Uma perita das Nações Unidas defendeu esta quarta-feira que Macau pode ser um exemplo a nível regional na redução de danos associados ao consumo de drogas, como também na prevenção do uso de estupefacientes.
Karen Peters elogiou o programa de distribuição e recolha de seringas em Macau, uma política que a China e vários países asiáticos veem ainda como “um encorajamento ao uso de drogas”.
“Quando este programa é administrado de forma correta, existem benefícios para a sociedade como um todo”. Em Macau, por exemplo, há quatro anos que não são registadas novas infeções por VIH entre consumidores, salientou, em declarações aos jornalistas.
Na Universidade de São José para uma ação de formação sobre prevenção, a convite da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau (ARTM), Karen Peters integra a representação no Sudeste Asiático e Pacífico da Agência para os Assuntos de Droga e de Crime das Nações Unidas (UNODC).
Para a perita da ONU, é também positivo que o controlo de drogas esteja, em Macau, a cargo do Instituto de Ação Social (IAS) e não sob a tutela da Segurança, um “cenário que é mais comum” na Ásia.
“Há uma enorme diferença em tratar [o consumo] de drogas a partir de uma perspetiva social ou de uma perspetiva de segurança pública”, sublinhou, acrescentando que uma política mais humanizada em Macau facilita o contacto com a ONU.
No entanto, para que Macau se destaque ainda mais a nível regional, Peters encorajou as autoridades a implementar programas de prevenção que já se tenham mostrado eficazes noutros países, que possam ser aplicados “à realidade” do território.
“Há uma ciência por detrás da prevenção”, reforçou. “Não estou a dizer que o modelo em Macau é mau. Acho apenas que há uma oportunidade para Macau se afirmar a nível regional”.
Apesar de destacar Portugal como um caso de sucesso no âmbito da descriminalização da posse e do consumo de drogas, uma política defendida pela agência, Karen Peters destacou a importância de aplicar modelos adaptados a cada região.
“Temos de olhar para as especificidades de cada região. Quando promovemos um modelo, temos de promover um modelo que de facto seja funcional naquele país. Temos de olhar para os diferentes sistemas legais, mas a prisão nunca ajuda”, disse.
Macau estuda alternativas à prisão por consumo de drogas
O presidente da Associação de Reabilitação dos Toxicodependentes de Macau (ARTM) considerou esta quarta-feira que o território está no bom caminho para encontrar alternativas à prisão para consumidores, apesar de não estar em debate a descriminalização.
“Há uma proposta em cima da mesa entre as ONG [organizações não-governamentais] e o Instituto de Ação Social (IAS) que prevê alternativas ao encarceramento. Até agora, o feedback tem sido positivo”, afirmou Augusto Nogueira, salientando: “acho que estamos a caminhar numa boa direção”.
O responsável falava à margem de uma ação de formação sobre a prevenção do consumo de drogas na Universidade de São José, promovida pela ARTM e com a participação de uma perita da Agência para os Assuntos de Droga e de Crime das Nações Unidas (UNODC).
Macau está a começar a analisar a possibilidade de encontrar soluções ao encarceramento. Não estamos a discutir a descriminalização, mas alternativas como tratamentos, trabalho comunitário, aconselhamento, entre outras”, disse.
Desde 2009, a lei prevê, em alguns casos, a suspensão da pena de prisão a quem se sujeitar voluntariamente a tratamento ou a internamento. O que devia ser “mais recorrente e não depender de um juiz”, apontou o presidente da ARTM.
Em declarações à Lusa, o presidente da ARTM, que lidera a associação com quase duas décadas e que opera em diversas frentes, contando com centros ou unidades de tratamento, além de um programa de distribuição e recolha de seringas, foi categórico: “nenhum consumidor deveria para a prisão. Devem-se encontrar alternativas. Ir para a prisão não resolve nada. Esta é a posição da associação”.
“Fizemos um estudo entre as pessoas que estavam internadas no centro da ARTM e descobrimos que a maior parte tinha estado na prisão. A recaída é muito alta após a saída”, explicou Augusto Nogueira, que comparou o encarceramento “a uma ilha isolada”, no qual se confunde abstenção com tratamento.
Sobre a situação atual do consumo em Macau, o responsável disse existir um “aumento residual” no consumo de metafetaminas, em detrimento, por exemplo, da heroína, sublinhando que o consumo no território “está mais ou menos controlado”.
Sobre a atividade da associação, o dirigente da ARTM fez um balanço positivo, salientando as dificuldades que foram ultrapassadas até ao desenvolvimento de “toda uma estrutura”, que envolve atualmente cinco departamentos.
Augusto Nogueira destacou o programa de recolha e distribuição de seringas e o projeto “be cool”, que vai ganhar um novo espaço, sobretudo para trabalhos na área da prevenção. “Lá para março”, indicou.
Atualmente, a associação tem estado focada no aumento do consumo de droga entre pessoas mais velhas, e na procura de soluções para a sua reintegração na sociedade.
Já sobre o programa terapêutico, que agora é realizado no novo centro de Ka Hó, na ilha de Coloane, Augusto Nogueira deu conta de um bom trabalho ao nível da reinserção. “Faz parte do programa as pessoas procurarem trabalho antes de saírem. Desde que mudámos para o novo local, quase toda a gente sai com trabalho”, afirmou.
Questionado sobre a candidatura do chinês Andy Tsang à direção do UNODC, Augusto Nogueira reafirmou o apoio já manifestado publicamente, e sublinhou que “a China está a tentar mudar o seu sistema de tratamento para um sistema mais terapêutico e biopsicossocial”.
Tsang, atual diretor-adjunto da Comissão Nacional de Controlo de Narcóticos da China, era comissário da polícia de Hong Kong aquando do movimento Occupy Central, em 2014, conhecido como “o movimento dos guarda-chuvas”, e a nomeação motivou reações de indignação.
Numa petição que já reuniu 70 mil assinaturas, lê-se que Tsang “foi responsável pela brutal repressão policial durante o movimento. Há muitas provas de graves abusos de poder por parte da polícia ao lidar com manifestantes, jornalistas e até mesmo cidadãos”.
No entanto, o líder da associação relativizou a polémica.“Isto da ONU tem muito a ver com o poder financeiro que cada país pode dar à organização. O atual diretor-executivo da agência é um de um país [Rússia] que praticamente não faz nada para apoiar as pessoas [que consomem], onde o consumo de droga é penalizado com prisão, as pessoas são perseguidas”, disse.
“Tem mais a ver com os apoios financeiros, com os fundos da China (…) para pôr a máquina a funcionar”, afirmou.