Lana del Rey foi a estrela da primeira noite do Super Bock Super Rock, mas não concentrou as atenções todas em si. Cat Power, por exemplo, não vinha a Portugal desde 2015, quando tocou no Porto, no Hard Club, e em Lisboa, no Centro Cultural de Belém. Muita coisa aconteceu desde então. Além de ter sido mãe e de ter mudado de editora, Power, que não quis ser fotografada no Meco, lançou um novo disco (depois de um intervalo de seis anos) e mostrou  que continua a saber fazer bom indie rock. Esse Wanderer, lançado no ano passado, ocupou apenas uma pequena parte do alinhamento desta quinta-feira no Super Bock Super Rock, ainda que “Robyn Hood” tenha aparecido em segundo lugar. Temas antigos, como “Metal Heart”, foram os que mais brilharam num concerto onde não faltou sol.

Foi a Charlyn Marie Marshall (o nome verdadeiro desta norte-americana) que coube abrir o palco principal no primeiro dia de festival, quando ainda fazia muito calor e a Herdade do Cabeço da Flauta ainda estava a meio gás. A hora, 19h15, foi decididamente má. As canções melancólicas e sofridas de Power pedem noite e não o calor tórrido de uma tarde de verão. Também é questionável se Cat Power é um bom nome para um evento como o Super Bock Super Bock, ainda mais dada a transformação dos festivais de verão nos últimos anos em momentos descontraídos de lazer e convívio social que têm nos concertos uma banda sonora.

[O público e o ambiente do primeiro dia de Super Bock Super Rock:]

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Vestida de preto da cabeça aos pés — o que ainda lhe dava um ar mais melancólico —, a norte-americana parecia feita para subir ao palco de uma sala pequena e aconchegante e não ao de um grande festival. É isso que as suas canções e a sua voz pedem. Claro que nestas coisas existem sempre muitas condicionantes. E não é que Power tenha dado um mau concerto — muito pelo contrário —, mas o que é certo é que poderia ter tido outro encanto. Se nesta vinda a Portugal Cat Power tivesse regressado ao Hard Club ou ao Centro Cultural de Belém, teríamos todos sido mais felizes.

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O que ficou também a faltar foi a companhia de Lana Del Rey. Apesar de a cantora ter atuado também esta quinta-feira (era a grande cabeça de cartaz), não fez companhia a Cat Power no palco para cantar “Woman”, tema de Wanderer em que participou.

Super Bock Super Rock. Num primeiro dia morno, Lana Del Rey foi um consolo

Os falsetes e o groove na dança dos Jungle

Há qualquer coisa neles que convoca multidões: talvez sejam as batidas synth-pop (ou será soul eletrónica?) dançantes, os falsetes doces e constantes ou o ar de pandilha que sabe que tem uma missão a cumprir, a de agitar quem os ouve, e se esmera na tarefa. As novidades trazidas não eram grandes, até porque têm-se fartado de tocar em Portugal — só nos últimos doze meses atuaram em dois festivais, um a norte (Vodafone Paredes de Coura) e outro no centro (Super Bock em Stock, antigo Vodafone Mexefest) — mas havia uma horda de convencidos no Meco para pôr a dançar.

Londrinos, formados pelo duo Tom McFarland e Josh Lloyd-Watson mas com alguns elementos extra que levam para os concertos, os Jungle tiveram logo um início estrelado ao som de “Heavy, California”, seguramente uma das melhores canções que já gravaram numa carreira que engloba dois álbuns — um disco homónimo editado em 2014 e For Ever, lançado no ano passado. A festa fez-se logo na ponta inicial do concerto, com gente às cavalitas de amigos e amigas, braços no ar festivaleiros e purpurinas por cima de dentes brancos exibidos em sorrisos rasgados.

Os Jungle sabem que se na Europa têm muitos fiéis, Portugal será dos países com mais acólitos: dada a dimensão do país e o que se viu no último ano (três concertos em 12 meses é obra), apetece dizer que há por aí fãs de Jungle esquina sim, esquina não. Talvez por isso, as mensagens de carinho para Portugal e para Lisboa foram constantes ao longo do concerto, com deixas como “obrigado por nos receberem outra vez no vosso país”, “olhem para isto, está uma loucura”, “Lisboa! Ponham as mãos no ar, queremos ouvir-vos”, “façam barulho para vocês” e “divertimo-nos sempre neste país magnífico e fantástico”.

Em palco, fazem uma espécie de slow living aplicado à música, com alguma animação: sempre com o groove em mente, tocam baixinho valorizando a lição do velho funk, que ensinou que as notas que não se tocam são tão importantes como as que se ouvem. A voz serve para adoçar e acompanhar os ritmos dançantes, mas a base é mesmo um mantra de pop eletrónica que só aqui e ali acelera sem nunca fugir do controlo. Não há êxtase nem clímaxes constantes, há batidas que se repetem e prolongam sem cansar.

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Com o nome da banda a aparecer a certo ponto em neon rosa atrás dos músicos, com o grupo a enaltecer a t-shirt de um espectador e o céu “fucking trippy”, “algo psicadélico”, a que se assistia no pôr-do-sol, houve pedidos expressos, não apenas musicais, para que mexêssemos os pés. Todo o concerto é de uma eficácia evidente e, embora o tom das canções pareça repetir-se em excesso tema a tema, os fiéis não se importam e balançam ainda mais o corpo ao som de “Casio” e “Busy’ Earning”. Podem não ficar na história como figura de proa da música desta década, mas continuam a ser uma solução segura e eficiente para um promotor que queira ter gente a sair sorridente de um festival. Assim aconteceu também esta quinta-feira, no Meco.

