Rui Rio não recebe ninguém para falar sobre candidatos à Assembleia da República até dia 30, dia em que irá fechar as listas de deputados a horas do início do Conselho Nacional decisivo. Até lá, na São Caetano à Lapa passa-se tudo sob a chefia do secretário-geral do partido, onde se têm discutido mais problemas, às vezes aos gritos, do que propriamente respostas ou soluções. Certo é que, mesmo com o líder resguardado, para já, o clima no partido é de guerrilha, numa lógica que já fugiu de ‘críticos versus direção’ ou ‘montenegristas contra rioistas’: há problemas em várias distritais porque há nomes que a direção quer impor e outros que quer vetar.
As direções distritais foram entre terça e quarta-feira à sede do partido resolver os casos sensíveis e muitas já saíram com indicações mais ou menos definitivas. Braga saiu da reunião a dizer que Hugo Soares estava fora, Setúbal no dia anterior anunciou que Maria Luís não foi aceite. Por outro lado, Duarte Marques — que a direção quer impor na lista de Santarém — motivou uma discussão acesa entre o presidente da câmara de Santarém e o vice-presidente Nuno Morais Sarmento. Casos bicudos há muitos, e não são só as distritais que querem impor os seus nas listas. Também a direção nacional tem nomes que quer ver incluídos, obrigando por isso a saltar outros. É o caso do ex-secretário-geral Feliciano Barreiras Duarte, que Rio quer ver eleito por Leiria, mas a distrital não aprova; ou de João Montenegro, que era diretor de campanha de Santana Lopes nas diretas, mas que em janeiro esteve ao lado de Rio no duelo contra Luís Montenegro, e que agora pode conseguir uma recompensa ao entrar na lista de Viseu. Rio quer, a distrital ameaça demitir-se se for avante.
O xadrez é complexo e é preciso pesar as peças. Não podendo vencer todas as batalhas, a guerra que importa vencer é mesmo a do Conselho Nacional, onde as listas têm de ser aprovadas. Só aí é que Rui Rio vai aparecer com a palavra final, o que obriga a que o suspense e a negociação durem até à última. Por um voto se ganha, por um voto se perde.
O “padrinho” e os terrenos da família Morais Sarmento
A reunião mais dura foi mesmo a da distrital de Santarém. Na comitiva de João Moura, o líder distrital, seguiu o presidente da concelhia de Santarém e presidente da autarquia, Ricardo Gonçalves, que teve uma acesa discussão com Morais Sarmento. Os membros da direção explicavam que em terceiro lugar deveria seguir Duarte Marques e não a escolha da distrital, Ramiro Matos, antigo vereador da autarquia e militante do inner circle do autarca.
Ricardo Gonçalves disse que Duarte Marques estava a ser protegido porque Morais Sarmento era o seu “padrinho“. É conhecida no PSD, aliás, a relação de amizade entre o deputado do PSD e Morais Sarmento, de quem foi assessor no governo de Barroso. O vice-presidente do partido respondeu ao autarca, a quem chamou de “indigno”, lembrando-lhe que conhecia bem o distrito de Santarém. Na resposta, segundo apurou o Observador, Ricardo Gonçalves sugeriu a Morais Sarmento que fosse limpar os terrenos de família que tem na região para que o fogo não propague. A discussão azedou e teve de haver apelos à calma, no meio de gritos entre os dois lados da barricada.
Já na primeira reunião com a distrital, a direção tinha informado que ia haver uma indicação nacional para o terceiro lugar, mas não concretizou quem seria. Já havia suspeitas de que a hipótese mais provável fosse Duarte Marques e por isso é que Ricardo Gonçalves — que não faz parte da direção da distrital — foi até Lisboa. Chegou a correr, entre as estruturas do distrito, que Ricardo Gonçalves ameaçava entregar o cartão de militante (o que faria com que a câmara de Santarém deixasse de ser liderada pelo PSD) caso Duarte Marques substituísse Ramiro Matos. Contactado pelo Observador, o presidente da câmara de Santarém recusou-se a comentar a discussão com Morais Sarmento: “Só falo dia 30”.
Hugo Soares fora das listas, Carlos Eduardo Reis em sexto
A reunião com a distrital de Braga também não correu da melhor forma. Depois de uma primeira reunião onde foi transmitido pela distrital que o nome de Hugo Soares tinha sido aprovado por unanimidade, ficou agendada uma nova reunião para esta quarta-feira ao meio-dia. Segundo explicaram ao Observador fontes presentes na reunião, José Silvano terá iniciado a conversa a dizer que, por decisão do líder, ratificada pela comissão permanente, Hugo Soares estava fora das listas. Esse lugar, o segundo da lista por Braga, seria então ocupado por Firmino Marques, vice-presidente da autarquia. Próximo de Rui Rio, Firmino Marques foi convidado — à revelia da distrital e do próprio presidente da câmara de Braga — por Rui Rio para ocupar o lugar.
