Três treinos por dia, entre piscina, ginásio e ar livre. De segunda a sábado, 18 sessões. E domingo de manhã ainda há qualquer coisa para trabalhar antes do descanso que é mais parte de um plano do que propriamente uma necessidade. Esta é a rotina de muitos nadadores americanos (e não só) antes de grandes competições internacionais como Jogos Olímpicos e Mundiais. Foi assim, por exemplo, que Michael Phelps ascendeu a um dos melhores de sempre. Na natação, no desporto em geral. Depois, há uma outra parte que faz toda a diferença e que muitas vezes não se consegue controlar. Como aconteceu com Katie Ledecky.

Hoje, a sétima medalha; amanhã, o teste de álgebra. O maravilhoso mundo do novo Phelps, Caeleb Dressel

Em condições normais, a americana tinha voltado a sair dos Mundiais de natação, em Gwuanju, com quatro medalhas de ouro e mais uma página de currículo a justificar a alcunha de “Phelps feminina”. Por estar doente, não foi isso que se passou: depois da prata na final dos 400 metros livres, onde perdeu com a jovem australiana Ariarne Titmus, a americana de 22 anos desistiu das eliminatórias dos 200 metros livres, falhou a final dos 1.500 metros e limitou-se a guardar forças para procurar o único ouro da edição de 2019, nos 800 metros livres. Conseguiu, à frente de Simona Quadarella e Titmus, mas soube a pouco. Saiu desiludida. Ao contrário de Caeleb Dressel, a grande referência dos Estados Unidos no setor masculino.

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Depois das sete medalhas de ouro em 2017 que igualaram o registo de Michael Phelps, com essa curiosidade de, no dia seguinte ao feito em Budapeste, ter feito via internet um exame de álgebra para a faculdade, o nadador de 22 anos quis mais e teve este sábado o ponto alto dessa conquista ao ganhar três medalhas de ouro em apenas 97 minutos: os 50 metros livres às 20h10, os 100 metros mariposa às 20h45 e os 4×100 metros livres mistos às 21h47 e logo com recorde do mundo, numa estafeta onde estiveram também presentes Zach Apple, Mallory Comerford e Simone Manuel. Ao todo, Dressel levava seis ouros e uma prata, nos 4×100 metros estilos mistos, onde a Austrália de Mitch Larkin, Matthew Wilson, Emma McKeon e Cate Campbell foi melhor. Faltava a estafeta dos 4×100 metros estilos para o nadador conseguir bater o recorde de medalhas num só Mundial.

Este domingo, a oitava medalha chegou. Foi de prata e não de ouro, graças à fantástica exibição da equipa da Grã-Bretanha, mas Dressel chegou ao recorde de pódios numa só edição (superando o registo de Matt Biondi em 1986, Michael Klim em 1998, Michael Phelps em 2007 e do próprio em 2017) agarrando na estafeta no quarto lugar e deixando a equipa… na primeira posição.

Caeleb Dressel nunca foi propriamente daqueles atletas que desde pequeno sonhou com grandes feitos na natação. Aliás, os pais tiveram mesmo de colocá-lo no futebol porque queriam que praticasse um desporto e as piscinas não puxavam o suficiente. Mais tarde, entre o secundário e a universidade, voltou a parar a carreira na natação. O americano cresceu e viveu no meio de uma família numerosa mas era um miúdo introvertido, muitas vezes à procura de um mundo onde estivesse apenas ele e só ele. Na escola, conheceu alguém que o acompanhou nesse mundo. Que se tornou uma espécie de mentora. Que lhe mostrou a ordem onde se via caos. E ainda hoje Claire McCool, professora de matemática, é recordada por Caeleb.

A bandana que Caeleb Dressel leva para todas as provas e que fez questão de mostrar também nos pódios (Quinn Rooney/Getty Images)

Sempre que chega a uma piscina para qualquer prova ou competição, o nadador leva consigo uma bandana azul clara. Ou vai na cabeça, ou leva na mão. Enquanto tira o fato de treino e os ténis, anda sempre consigo. Depois, cheira-a, beija-a e arruma. Está pronto para partir para a glória. “Não há nada que tenha maior significado para mim do que aquela bandana. Vi-a no leito da morte. Era ainda a mulher mais forte que alguma vez conhecia. Está comigo em todas as provas e vai estar até ao final da minha carreira”, explicou sobre a ligação ao objeto que lhe foi entregue pelo marido de Claire depois da sua morte, em novembro de 2017, após uma luta de dois anos contra um cancro na mama. “Não foi nada fácil. Mas também não quero nada que seja fácil”, comentou após os três ouros em 97 minutos. E sempre com a sua maior inspiração de todas, que o levou às lágrimas nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, quando ganhou o ouro uns meses depois de ter sabido da doença.

Caeleb Dressel tem condições físicas que o tornam habilitado para ser melhor do que os outros e parece ter ganho até mais alguma massa muscular que aumentou de forma ligeira o peso para 90 quilos e 1,91 metros. Ao trabalho, juntou um especial cuidado com tudo o que eram pormenores que lhe permitissem baixar os tempos referência, com especial enfoque na partida e na “explosão” em cada braçada, uma das duas imagens de marca – o que possibilitou que, entre outros registos em Gwangju, batesse o recorde mundial dos 100 metros mariposa que pertencia a Michael Phelps. Depois, há aquela bandana. E a influência de uma pessoa que mudou o mundo de Dressel, tanto como Dressel está a mudar o mundo da natação.