Edzard Ernst, um alemão que divide a vida entre o Reino Unido e França, conhece bem os dois lados da barricada. Filho de médicos, seguiu os passos dos pais até ter encontrado o primeiro trabalho num hospital homeopático. Um dia, a resposta de um chefe não lhe caiu bem e inundou a mente do jovem médico de ainda mais questões. Mais de 700 artigos científicos depois, foi à conferência “O logro das chamadas terapias alternativas” organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos no Instituto Politécnico de Leiria colocar os pontos nos is: sim, há terapias alternativas que funcionam; mas não, nem todas são seguras.

Porque é que entrou no mundo das terapias alternativas?
A história começa na minha infância porque o médico da minha família era também homeopata. Eu sou da Alemanha e lá há muitos médicos que têm formação em pelo menos uma terapia alternativa — não é como aqui em Portugal. Por coincidência, ele era também nosso amigo. Então, quando eu era rapaz, a homeopatia era simplesmente medicina. Não me apercebia que havia uma diferença entre a medicina convencional e as terapias alternativas.

E foi com essa perceção que começou a estudar medicina?
Bem, durante o curso não aprendi muito sobre homeopatia, na verdade. Mas, quando acabei e estava à procura de um trabalho, por coincidência consegui um lugar num hospital homeopático. Era o único na Alemanha. E lá aprendi não só homeopatia, mas também outras terapias alternativas, como acupuntura. Depois disso, voltei à medicina convencional e, a seguir, tornei-me cientista.

O que é que o motivou a mudar de carreira?
A minha experiência no hospital homeopático não me saía da cabeça. Uma vez, perguntei ao meu chefe porque é que ele achava que as pessoas melhoravam com a homeopatia. Achava que ele ia responder algo como: “Ora, por causa dos nossos medicamentos!”. Em vez disso, respondeu: “Porque parámos com aquela medicina da treta com que ele entraram aqui”. Aquela resposta não me satisfez. Além disso, estava especialmente intrigado com o facto de algumas pessoas melhorarem mesmo quando lhes dávamos coisas que não tinham substâncias ativas.

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Edzard Ernst chegou a praticar homeopatia, mas descobriu que ela nem sempre funcionava e que trazia riscos indiretos para os doentes. Créditos: Francisco Gomes/Fundação Francisco Manuel dos Santos

Ainda assim, estava convencido de que a homeopatia funcionava.
Sim, pelo menos nessa fase da minha vida. Tinha a certeza absoluta de que o meu professor de farmacologia estava errado. Repetia para mim mesmo que os cientistas não podiam ter resposta para tudo. Mas depois aprendi a pensar como um cientista e vi que havia outras opções, que talvez os remédios da homeopatia não funcionassem e que os pacientes ficavam melhores por outras razões. Por isso, traduzi essa inquietude em perguntas de investigação.

E o que é que descobriu?
Ao longo de 25 anos, percebemos que há algumas terapias alternativas que realmente funcionam. É o caso dos remédios com ervas ou plantas como o alho, por exemplo. Não é surpreendente, porque as ervas contêm moléculas ativas e, na verdade, tradicionalmente, algumas das mais importantes poções são baseadas em plantas. Mas não só. Estou a falar também do mindfullness, terapia do riso, Pilates, alguns suplementos, massagens e técnica de Alexander. Há provas razoavelmente boas de que funcionam.

E as que não funcionam?
Bem, sobre essas percebemos duas coisas. A primeira é que algumas terapias alternativas não têm melhores resultados nos testes clínicos que um placebo. E essa é uma das explicações que justificam porque é que eu via pessoas a melhorarem com a homeopatia, que de facto não funciona.

Há outras?
Sim, muitas. É possível que seja a história natural da doença, ou seja, ela começa a passar e as coisas começam a melhorar sozinhas. Também se pode pensar num conceito estatístico que se chama regressão à média, segundo o qual, quando as doenças chegam a estados máximos de gravidade, têm tendência a regressar a estados mais estáveis. E depois, claro, é possível que a pessoa esteja, ao mesmo tempo, a fazer outros tratamentos ou a fazer outras medicações, como tomar uma aspirina, que atenue o mal estar — mas associa à homeopatia.

Quanto ao placebo, o que é que acontece exatamente?
É uma coisa que pode ser explicada com as mesmas experiências que o Pavlov fez. Ivan Pavlov estudou um processo chamado condicionamento clássico, segundo o qual os animais e as pessoas respondem com a mesma resposta ao mesmo estímulo. Nós tendemos a pensar: “Estou a tomar um medicamento, então vou melhorar”. Então ficamos com a sensação que estamos de facto a melhorar.

E é ético tratar um paciente com um efeito placebo?
É uma boa pergunta porque pouca gente pensa na vertente ética desta questão. Depende da situação. Normalmente, não é ético porque não se precisa de um placebo para ajudar um paciente. Se eu der uma aspirina a um paciente com dores de cabeça e o fizer com compaixão, compreensão e empatia, também estou a transmitir um efeito placebo, mas a aspirina funciona mesmo. Se der um remédio homeopático, estou a ajudar o paciente com um efeito placebo, mas nada mais, porque qualquer substância ativa de um produto homeopático está tão diluída que simplesmente não tem qualquer efeito positivo.

Segundo Edzard Ernst, algumas terapias parecem funcionar por causa do efeito placebo. Créditos: Francisco Gomes/Fundação Francisco Manuel dos Santos

Não há espaço para mentiras piedosas.
Não, porque estamos simplesmente a enganar o paciente. E se não estiver a mentir e acreditar realmente que o remédio tem efeito, não é ético à mesma porque não estou bem informado. O que se devia dizer eticamente é: “Tome isto. Não há nada aqui dentro. Os testes clínicos não provam que funciona. Mas tome à mesma”. O que ia responder a pessoa? Que não toma, claro. E isso, para os interesses dos homeopatas, não convém. Uma coisa é certa: se uma terapia não funciona, não pode ser uma alternativa; se uma terapia funciona, então é simplesmente medicina.