A direção comunicou que não tem nada a opor à primeira mulher que aparece na lista: Clara Marques Mendes, atual deputada e irmã do comentador político Luís Marques Mendes. Os membros da direção de Rio (na reunião estavam José Silvano, Paulo Mota Pinto e Morais Sarmento) comunicaram ainda à distrital de Braga que tinha de entrar em sexto lugar Carlos Eduardo Reis. O antigo líder da JSD/Braga encabeçou uma lista no último congresso que conta com 13 conselheiros. São treze votos que podem contar para a aprovação das listas de deputados, que irá decorrer no Conselho Nacional convocado para o próximo dia 30, em Mesão Frio, Guimarães. Carlos Eduardo Reis terá sido fundamental para a vitória de Rio na famosa batalha do impeachment.
Entretanto, Hugo Soares convocou de emergência uma reunião da concelhia de Braga para decidir a forma de reagir. O vice-presidente da distrital, João Granja — que tinha sido a segunda indicação da concelhia, caso Hugo Soares não fosse aceite — também estará a ponderar se mantém o cargo de diretor distrital da campanha das legislativas.
Direção quer impor Feliciano e Montenegro. Viseu ameaça com demissões
Rui Rio tem também problemas em Viseu e Leiria. Não por nomes que queira vetar, mas por nomes que a direção quer integrar em lugar elegível. A reunião com a distrital de Viseu, também realizada esta quarta-feira, foi igualmente tensa. Pedro Alves, líder distrital e atual deputado, terá mesmo ameaçado que se demitia de líder distrital e abandonava o lugar na lista (está em segundo) caso a nacional quisesse impor João Montenegro, um ex-passista que apoiou Santana Lopes e que no “golpe de estado” de Luís Montenegro se passou para o lado de Rio, no quarto lugar. O Observador tentou contactar Pedro Alves, sem sucesso.
Os nomes indicados pela distrital são Fernando Ruas, em primeiro, Pedro Alves, em segundo, Carla Antunes (do PSD/Tondela), em terceiro, e António Lima Costa, em quarto. A direção de Rio preferia que Inês Domingos fosse em terceiro, mas, mais importante do que isso, que João Montenegro fosse em quarto. Já a distrital avisou o líder: se João Montenegro for na lista, vai haver demissões.
Em Leiria, a distrital também está contra a indicação do nome de Feliciano Barreiras Duarte. Mas Rui Rio e Nuno Morais Sarmento — que é amigo próximo do antigo secretário-geral de Rio — insistem em colocar Feliciano na lista. O assunto está longe de estar resolvido. Provavelmente, sobre estes dois casos só haverá novidades na terça-feira, a poucas horas do Conselho Nacional.
Já em Coimbra a situação está mais pacífica. Mónica Quintela será a cabeça de lista, Maló de Abreu (amigo de Rio) deverá ir em segundo lugar e o maior problema é que a direção prefere que seja Fátima Ramos a seguir em terceiro. Já a distrital exige que seja Paulo Leitão, líder distrital que sucedeu ao crítico Maurício Marques. Mas o caso não é dos mais graves.
No Porto, as escolhas da distrital estão a ser empurradas para baixo na lista, devido aos nomes indicados pela nacional e devido àquilo que alguns dirigentes do Porto chamam os “amigos de Rio”. Além do cabeça de lista (Hugo Carvalho), nos lugares cimeiros vão necessariamente Rui Rio e as suas indicações, que passam por nomes como Vladimir Feliz, Hugo Carneiro ou Catarina Rocha Ferreira. Nos lugares cimeiros terá de ir ainda a indicação da JSD (Sofia Matos, secretária-geral da “jota”) e a indicação dos TSD (Carla Barros). Ora, isto remete os nomes da distrital (o presidente Alberto Machado, Cancela Moura e outros membros da distrital) para lugares mais abaixo.
Em Aveiro, Salvador Malheiro terá sido, sem surpresas, o grande decisor dos cinco primeiros nomes. O primeiro, já se sabe, é Ana Miguel Santos — escolha de Rio. O segundo, António Topa. Em terceiro, a dúvida era se seria ocupado pelo presidente da concelhia de Aveiro, Vítor Martins, ou pelo secretário-geral-adjunto, Bruno Coimbra. Um deles terá de ir em quinto, sendo o quarto lugar ocupado por Helga Correia.
Numa altura em que a previsão é a de que o PSD encolha em quase todos os distritos, em particular nos grandes centros urbanos, as distritais andam de cabelos em pé e assim deverão continuar até ao dia final: 30 de julho.