De Praia a Lisboa, há um Dino D’Santiago de distância

Se no palco principal os Jungle foram opção eficaz a introduzir dança no Meco ao cair da tarde e início da noite, antes já Dino D’Santiago o fizera no palco secundário, entre o português e o crioulo cabo-verdiano. Começando quando Cat Power ainda tocava, o cantor nascido na Quarteira com ascendência de Cabo Verde surgiu em palco com uma t-shirt em que se lia “Não é Sonho Nenhum”. E arrancou com força, ao som de “Nova Lisboa”, single do seu álbum Mundu Nôbu (de 2018), que pretende retratar e celebrar os novos sons lusófonos que começaram a ganhar amplificação nos últimos anos em Lisboa, a partir das periferias coloridas da capital.

Sabendo da hora pouco adiantada para a dança que queria ver no público, Dino D’Santiago apresentou-se: “Olá família, sejam bem vindos. Quero que desfrutem deste momento como se fossem duas da manhã”. Conseguiu-o por mérito próprio: a relva instalada em frente ao palco secundária foi-se enchendo de pessoas ao longo do seu concerto, até a zona ficar repleta, graças à sua interpretação com cunho próprio (e batidas eletrónicas apuradas) de funaná e afro-pop.

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Atrás de si, Dino D’Santiago tinha três mulheres nos coros, percussão e acompanhamento instrumental eletrónico. Cada vez mais solto e confiante em palco, o cantor que tem uma longa relação de colaboração com o hip-hop português dançou, apresentou temas que já são êxitos para um público crescente de ouvintes como “Tudo Certo” (que gravou com o seu parceiro Branko), o mais sensual e lento, com influências de tarraxo e até kizomba, “Sô Bô” (para o qual teve, em palco, companhia de Pedro Mafama, que gravou com o DJ e produtor musical Pedro uma remistura para um novo EP que recria as canções do disco de Dino D’Santiago) ou “Como Seria”.

Houve ainda espaço para temas novos, que soam promissores, mas o que impressionou foi mesmo a capacidade do cantor em oscilar ritmos sem perder o controlo sobre um público que se mexeu do início ao fim. Feliz com o impacto crescente da sua música, Dino, que já ganhou projeção internacional com os elogios de Madonna, confirmou no Meco a dimensão nacional da sua música.: “Quando começámos a desenhar isto [tanto pode ser Mundu Nôbu como a sua nova proposta musical em geral], não esperávamos que tudo acontecesse tão rápido. Agradeço-vos por tudo”, chegou a dizer. Numa sequência feliz de alinhamento, se antes esteve Marlon Williams no mesmo palco, depois Branko prosseguiu a celebração da lusofonia tropical, colorida, festiva e noturna com os sons do seu disco Nosso — como já havia feito no NOS Primavera Sound, no mês passado.

Marlon Williams, cowboy sem chapéu, deu no Meco o melhor concerto que poucos viram

The 1975. Muito fumo, pouco fogo

Os The 1975 dizem com muito orgulho que são de Manchester, Inglaterra (o vocalista, Matthew Healy, fez questão de o dizer logo ao início do concerto), mas não tenhamos ilusões — o grupo não tem nada a ver com as bandas que tornaram a localidade famosa, como os Joy Division, The Smiths ou Oasis. O rock pop destes ingleses parece saído de um filme da Disney de domingo à tarde, daqueles passados numa escola secundária e com um amor que corre mal mas que no fim acaba por dar certo. Isto, se os filmes da Disney pensados para o público pré-adolescente tivessem vocalistas que fumam e que gostam de vinho tinto.

Apesar do concerto animado da noite desta quinta-feira, com muita luz, fumo, um duo de bailarinas e tudo a que uma banda tem direito, musicalmente os The 1975 não são assim tão interessantes. Não fazem nada que já não tivesse sido feito e não apresentam nada que já não se tenha visto num outro grupo idêntico. Ainda assim, é preciso dar-lhes o crédito pelos temas que dão vontade de dançar e que arrancam gritos ao público feminino. E dado o entusiasmo dos espectadores do Super Bock Super Rock, isso parece ser suficiente.

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Faltou chama aos Metronomy mas quem foi convencido, convencido ficou

Embora muito diferentes dos The 1975, com uma música com maior apelo indie, os Metronomy até podem ser colocados no mesmo campeonato: a pop que fazem é relativamente ligeira, saltitante, cantarolável, não aleija ninguém e até põe multidões a dançar, mas nem por isso é especialmente brilhante, arrojada ou revolucionária, bem longe disso.

Se em estúdio os Metronomy são uma banda com mais popularidade do que relevância, não maus mas assim-assim, ao vivo tudo se complica um pouco mais. Sem grande força, a música acaba por cair numa toada desenxabida de que não se salva nem com singles como “The Bay”, “The Look”, “Love Letters” ou com uma canção sobre gelado, “Salted Caramel Ice Cream” (porque “quem não gosta de gelado? Impossível”, explicavam eles). É tudo tocado sem grande inspiração nem fulgor, parece tudo demasiado certinho e bem-comportado, quase autómato, eles todos vestidos de igual de camisa azul e calças brancas.

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Falta chama. No plateia não se nota especialmente, há quem dance como se estivesse a ouvir a melhor banda do mundo ao vivo, com sinais de felicidade evidente. Mas mesmo muitos desses devotos que cantavam as letras e dançavam iam festejando Metronomy com algumas pausas para conversas no seu círculo próximo, ouvindo-se tiradas como “tens que idade? 29?! achava que tinhas a minha!”, “olha o Francisco! já te tinha mandado mensagem!”, “estou com pessoas, estamos aqui à frente!”, “bora Isabel!”, “eu só queria mesmo ouvir esta m… hoje!”, “estou aqui, estou de braço no ar!, estás-me a ver?” e “Joana!!!!!!!!”.