Nada fazia adivinhar a postura e o discurso que Rosa Grilo preparara para a sessão do julgamento desta terça-feira. Costas direitas, braços esticados e mãos colocadas em cima da grade que separa os arguidos dos advogados e juízes — por vezes, ia passando os dedos no cabelo, que baloiçava de um ombro para o outro. Quando todos estavam à espera que começassem as alegações finais, a viúva acusada de matar o marido anunciou que pretendia prestar mais declarações. Falou mais de três horas — como já antecipava o caderno preto, onde escrevera o discurso, que trazia consigo — e as alegações finais foram (novamente) adiadas para a próxima terça-feira.

Desta vez, ao contrário do que aconteceu na primeira sessão de julgamento, não foi preciso pedir-lhe para falar mais alto. Apesar de, às vezes, entre lágrimas, Rosa Grilo falou com clareza. Ainda assim, não conseguiu esclarecer algumas das dúvidas que tinha deixado ao coletivo de juízes na primeira sessão, quando quando apresentou a versão de que o marido foi assassinado por angolanos que lhe invadiram a casa em busca de diamantes.

Começando por descrever a felicidade que sentiu ao ser mãe e explicando que foi pelo filho que nunca se divorciou, a arguida voltou a insistir na sua inocência, mas falou em arrependimento:

Jamais mataria o pai do Renato. Durante 30 anos fomos todos felizes. Carrego uma culpa enorme por não ter dito à família do Luís que sabia que ele estava morto”, disse ao coletivo de juízes.

A juíza Ana Clara Baptista rapidamente a interrompeu para acusá-la de ser “incoerente”. “Sabendo que o seu marido estava morto, não transmitiu essa informação à polícia”, lembrou a magistrada, sublinhando que Rosa Grilo não só não denunciou “as pessoas que o mataram”, como “camuflou algumas das provas”.

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Ilustração da sala de audiências mostra António Joaquim a ser ouvido na segunda sessão (Ilustração: TERESA DIAS COSTA)

Além disso, a presidente do coletivo quis sublinhar outra contradição e pediu a Rosa Grilo para explicar como é que, depois de o marido lhe ter “morrido nos braços” e de ter vivido uma “cena de filme de terror” — como a própria garantiu em tribunal —, conseguiu “limpar a casa, deitar a roupa para o lixo e receber a família tranquilamente”. Rosa Grilo foi breve ao explicar que apenas cumpriu ordens dos angolanos, que continua a apontar como autores do crime:

Funcionei em modo zombie. Quem me conhece sabe como reajo em situações complicadas”

A forma protetora  — o que é “normal”, nas palavras da juíza — com que Rosa Grilo falou do filho — e que a levou a emocionar-se — levou o tribunal a questioná-la sobre a razão para ter deixado o menor em casa, na companhia de um dos assassinos do marido, enquanto, segundo a sua versão, foi participar o desaparecimento do triatleta à GNR. “Foi a consideração que fiz na altura com os poucos neurónios que tinha”, disse, para depois ouvir da juíza: “A senhora não tem poucos neurónios”. 

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A viúva acusou ainda a PJ de desconfiar dela e de António Joaquim desde o início e de não se ter “dado ao trabalho de procurar rigorosamente mais nada”. “A PJ agarrou nos dois idiotas que estavam a jeito”, disse, referindo-se a ela própria e ao seu amante, também julgado por suspeitas de ser o coautor do crime.

Rosa Grilo garantiu ainda, mais uma vez, que não sabia da existência dos seguros de vida no valor de meio milhão de euros, apontados como móbil do crime. Aliás, a arguida assegurou que, mesmo que soubesse, isso não a levaria a matar o marido. “Não há nada que pague a morte do meu marido“, disse entre lágrimas, fazendo depois um apelo ao tribunal:

“O meu filho já perdeu o pai. Não merece perder mais nada. Se me dissessem: ‘Diz que és culpada e sais por aquela porta’. Eu não dizia! Estou inocente da morte do meu marido.”

António Joaquim foi também chamado pela juíza, mas o arguido recusou prestar mais esclarecimentos. A última sessão do julgamento antes da leitura do acórdão ficou marcada para a próxima terça-feira, altura em que serão feitas as alegações finais.

Arguidos enfrentam pena até 25 anos de prisão

Rosa Grilo e o amante António Joaquim estão acusados pelo MP dos crimes de homicídio qualificado agravado, profanação de cadáver e detenção de arma proibida. O MP entendeu que o homicídio terá sido cometido entre o fim do dia 15 de julho de 2018 e o início do dia seguinte, no interior da habitação do casal.

Por forma a ocultar o sucedido, ambos os arguidos transportaram o cadáver da vítima, para um caminho de terra batida, distante da residência, onde o abandonaram”, lê-se na acusação a que o Observador teve acesso.

Os dois arguidos foram detidos há mais de um ano, no dia 26 de setembro do ano passado, por suspeitas de serem os autores do homicídio de Luís Grilo, tendo-lhes sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva três dias depois. Mas o caso veio a público muito tempo antes, quando, a 16 de julho, Rosa Grilo deu conta do desaparecimento do marido às autoridades, alegando que o triatleta tinha saído para fazer um treino de bicicleta e não tinha regressado a casa.

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Seguiram-se semanas de buscas e de entrevistas dadas por Rosa Grilo a vários meios de comunicação  — nas quais negava qualquer envolvimento no desaparecimento do marido, engenheiro informático de 50 anos. O caso viria a sofrer uma reviravolta quando, já no final de agosto, o corpo de Luís Grilo foi encontrado, com sinais de grande violência, em Álcorrego, a mais de 100 quilómetros da localidade onde o casal vivia — em Cachoeiras, no concelho de Vila Franca de Xira. Nessa altura, as buscas deram lugar a uma investigação de homicídio e, novamente, Rosa Grilo foi dando entrevistas nas quais que negava qualquer envolvimento no assassinato do marido.

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A prova recolhida levou a PJ a concluir que Luís Grilo foi morto a tiro, no quarto do casal, por Rosa Grilo e António Joaquim, e deixado depois no local onde foi encontrado. O triatleta terá sido morto a 15 de julho, por motivações de natureza financeira — o meio milhão de euros que o triatleta tinha em seguros — e sentimental. A tese de Rosa Grilo — que manteve em sede de julgamento — é, no entanto, diferente: segundo as declarações que prestou no primeiro interrogatório — e que veio a reforçar em várias cartas que enviou a partir da prisão para meios de comunicação — Luís Grilo terá morrido às mãos de três homens (dois angolanos e um “branco”) que lhe invadiram a casa em busca de diamantes.