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Os vencedores

Rui Rio

Rui Rio pode ser, pela forma como não soube gerir as sensibilidades do partido, responsável por muitos dos problemas internos. Comprou guerras que fogem da lógica de unidade, como processar autarcas do próprio partido ou nomear para a sua direção personas non gratas das bases laranjas, como é caso de Elina Fraga. Mas desta vez, não foi ele a deitar gasolina na fogueira. Talvez nem os próprios críticos acreditem quando dizem que a declaração de Ferreira Leite foi o rastilho que incendiou o PSD. Rio viu-se a braços com uma tentativa de derrube por via do Conselho Nacional e usou os trunfos que tinha mão: retirou tempo aos críticos, escolheu o local e uma hora favorável, fez as contas antes de avançar e agarrou os seus. Salvador Malheiro — herdeiro da herança de Relvas e Marco António no controlo do aparelho — deu uma ajuda preciosa no contacto com as estruturas.

Podem sempre ser-lhe atribuídas culpas por não ter conseguido unir o partido (era obrigatório que o fizesse após o Congresso de 2018) e, com tudo isto, pode ter perdido intenções de voto que já não eram famosas. Mas derrotou Montenegro. Na tarde/noite de todas as decisões mostrou que também sabe ter Maquiavel à cabeceira, se assim as circunstâncias o exigirem. Quando o ameaçaram com uma moção de censura, antecipou-se com uma moção de confiança. Quando o desafiaram para diretas, escolheu campo e bola e marcou um Conselho Nacional. Quando o acusavam de preparar golpe ao impedir o voto secreto, pediu ele mesmo aos conselheiros para aprovarem essa forma de votação – quando já sabia que o tabuleiro estava mais do que inclinado para o seu lado. Rio, tal como tinha acontecido na câmara do Porto, cresce quando tem inimigos que o afrontam. Neste caso agigantou-se e ganhou um Conselho Nacional difícil por 75-50. Sai reforçado no partido e é, para já, um claro vencedor. Falta saber que impacto teve este episódio junto dos eleitores. Mas Rio também garante que costuma dar-se melhor em eleições reais do que em sondagens.

Salvador Malheiro

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Não será um orador brilhante, como se voltou a ver no Conselho Nacional, mas tem provado ser eficaz no trabalho de formiga que se exige a um homem do aparelho. É dele o cinto de campeão do aparelho laranja, destronando Miguel Relvas ou mesmo Marco António, que mostram já não ter a força de outros tempos. É hoje um vice-presidente mais forte do que era no Congresso do PSD em 2018. Rio deve-lhe, provavelmente, a continuidade à frente do partido.

Paulo Rangel

À partida, a turbulência prometia não ser boa para Paulo Rangel. Antes de tudo isto, era o favorito a encabeçar a lista às Europeias de maio e tinha a vantagem de ser uma escolha pacífica tanto para os rioistas como para o passismo-sem-Passos. O “golpe de Estado”, como lhe chamam os apoiantes de Rio, colocou-o em risco de perder força e estatuto e obrigou Rangel a escolher um lado.

O eurodeputado escolheu ficar com Rui Rio, por princípio como sempre disse, mas também percebendo que é dessa ala do partido que virão as suas tropas caso um dia avance como candidato à liderança. É lá, do lado dos barões, dos antigos ferreiristas, da herança de Miguel Veiga, que Rangel se sente melhor. Não teve o rasgo de marcar o dia como tão bem sabe fazer com declarações fortes e mal se deu por ele no Conselho Nacional. Ainda assim, com a aprovação da moção de confiança teve uma vitória dupla: Rio tem menos margem para não o escolher como cabeça de lista às Europeias e Montenegro, o seu maior adversário no pós-Rio, saiu derrotado.

Os vencidos

Luís Montenegro

Luís Montenegro apresenta a sua candidatura à liderança do PSD, no CCB. 11 de janeiro e 2019. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Não fez all in, mas perdeu tudo o que tinha. Quando menos se esperava, Luís Montenegro saiu da toca e foi a jogo. Podia tê-lo feito no final de 2017, quando a sucessão de Passos se colocou, mas preferiu esperar. Agora, acusam-no de ter tido falta de coragem. Não queria fazer a travessia do deserto numa altura em que o governo de António Costa estava a passar por uma fase positiva. A ideia — subentendida — seria esperar pelas eleições de 2019, ver que resultado o PSD conseguiria nas legislativas e, em função disso, avançar com uma candidatura no ciclo seguinte. A forte pressão de uma certa ala social-democrata para interromper o ciclo de Rio, que, no seu entender, está a conduzir o PSD a um posto de irrelevância no quadro político nacional, terá feito com que avançasse de forma mais ou menos inesperada. Fê-lo passando a batata-quente a Rui Rio: desafiou-o a ter a “coragem” de convocar eleições diretas para “clarificar” de uma vez se o partido apoia a estratégia política de Rio ou não.

