois, a agenda estava cumprida, com o problema com os Serviços Prisionais resolvido, um incidente de recusa quase ultrapassado e um arguido prestes a ser libertado.
O juiz de instrução entrou na sala, preparada para os grandes processos, com um incidente de recusa nas mãos, o quarto desde que foi proferida a acusação. Mas não foi parco nas palavras. Depois de resumir as razões do arguido para ser afastado do processo, Carlos Delca acusou as várias defesas de estarem a fazer tudo para atrasar a instrução até se esgotar o limite da prisão preventiva dos seus clientes.
“É um direito dos arguidos poderem recusar o juiz do processo, mas também é um dever que temos: a aplicação da lei”, disse.
Assim, o juiz decidiu avançar com a sessão por se tratar de um ato urgente, enquanto o pedido segue para o Tribunal da Relação de Lisboa que já recusou três pedidos semelhantes neste caso.
Nesta fase do processo pedida por seis arguidos, o juiz irá decidir se existe prova suficiente para o caso avançar para julgamento final. Hugo Ribeiro, Celso Cordeiro, Sérgio Santos, Elton Camará e Eduardo Nicodemus estão acusados de um crime de terrorismo, de 40 crimes de ameaça agravada, de 38 crimes de sequestro, de dois crimes de dano com violência, de um crime de detenção de arma proibida agravado e de um de introdução em lugar vedado ao público. Já Bruno de Carvalho, o outro arguido que pediu instrução, está acusado de ser autor moral de 40 crimes de ameaça agravada, de 19 de ofensa à integridade física qualificada, de 38 de sequestro, de um crime de detenção de arma proibida e de crimes que são classificados como terrorismo, não quantificados. Recorde-se que, entre os 44 arguidos do processo, 36 continuam em prisão preventiva.
Fechar a porta aos jornalistas
Antes de arrancar para os interrogatórios, porém, o advogado de Bruno de Carvalho, Miguel Fonseca, deixou um primeiro requerimento contra a presença da comunicação social na sala. Depois seguiram-se duas oposições ao arranque da sessão por não estarem presentes os arguidos em prisão preventiva.
Mas a procuradora Cândida Vilar não o deixou sem resposta. E lembrou que o antigo presidente do Sporting tem feito intervenções públicas à porta do tribunal e recentemente ao Expresso. “O debate instrutório podia até ter ficado resumido aos arguidos mas para isso teria de haver um pedido (o que não aconteceu)”, acrescentou.
Miguel Coutinho, representante do Sporting que se constituiu como assistente no processo, avançou também com a mesma ideia de restringir a instrução à presença de juízes, Ministério Público, advogados e arguidos, deixando de fora a comunicação social nesta fase. Miguel Coutinho foi também o advogado que representou o Sporting enquanto assistente no processo do e-toupeira — em que a SAD do Benfica foi constituída arguida — cuja instrução só foi aberta aos jornalistas na parte relativa ao debate instrutório.
Os arguidos entregues no Montijo por engano
Entre os presentes na sala esta manhã encontravam-se Fernando Mendes, antigo líder da Juventude Leonina; Bruno Jacinto, ex-Oficial de Ligação aos Adeptos do Sporting; e Nuno Torres, proprietário da viatura que deu entrada na Academia depois do ataque e que foi detido numa segunda fase da investigação.
Carlos Delca explicou depois dessas intervenções que a falta dos arguidos em prisão preventiva que solicitaram a presença na sala era da responsabilidade dos Serviços Prisionais, que terão enviado alguns arguidos para o Montijo (como se a instrução fosse no Barreiro) quando a sessão começou esta manhã no Campus da Justiça, em Lisboa.
Também Cândida Vilar remeteu essa questão para a Direção dos Serviços Prisionais e deu o exemplo de Fernando Mendes, que tem feito sessões de quimioterapia no hospital e que esteve presente neste arranque da sessão.
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.A funcionária judicial esclareceu que os Serviços Prisionais levaram os arguidos para o estabelecimento prisional do Montijo, a pensar que esta sessão iria decorrer no Tribunal do Barreiro – onde corre o processo.
