Finito. A liderança do hemiciclo europeu passa de um italiano de direita (Antonio Tajani, do PPE), para um italiano de esquerda, não fugindo muito do guião desenhado em Bruxelas. À segunda volta, o socialista David-Maria Sassoli conseguiu ser eleito presidente do Parlamento Europeu esta quarta-feira em Estrasburgo com 345 votos. Seguiu-se o conservador Jan Zahradil (dos Conservadores) com 160 votos, Ska Keller (Verdes) com 119 votos e Sira Rego (esquerda europeia) com 43. A legislatura é de cinco anos, mas daqui a dois anos e meio Sassoli deverá ser substituído por Manfred Weber.

Quem é o novo Presidente do Parlamento Europeu?

Os líderes europeus tinham chegado a acordo sobre os cargos de topo da União Europeia na terça-feira ao final da tarde, mas não fecharam um nome final para a presidência do Parlamento. De Bruxelas, dos líderes europeus, vinha a indicação informal de que o favorito era o búlgaro Sergei Stanishev, mas o nome caiu durante a reunião dos socialistas na terça-feira à noite– que esteve longe de ter sido pacífica e o candidato apresentado foi outro: o italiano David-Maria Sassoli. E venceu logo na segunda ronda (no máximo existiriam quatro).

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Na primeira volta, realizada duas horas antes, Sassoli tinha falhado a eleição por sete votos, mas agora conseguiu ter a maioria dos votos expressos (votaram 667 de 751 deputados). O Parlamento evita assim uma maratona que podia durar até perto da meia-noite e recusa-se a enfrentar — pelo menos para já — o que foi decidido pela grande coligação acordada em Bruxelas.

No primeiro discurso como presidente, Sassoli lembrou os problemas que a Europa tem enfrentado: “Nestes meses, muitas pessoas alimentaram divisões e conflitos que pensávamos serem uma triste lembrança da nossa história. Os cidadãos mostraram, pelo contrário, que ainda acreditam neste caminho extraordinário, o único capaz de dar resposta aos desafios globais que temos pela frente”. O novo presidente do Parlamento Europeu diz que é preciso “força para relançar o processo de integração, reformando a nossa União para que esta possa responder mais robustamente às necessidades e às preocupações dos nossos cidadãos, ao seu crescente sentimento de perda”.

Sobre as prioridades do Parlamento Europeu, Sassoli afirmou que a Europa está imersa em “grandes transformações: desemprego jovem, migrações, alterações climáticas, a revolução digital, o novo equilíbrio mundial, só para citar algumas, que precisam de novas ideias e coragem”.

No mesmo discurso, o novo líder do hemiciclo lembrou que “se contássemos a nossa história enquanto bebíamos um cerveja não diríamos que somos filhos de um acaso. A história da Europa foi uma história sofrida”. Os europeus, diz o italiano, são os “filhos e os netos dos que conseguiram um antídoto” para um mal “nacionalista que envenenou a história”. O italiano atacou os nacionalismos, referindo que todos os deputados são “apaixonados pelos países”, mas que “o nacionalismo levado a idolatria, leva a conflitos”.

Para o novo presidente, as “instituições europeias têm de se repensar e não devem impedir a construção de uma Europa mais unida”. Quanto ao Brexit, Sassoli destacou que “a política deve ser feita com amizade, mas com respeito pelas regras.” Lembrou que, na mesma medida que o Reino Unido quer sair, “os pedidos de adesão continuam” porque “todos sabem que é muito bom fazer parte da UE”. O italiano foi depois felicitado pelos líderes parlamentares. O primeiro a fazê-lo foi o seu provável sucessor: Manfred Weber.

Silva Pereira, o português que vai para a direção do Parlamento Europeu

Silva Pereira é candidato a vice-presidente e não deverá enfrentar grandes dificuldades para ser eleito. O Observador já tinha noticiado, a 21 de junho, que essa era uma intenção dos socialistas. Pedro Silva Pereira escreveu uma carta de apresentação de candidatura onde explica que não vê “a vice-presidência do Parlamento como um mero trabalho burocrático, mas antes uma posição política para defesa do projeto europeu e de uma democracia forte”. O antigo ministro socialista quer o papel do Parlamento reforçado para que “a vontade política dos nossos cidadãos possa ser totalmente respeitada”.

No mesmo texto, Silva Pereira recorda que geriu diversos “dossiês sensíveis” como “a recomposição do Parlamento para esta legislatura, a reforma do mecanismo de estabilidade europeu, os acordos comerciais com o Japão ou o financiamento para os objetivos do desenvolvimento sustentável”.

Na auto-avaliação que faz Silva Pereira diz que “em todas essas difíceis negociações” pensa “ter mostrado capacidade política de alcançar compromissos, mobilizar toda a gente e avançar com a agenda europeia.” E acrescentou: “Tenho a certeza que vamos precisar mais disto nos próximos anos.

Socialistas querem Pedro Silva Pereira como vice-presidente do Parlamento Europeu

Depois de assumir funções, o novo presidente do PE presidirá à eleição dos 14 vice-presidentes. As candidaturas seguem as mesmas regras que as aplicáveis à presidência do PE. Silva Pereira foi indicado na reunião da bancada dos S&D na terça-feira à noite como um dos quatro candidatos socialistas às vice-presidências do Parlamento Europeu, o que à partida lhe garante a eleição.

