A guerra fria dos quinzenais estendeu-se ao debate entre o líder do PS e a líder do CDS. De um lado, António Costa, o defensor dos pobres e da classe média, mas também das contas públicas. Do outro, Assunção Cristas, defensora dos rendimentos das famílias e das empresas, a alertar os portugueses de centro e de direita para votarem sob pena de se arrependerem ao acordar no dia 7 de outubro com um parlamento com dois terços de partidos de esquerda. Cristas falou para a classe média e para as empresas e quis segurar o seu eleitorado, Costa falou para os mais desfavorecidos e para a classe média. Pelo meio apareceram o João e o Rui, mas o António fez de Mário.

Cristas alerta para riscos da esquerda maioritária, Costa faz de Centeno

Assunção Cristas foi direta ao ponto, a falar logo no início do debate para o eleitorado “de centro e de direita”, para alertar para uma “certa tendência de o país virar bastante à esquerda, o que é negativo”. E acabou como começou, com o mesmo apelo, desta vez de olhos postos na câmara: “Quero ser muito clara: para as pessoas do centro-direita que entendem que o jogo está feito e que o PS já ganhou e não vale a pena ir votar, quero dizer-lhes que podem acordar no dia 7 com um Parlamento dois terços à esquerda. E isso eu garanto que é o risco enorme para o país”.

Já António Costa quis tranquilizar os portugueses e dizer que é um garante da estabilidade do país, mesmo contra qualquer má conjuntura que aparece. E, para isso, atacou o programa do CDS. O líder do PS destacou que a descida de IRS e IRC que o CDS propõe é “aritmeticamente impossível de cumprir sem um brutal desequilíbrio das contas públicas”. E é Costa quem faz uma espécie de discurso do ‘diabo vem aí’ a pedir prudência: “Depois de tudo o que passámos, o que os portugueses não querem é uma proposta que nos arraste para uma a crise orçamental. E, por isso, os seus desejos para o dia 7 de outubro são diferentes: que “os portugueses acordem no dia 7 de outubro tranquilos, sem terem receio que vamos entrar em aventuras de reduções fiscais, que não nos levem nem ao descontrolo das contas públicas, nem a um brutal aumento de impostos”.

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Cristas reitera descida de impostos, Costa desfaz as contas de Cristas

Assunção Cristas voltou a conseguir impor no discurso as suas principais prioridades: baixar impostos, baixar impostos, baixar impostos. A líder do CDS acusou Costa de ter “a maior carga fiscal de sempre” e lembrou que o atual governo PS atingiu os 35,4%, quando o governo que PSD/CDS apenas chegou aos 34,4%.

Além disso, Cristas garantiu que os centristas são “muito mais ambiciosos” na redução da carga fiscal e que vão operar a “libertação das famílias da maior carga fiscal de sempre”.

Costa ripostou dizendo que, de acordo com o Programa de Estabilidade e Crescimento que o governo PSD/CDS entregou em Bruxelas em 2015, a carga fiscal prevista para os anos em que o PS esteve no Governo seria de 36,3%. Além disso, voltou a dizer que o aumento dos impostos se deu por um aumento do consumo (e do poder de compra dos portugueses) e não por um aumento dos impostos. E deu exemplos: “Descemos o IVA e a receita do IVA aumentou”.

Cristas lembrou depois o Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos como exemplo de como os impostos indiretos penalizaram todos, incluindo “famílias que não têm outras opções de transporte”. Costa defendeu-se com o ambiente: “Assunção Cristas quer baixar impostos sobre os combustíveis fósseis, que queremos reduzir”.

A líder do CDS teve, no entanto, o condão de obrigar Costa a fazer uma promessa que o vincula para a próxima legislatura se continuar a ser primeiro-ministro: “Não vai haver aumento de impostos nos próximos anos. Vamos reduzir impostos sobre trabalho.”