No entanto, a sessão foi mudada para o Campus da Justiça onde foi feita uma sala para receber casos com muitos arguidos. Aliás, foi essa a primeira razão do primeiro adiamento da instrução: a logística. Perante esta questão, a sessão acabou por ser interrompida.
Do oito para o 80. Todos os arguidos na sala
Pelas 14h00, a sessão continuava interrompida. É que os Serviços Prisionais decidiram trazer todos os arguidos do processo, mesmo que só seja imperativo estarem seis — os que pediram a instrução.
Ao Observador, a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais diz que “se verificou um lapso de interpretação de uma convocatória, emitida pelo Tribunal do Barreiro, para que três reclusos do Estabelecimento Prisional de Lisboa fossem conduzidos ao Campus da Justiça. Detetado o lapso em tempo útil, a diligência foi realizada pelo Estabelecimento Prisional do Montijo”.
A sessão foi retomada só às 15h40 e começou logo com o advogado de do arguido Bruno Monteiro a considerar inacreditável terem trazido o seu cliente, em convalescença depois de uma operação, para a sessão. “Isto não é tortura, mas começa a cheirar. Não merecia estar preso, está incapacitado. Na minha opinião isto não se faz a ninguém. O meu constituinte prescinde de estar presente quer nos atos de instrução, quer no debate instrutório”, pediu.
O juiz compreendeu. E prosseguiu, sem impedir que os jornalistas ficassem na sala.
Sérgio Santos, um dos arguidos que prestou declarações, garante que nada fez. Apenas se juntou a um grupo de amigos que iria à Academia, como era habitual. “Estou aqui e não sei, não sabia que havia meia dúzia de miúdos que pensava que o futebol era uma brincadeira. Não sei o que dizer. Mas estou aqui”, disse. “Sinceramente cometi um erro. Não devia ter lá ido”, acrescentou.
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Advogado diz que vai fazer queixa disciplinar do juiz
Depois de tentar colocar perguntas aos arguidos e de o juiz o ter impedido, o advogado de Bruno de Carvalho pediu a palavra. E disse que ia pedir a nulidade do interrogatório porque Carlos Delca não deu hipótese de exercer o contraditório.
O advogado anunciou também que vai avançar com um “procedimento disciplinar” contra o juiz, por este ter permitido que a procuradora questionasse diretamente os arguidos, quando a lei dita que o devia fazer através do juiz. Aos jornalista o advogado explicou que nunca tinha visto um juiz agir assim em mais de 20 anos de profissão. Também o advogado Miguel Matias considerou que o facto de o juiz não dar a palavra aos advogados dos co-arguidos e dar ao Ministério Público reduz a hipótese de as partes “lutarem com as mesmas armas”.
No final da sessão, depois de ouvidos quatro arguidos que negaram qualquer crime, a advogada de Fernando Mendes lembrou o pedido que tinha feito. Por se encontrar doente, pede que seja libertado para fazer os tratamentos. O juiz disse que ia despachar, depois de a procuradora ter concordado. Já no final, a advogada garantiu que o seu cliente seria libertado, provavelmente já esta terça-feira.
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José Preto deixou defesa de Bruno de Carvalho
Durante o intervalo da sessão, o advogado Miguel Fonseca explicou que o colega José Preto abandonou a defesa de Bruno de Carvalho apenas por discordar com a estratégia discutida pelos cinco advogados que se juntaram para o processo ainda antes de ele ser detido. Preto queria que Bruno de Carvalho, caso seja pronunciado, fosse julgado por um tribunal de júri — ou seja, por um júri composto por cidadãos comuns. E os restantes advogados não queriam. “É incorreto dizer que José Preto abandonou o cliente”, disse aos jornalistas presentes no Campus da Justiça esta manhã, durante a interrupção da sessão de instrução.
(Artigo corrigido a 4 de julho relativamente à informação sobre a instrução do e-toupeira, em que Miguel Coutinho não pediu que decorresse à porta fechada, porque os jornalistas só puderam estar presentes no final, durante o debate instrutório).