Uma vez que Rio não convocou diretas, Montenegro podia ter avançado com uma moção de censura, a chamada “bomba atómica”, que, caso fosse aprovada, destituiria a comissão política nacional. Mas não o fez — não fez o all in. Rio antecipou-se e apresentou ele próprio uma moção de confiança para tirar as teimas: não seria o partido todo a decidir (todos os militantes podem votar em diretas), como Montenegro queria, mas seriam apenas os conselheiros nacionais (que são pouco mais de 130) a decidir se confiavam, ou não, no atual líder.

O surpreendente é que parece agora que Montenegro estava a fazer bluff. Não tinha trunfos suficientes para ganhar a batalha, ou não a preparou convenientemente. Dá a ideia de que não antecipou cenários alternativos, foi arrastado para um Conselho Nacional que não dominava, e o seu grupo agarrou-se a uma questão (a do voto secreto) que só tornou mais pesada a derrota porque foi precisamente por essa via que Rio ganhou destacado. Montenegro, que não tem assento no Conselho Nacional, sai indiscutivelmente derrotado.

Há quem diga que esta foi uma jogada para se posicionar para o pós-legislativas e que servirá para Montenegro dizer que, ao contrário de outros, teve a coragem de chegar à frente. Ou, se o PSD se estatelar nas urnas, poderá dizer “eu avisei”. Por outro lado, os seus futuros adversários também não terão pudor de usar outro argumento: o do golpista. Que perdeu.

Hugo Soares

Foi o Montenegro possível. Assumiu-se desde logo como braço direito — e quase assessor de comunicação — de Luís Montenegro assim que este se atirou aos lobos. Foi praticamente o único político que apareceu na sala do CCB onde o challenger lançou o desafio a Rui Rio. Já era conhecida a boa relação entre os dois, tendo Hugo Soares sido o natural sucessor de Luís Montenegro na liderança da bancada parlamentar, e tendo ele caído assim que Rui Rio chegou à liderança do partido. Com Montenegro ausente do Conselho Nacional (por não ter lugar), Hugo Soares foi os seus olhos, boca e ouvidos.

Acusado de estar a ser um dos rostos do movimento anti-Rio por saber que está, à partida, afastado das listas de deputados, Hugo Soares rejeitou sempre essa ideia e já disse, inclusive, que sairá “pelo próprio pé” do lugar de deputado. Mas esta derrota de Luís Montenegro é, por isso, também uma derrota de Hugo Soares.

O grupo dos seis ou sete 

Inicialmente eram cinco os presidentes de distritais que se reuniram numa “reunião secreta” no Parlamento para discutir um xeque ao Rui. Chamando os conspiradores pelos nomes, os primeiros seis rebeldes conhecidos eram o presidente da distrital de Lisboa, Pedro Pinto ( presidente da distrital de Lisboa), Bruno Vitorino (Setúbal) Maurício Marques (Coimbra), Manuel Frexes (Castelo Branco), Pedro Alves (Viseu) e João Moura (Santarém).

Uma semana depois o grupo voltou a reunir-se, mas já com uma baixa: Moura saltou fora e disse ter sido alvo de fake news, de um mal-entendido. Mas entrou um reforço: Carlos Morais Vieira, presidente da distrital de Viana do Castelo. Pedro Pinto desdobrou-se em contactos, Pedro Alves também, mas perderam o Conselho Nacional. No fim do dia, o grupo sai muito mal da fotografia. Para os apoiantes de Rio estes “conspiradores” são vistos como traidores e, como perderam a batalha, nem sequer vão ficar com os despojos de guerra. Podem até estar bem posicionados se houver um montenegrismo no futuro, mas para já saem derrotados da jogada. E, salvo uma ou outra exceção, podem ter perdido um lugar de deputado nas próximas listas.

Miguel Relvas

É hoje um homem de negócios que anda há muito afastado do partido, mas sem nunca se afastar realmente. Já não tem a força no aparelho que tinha nos tempos de Passos Coelho ou a que manteve (num jogo de forças com Marco António) após sair do Governo, mas continua a ter peso. Numa leitura simplista, lançou Pinto Luz, mas, na hora da verdade, apostou em Luís Montenegro. Para o exterior, Relvas pode ser visto como um ativo tóxico, mas no partido ainda vale espingardas e uns quantos batalhões. Desta vez, até deu a cara para contestar Rio e — quer publicamente, quer nos bastidores — jogou a favor de Montenegro. Rio continua líder, ao contrário do que desejava, sendo por isso um dos derrotados da noite em representação de todas as figuras do PSD que vieram a público colocar-se ao lado do ex-líder da bancada parlamentar.