O primeiro-ministro prometeu ainda “trabalhar para aumentar o numero de escalões do IRS” e disse à classe média que será a sua vez de beneficiar de um alívio fiscal: “Fizemos uma redução que beneficiou os rendimentos mais baixos, vamos agora a pensar na classe média.” E insistiu que o seu governo reduziu a carga fiscal “de toda a gente” depois de todos terem sofrido um “brutal aumento de impostos”.

Ainda nas contas, Costa disse que a redução de IRS e IRC proposta por Cristas em 2023 significaria 5200 milhões de euros de quebra de receita. O CDS propõe pagar a redução do IRS com 60% do excedente orçamental. Costa diz que o excedente previsto é de 0,7% em 2023, o que corresponde a 1600 milhões de euros. Esses 60% do excedente, garante o primeiro-ministro, corresponde apenas a “961 milhões de euros, o que não cobre nem um quinto da redução fiscal que propõe”, nem “paga sequer metade do que diz que baixariam o IRS, 2253 milhões, muito menos os 3 mil milhões de euros da redução do IRC.”

Ora, isso significaria, segundo as contas do primeiro-ministro, “um aumento do défice em mais de quatro mil milhões de euros”. A líder do CDS, mesmo sem apresentar contas, disse que as contas centristas seguiram apenas o cenário macroeconómico traçado pelo governo e que está tudo “clarinho como água”.

O “enorme fosso” na ideologia. Do João até ao Rui. Da casa à universidade

Se Cristas tentou puxar o debate para o lado ideológico, Costa não o negou. E entrou ao ataque com “três exemplos do programa do CDS” que considera que marcam o “enorme fosso” entre o programa dos dois partidos. Numa espécie de movimento Robin dos Bosques invertido, o líder socialista tentou colar Assunção Cristas a alguém que tira aos ricos para dar aos pobres. E enumerou: “O CDS propõe que quem não tem notas para entrar na universidade pode comprar o lugar na universidade, pagando. Como se o dinheiro pagasse tudo; Na habitação, defende que no centro das preocupações não deve estar o direito à habitação, mas na defesa do direito à propriedade; e depois quer recuperar o quociente familiar (…) que faz com que quanto mais rica é a família, mais deduz.”

Começando pela universidade, Cristas respondeu com um exemplo prático. Lembrou que a média mais elevada de entrada no Ensino Superior foi de 18,88 valores em engenharia aeroespacial. “Ora se o Rui teve 18,6 e não ficou, tem duas opções: ou espera um ano e faz melhorias de nota ou opta por ir para Madrid, ir fazer aeroespacial, pagando uma propina especial em Madrid, quando podia ocupar uma vaga criada por uma universidade portuguesa”. Costa acusou então Cristas de estar a “subverter critérios” e de em vez de defender o Rui, estar a dizer “ao João, que teve 18,8, que podia ter 17 já que desde que tivesse dinheiro podia pagar para entrar”.

Na habitação, Costa voltou a atirar a Lei das Rendas contra Cristas, como fez várias vezes no Parlamento ao longo da legislatura. Cristas disse estar orgulhosa de ter “feito uma  lei equilibrada, que permitiu a reabilitação de Lisboa e Porto como nunca tinha acontecido”. E contra-atacou: “Eu espanto-me que António Costa traga esse exemplo quando a Câmara liderada pelo PS que é a de Lisboa, vendeu os terrenos da feira popular para escritórios e habitação de luxo quando poderia ter utilizado esses mesmos terrenos para mil apartamentos para a classe média”.

Quanto ao quociente familiar, Costa acusou Cristas de estar a favorecer as famílias com mais posses, que podiam assim receber 505 euros, contra os 14 euros de uma família pobre. E atirou: “As crianças valem todas o mesmo.” Já Cristas deu o exemplo de França onde o mesmo sistema existe “há décadas” quer o governo seja de esquerda ou de direita, respondeu que “as crianças não valem dinheiro” e que o dinheiro “dos pais pertence aos pais, não pertence ao Estado”.