A política de gestão da floresta, desde os incêndios de 2017, tem sido “um desastre”, em que “o ónus cai todo em cima dos proprietários”, afirmou nesta quarta-feira o professor catedrático do Instituto Superior Técnico (IST) Clemente Vicente Nunes.
“O país está pior, muito pior, porque a estrutura fundiária e a capacidade dos proprietários foi reduzida. Mais do que isso, as políticas feitas pelo Governo só prejudicaram a vida dos pequenos proprietários envelhecidos e descapitalizados do Pinhal Interior”, avançou o docente do IST da Universidade de Lisboa, que leciona disciplinas como “Biocombustíveis”, “Valorização Energética de Resíduos” e “Combustíveis Alternativos”.
Em declarações à agência Lusa, Clemente Vicente Nunes criticou o “massacre” aos proprietários agroflorestais, “com normas absolutamente absurdas, fazendo com que as pessoas tivessem que fazer limpezas excessivas dos terrenos logo em março”, quando as ações de limpeza devem ser feitas ao longo de todo o ano.
“É o massacre das populações do minifúndio do Pinhal Interior que está a promover, cada vez mais, uma desertificação e uma falta de qualidade na gestão destes territórios”, apontou.
Como proprietário agroflorestal e “conhecedor bastante intenso” da zona do minifúndio do Pinhal Interior, que voltou este ano a ser afetada pelos incêndios, designadamente nos concelhos da Sertã e de Vila de Rei, no distrito de Castelo Branco, o docente do IST defendeu que o Governo devia ter assumido como principais prioridades o agravamento das penas pelo crime de fogo posto e a aposta num sistema de gestão da biomassa.
“Para já, o que o Governo devia fazer, imediatamente, era tomar medidas para agravar as penas dos incendiários“, com objetivo de, pelo menos, ter um grau de dissuasão, propôs o especialista na área de valorização energética de resíduos, considerando “absolutamente inconcebível” que as pessoas condenadas em tribunal pelo crime de fogo posto possam sair em liberdade, com a aplicação de pena suspensa.
Neste âmbito, Clemente Vicente Nunes fez uma alusão ao incêndio na Sertã, que deflagrou no sábado, em que “há fortíssimas suspeitas” de origem criminosa.
Relativamente à gestão da biomassa, o professor catedrático do IST sugeriu a implementação de um sistema de recolha de biomassa sobrante, principalmente nos concelhos com alta densidade florestal.
“Se há excesso de material combustível, nomeadamente nas atividades agroflorestais, ele tem que ser devidamente retirado e organizado, com pontos em cada concelho onde as pessoas saibam que podem colocar os produtos, e estimulando que esses produtos sejam utilizados, nomeadamente em centrais de biomassa e em outras caldeiras onde se possa queimar durante todo o ano de forma segura“, indicou o especialista, defendendo que a gestão da biomassa tem que ser feita e coordenada a nível de políticas públicas, mas o que se fez “foi ameaçar os proprietários, de uma forma irracional”, com a obrigatoriedade da limpeza de terrenos e a aplicação de coimas por incumprimento.
Sobre a reforma da floresta do atual Governo, o docente referiu que o impacto no terreno é “zero”, uma vez que as ajudas aos proprietários agroflorestais, em termos de incentivos a uma gestão racional do terreno, são “inexistentes”.
“Os municípios o que devem fazer é organizar e facilitar a vida dos proprietários e dos microproprietários do minifúndio do Pinhal Interior, e é isso que não estão a fazer, porque o Estado não tem feito nada para os ajudar”, acrescentou.
Em termos de previsões de incêndios para este ano, Clemente Vicente Nunes destacou a necessidade de uma vigilância florestal “extremamente presente”, defendendo que “isso é o que pode fazer reduzir a hipótese de haver outra catástrofe este verão”.
Vários incêndios deflagraram no distrito de Castelo Branco ao início da tarde de sábado. Dois com origem na Sertã e um em Vila de Rei assumiram maiores dimensões, tendo este último alastrado, ainda no sábado, ao concelho de Mação, distrito de Santarém, tendo sido dominado na terça-feira.