O “Parlamento livre” e os discursos dos quatro candidatos

O presidente cessante António Tajani avisou na abertura da sessão, em Estrasburgo, que o Parlamento Europeu não aceita indicações de fora, já que este é um Parlamento “livre e autónomo”. Os quatro candidatos discursaram cinco minutos cada um para convencerem os seus pares.

No discurso que fez antes da eleição o então candidato socialista, David-Maria Sassoli, destacou a legitimidade democrática do Parlamento Europeu, uma vez que a abstenção baixo nas últimas europeia e definiu como prioridades para a Europa o “combate às alterações climáticas, o crescimento económico, o emprego, a igualdade de oportunidades e a justiça social“. Numa perspetiva mais romântica, lembrou as virtudes de uma europa em que os jovens podem circular livremente e “apaixonar-se”. Aos outros deputados prometeu um “diálogo aberto e plural” e terminou o discurso a citar Jean Monnet, um dos pais da UE: “Nada é possível sem os homens, nada é duradouro sem as instituições”.

A candidata dos Verdes, Ska Keller — que faz parte do quarto maior grupo do hemiciclo e o maior dos que ficaram foram das negociações, começou a discurso a dizer que é preciso que esta eleição represente “a independência deste parlamento” e que não seja uma “imposição do Conselho Europeu”. Ska Keller definiu a União Europeia como “o maior sucesso do nosso continente”, que no passado foi “dominado pela guerra e pelo ódio”. A candidata disse serem necessárias “provas de coragem” de que a Europa pode mudar para melhor. Mesmo que uma claque mais pequena que o candidato “mainstream” foi bastante aplaudida, quer quando o seu nome foi anunciado, quer após o discurso.

O discurso mais emotivo foi o da espanhola e candidata da esquerda, Sira Rego, que começou por dizer que é de uma família política “humilde em votos”, mas forte na luta e em convicções. Prometeu lutar contra a “exploração dos trabalhadores e dos recursos na União Europeia”. Sira Rego não esquece a austeridade imposta por Bruxelas nos últimos anos e destacou que “a ideologia liberal seguida pela União Europeia trouxe desemprego, desigualdade e sofrimento”, lembrando que países como “Espanha, Grécia ou Portugal” sofreram as consquências dessa autsteridade.

A candidata da esquerda acusou as políticas da União Europeia de “gerarem o monstro do fascismo”, que está representado no hemiciclo por uma “extrema-direita, com discursos xenófobos e racistas”.  Sira Rego defendeu ainda a criação de uma comissão especial sobre a “emergência climática em que vive o planeta” e defendeu que o Parlamento Europeu deve dar apoio jurídico aos ativistas que salvou migrantes no Mediterrâneo. Enalteceu, a este propósito, o trabalho da alemã Carole Rackete e da Sea Watch no resgate de imigrantes no Mediterrâneo.

A espanhola referiu-se ainda a lutas no continente europeu pela democracia, como a resistência anti-fascista italiana do Partigiano, referindo-se também ao 25 de Abril em Portugal e à Grândola Vila Morena. Terminou o discurso de punho erguido e disse apelou a que se avançasse para a luta. Depois do discurso de Sira Rego, o presidente cessante disse que os deputados tinham de falar de forma mais lenta para que os tradutores pudessem ter tempo para traduzir e que as opiniões diferentes deveriam ser respeitadas. Foram farpas para a candidata da esquerda.

O último candidato a discursar foi Jan Zahradi, que defendeu que o presidente do Parlamento deve ser “neutral, imparcial e tratar todos os grupos de forma igual, com respeito”. O candidato dos conservadores (ERC) distribuiu um folheto pelos restantes eurodeputados onde diz estar uma “visão estratégica de futuro” para o Parlamento, que deveria ser o garante dos equilíbrios na União Europeia.

Zahradi quer “restaurar o equilíbrio” entre as três grandes instituições, “acabar com  a luta institucional e dar início a uma nova cooperação.” Depois lembrou que desde 2004 houve 13 novos países que se juntaram à União Europeia, 12 dos quais da Europa de Leste e que ele é a única pessoa dessa área geográfica candidata a um cargo de topo. Lembrou que “um terço dos Estados-membros não fazem parte da zona euro” e que ele é de um desses países (a República Checa). Que entre os países pequenos e médios, só a Bélgica tem um representante e que ele é, além de Charles Michel, é ele o único candidato de um país dessa dimensão.

Esta quarta-feira soube-se que Ursula von der Leyen, a candidata escolhida pelo Conselho para presidente da Comissão Europeia, se deslocará a Estrasburgo esta quarta-feira à tarde para uma operação de charme junto de alguns grupos parlamentares. Para já o Observador apenas confirmou o encontro com a bancada do seu partido, o PPE, que será por volta das 15h00 (14h00 em Lisboa).

Ursula von der Leyen. Quem é a mulher que nasceu com a Comissão Europeia e que agora chega à sua presidência?