Há uma guerra entre os terapeutas da medicina alternativa e os médicos convencionais?
Há certamente uma tensão, que às vezes se acentua numa guerra. Mas depende de país para país. Na Alemanha, essa guerra é mais pacífica porque temos muitos médicos a praticar algumas terapias não convencionais. Não há a questão de uma disputa entre profissões. Em Inglaterra, a maior parte dos terapeutas alternativos não são médicos. E, claro, nesses casos a disputa torna-se mais agressiva.

Qual dos modelos é melhor?
Mais vale que seja um médico a praticar as terapias alternativas. Pensemos na acupuntura, que é uma terapia sem provas científicas que comprovem a sua eficácia. É preciso não esquecer que quem colocar uma agulha aqui [aponta para a região acima da axila] está a milímetros do pulmão. Normalmente, eles colocam duas agulhas, uma em cada lado. Se os dois lados perfurarem os pulmões, ou se está numa unidade de cuidados intensivos em cinco minutos ou morre-se. Por isso, mais vale que estas práticas sejam feitas por quem tem conhecimentos de anatomia e fisiologia.

Isso não significa que o devam fazer, certo?
Exatamente! Eu fico intrigado com aquilo que os médicos fazem e por que é que o fazem. Se calhar são só mesmo estúpidos por não ligarem nenhuma à provas científicas. Ou então não as entendem.

Estas terapias são tão ‘alternativas’ assim, agora que alguns hospitais pela Europa já as integram na sua oferta?
Acho que é uma questão de terminologia. Eu chamo-as “SCAM” [em tradução literal, burla]. Vem de So-Called Alternative Therapies [em tradução literal, As Chamadas Terapias Alternativas]. Estes termos generalistas são insignificantes. Devíamos realmente chamar acupuntura à acupuntura, homeopatia à homeopatia, quiroprática à quiroprática e por aí adiante.

Porque é que isso é importante?
Porque as terapias alternativas são todas diferentes e só partilham entre si o facto de não se incorporarem na medicina convencional. Mas é o mesmo com a terapia convencional! Também nos podemos questionar sobre se a medicina convencional é boa ou má. E, tal como nas terapias alternativas, depende de que terapêuticas estamos a falar.

Mesmo que não usemos essas SCAM exclusivamente, é pelo menos seguro usá-las com terapias convencionais?
Não. Uma pessoa vulgar pensa nas terapias alternativas como algo que é seguro na sua essência e é por isso que atraem tanta gente. É que os tratamentos convencionais têm efeitos secundários que podem ser perigosos. Isso é verdade, por isso é que as pessoas estão à procura de alguma coisa segura. E acham que encontram isso na homeopatia.

Para Edzard Ernst, todas as terapias alternativas são diferentes e devem ser analisadas à luz do que dizem os resultados científicos nos testes. Créditos: Francisco Gomes/Fundação Francisco Manuel dos Santos

O que é que ela tem de atraente?
Notamos que é muito escolhida por pais com crianças pequenas. A maior motivação de uma mãe ou de um pai que procura um homeopata é acreditar que a homeopatia é segura. É natural e, para as pessoas, as coisas naturais são as mais seguras. Esquecem-se dos furacões, dos vulcões e dos tsunamis, que também são naturais. São falácias.

Disse-me há pouco que os remédios de homeopatia são tão diluídos que não têm efeito positivo. Têm negativo?
Sim, têm. Imagine este cenário. Uma pessoa pode ir a um homeopata com sintomas de dores de cabeça, por exemplo. Um homeopata dá-lhe um remédio e, talvez por causa do efeito placebo, a pessoa fica melhor. Pode fazer isso durante seis meses e a pessoa pode ficar sempre melhor. Mas se ela acabar por visitar um médico ao fim desse tempo, pode perceber que tem um cancro na cabeça, por exemplo. E, de repente, aquele paciente perdeu seis meses de uma luta que devia começar a ser travada de imediato. Há muitos casos assim — de terapeutas que sobrestimam aquilo que podem fazer e fazem um paciente perder um tempo valioso. Tempo que podia salvar a vida. São os riscos indiretos das terapias alternativas que, mesmo que não funcionem, também trazem consequências negativas.

Mas há outras que trazem mesmo riscos diretos.
Sim, como a acupuntura, de que falámos há pouco. Outro caso flagrante é o da manipulação do pescoço. Fazer estalar o pescoço, que é uma prática comum em algumas terapias alternativas, pode fazer com que uma artéria rebente. A pessoa sofre um acidente cardiovascular e morre. Há muitos casos assim. Ou seja, há, de facto, terapias alternativas que não trazem riscos diretos. Mas todas trazem riscos indiretos por causa da negligência.

Devemos manter uma mente aberta em relação a isto?
Sim, isso é sempre bom. Temos de manter uma mente aberta, mas certificarmo-nos de que o cérebro não cai. Há que ter espírito crítico, que é uma coisa que não nos ensinam a ter. Em relação à questão sobre se as terapias alternativa e convencional devem ser complementares, a coisa mais importante é demonstrar que é eficaz e razoavelmente seguro à luz da ciência. Nada é completamente seguro. Mas os benefícios devem ser maiores do que os riscos. E isso aplica-se a toda a medicina. Não pode haver dois pesos e duas medidas.