Entre os espaços com mais história na música ao vivo em Portugal está o extinto Dramático de Cascais. Os registos dizem-nos que foi por lá que passaram alguns dos nomes mais importantes que já cá tocaram, quem lá foi tem sempre coisas a contar sobre o que viu e sobre as noites que ali passou. Os que são demasiado novos para o ter frequentado ficam naquele limbo parecido ao Mundial de 86 – estivemos lá todos, já nascidos ou não. O único concerto dos Nirvana em Portugal destaca-se sempre neste imaginário coletivo, tal como a visita dos Genesis em meados de 70. No caso dos americanos, muitos estiveram lá, alguns eram demasiado novos e outros optaram por ir ver o Benfica jogar com o Porto porque os Nirvana haviam de voltar.
O que não tem muita história — e a que tem vem com alguns tiros ao lado — na narrativa da música ao vivo em Portugal é o hip-hop. É certo que a cada ano os organizadores dos vários festivais de verão estão a trazer nomes fortes daquele que é o estilo com maior expressão na cena pop atual. Mas, algures entre a procura de identidade do género em cima de um palco e a falta de identificação do público com alguns destes artistas, salta à cabeça aquela expressão de Game of Thrones. Cada vez que há um concerto de hip-hop em Portugal, os deuses atiram uma moeda ao ar. Não deixa de ter alguma graça que o Hipódromo Manuel Possolo, também em Cascais, tenha sido palco de, pelo menos, dois concertos no espaço de sete anos que foram uma espécie de viagem educativa pelo hip-hop e todas as raízes que o geraram.
Um deles foi o de Erykah Badu em 2012; agora foi a vez de Questlove, Black Thought e os restantes The Roots de partirem num medley que podia ser eterno à procura daquilo que os fez começar e o que os faz continuar. E se a memória já falha um bocado para recordar 2012 e o concerto de Erykah Badu, a primeira noite do EDP Cool Jazz vai ficar na memória por isso mesmo. Foi uma masterclass de história do hip-hop e de toda a música negra que o originou. Em momentos pareceu uma espécie de caminhada pela coleção de discos de Questlove, que já é coisa digna de lenda há pelo menos 10 anos.
Não foi uma atuação pensada para deixar o público a olhar para o alinhamento de temas, à espera de ouvir aquela que todos queriam. Foi mais uma junção de músicos (incríveis, todos) que convidaram os presentes a apreciar aquilo que os formou e continua a formar, de braços abertos. E aí passaram por Mobb Deep, Ol’ Dirty Bastard e Wu-Tang Clan, Lil Wayne, T.I. ou A Tribe Called Quest. Culminaram tudo isto num final feito de “The Seed (2.0)” misturado com “Move On Up”, de Curtis Mayfield, que hoje em dia também já se confunde com Kanye West e “Touch The Sky”, que também já passou pelo Cool Jazz em 2006. História, caramba. No meio disto tudo, aproveitaram para passar por “My Favorite Things”, porque ninguém duvida que o que tocaram são mesmo algumas das coisas favoritas dos The Roots.
Foi divertido, então. Divertido, mas educativo ao mesmo tempo, como se fosse dia de ver um filme em vez de ter uma aula a sério na escola. Os problemas técnicos deste primeiro dia de festival talvez não tenham ajudado a uma audiência, que estava bem composta mas não cheia, mais recetiva. A discografia dos The Roots está cheia de momentos incríveis que deixam saudade e não passaram pelo palco. Ainda assim, os The Roots são ótimos mestres de cerimónia. São a banda residente de Jimmy Fallon e do Tonight Show por isso mesmo. Era difícil encontrar melhor ponto de partida para um festival que ainda vai contar com nomes tão distintos como Kraftwerk, Tom Jones ou Jessie J.