Uma amiga de universidade de Luís Grilo, ouvida na qualidade de testemunha, esta terça-feira, disse em tribunal que o triatleta lhe confidenciou que estava a ser “ameaçado” por um “parceiro angolano”, duas semanas antes do homicídio.

Num discurso confuso que levou a juíza Ana Clara Baptista a exaltar-se, a testemunha teve de recuar antes de 2010 — altura em que Luís Grilo terá ido a Angola pela segunda vez — para explicar estas alegadas ameaças. Depois de regressar, os amigos encontraram-se para almoçar e a testemunha terá brincado: “Agora deves estar cheio de dinheiro”. Ao que ele terá respondido: “Alegremente se empobrece em Angola”.

Sem perceber exatamente a que o triatleta se estava a referir, a testemunha terá depois feito algumas perguntas sobre Angola porque também ela queria ir para lá trabalhar — segundo explicou, o triatleta tinha ido a esse país para instalar uma “antena de internet”. Além de perguntas sobre o custo de vida e alojamento, a testemunha recorda-se também de ter perguntado, em tom de brincadeira e para tentar perceber quem é que tinha sido a pessoa que lhe tinha arranjado o trabalho: “Quem foi o teu parceiro de negócios em Angola?” Mas, explica, Luís Grilo foi sempre “evasivo” nas respostas, tentando sempre fugir ao assunto — o que, à data, desvalorizou.

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Os anos foram passando e, mesmo depois de ter perdido o interesse em ir trabalhar para Angola, a testemunha conta que, sempre que se reencontravam para almoçar, perguntava como é que estava o “parceiro de Angola”, mais uma vez “na brincadeira”. “O Luís respondia sempre: ‘Vai bem, vai andando'”, conta. “Era uma private joke?”, perguntou a juíza. “Era uma pergunta de praxe”, preferiu chamar-lhe a testemunha.

Mas, no dia 28 de junho, duas semanas antes do homicídio, a resposta terá sido diferente:

— Sabes lá tu. Estou a receber o dinheiro e não faço o trabalho

— Então mas isso agora é assim? — terá perguntado a testemunha.

A amiga, entre lágrimas, explicou ao tribunal que terá então sido, no seguimento desta conversa, que o triatleta fez a revelação: “Já estou a receber ameaças”. A testemunha admitiu que nunca soube quem eram essa pessoa que, em brincadeira, apelidava de “parceiro angolano” ou se seria mais do que uma. A mulher adiantou que, naquele momento, ficou surpreendida com a leveza com que o amigo de faculdade lhe confidenciou aquela informação, levando a juíza a questionar se não o terá dito também na brincadeira — o que a testemunha negou: “Impossível”, disse. No entanto, pouco depois, a testemunha já disse que Luís Grilo lhe parecia enervado —acabando por se contrariar.

“Nem a Rosa sabe disso”, terá depois acrescentado Luís Grilo. A testemunha explicou ainda que tentou alertar o amigo e sugeriu que avisasse Rosa Grilo, mas que não fez mais perguntas porque teve “medo”.

Aquilo que não sei, não me faz mal. Não quis saber detalhes. Peço desculpa, se calhar agora dava jeito”, apontou.

Esta história foi revelada à Polícia Judiciária (PJ) assim que prestou o primeiro depoimento (de três), ainda durante a fase em que Luís Grilo estava desaparecido. Porém, revela, não quis assinar as folhas onde as suas declarações estavam transcritas — o que causou alguma perplexidade à juíza — também por medo. “Não assinei, mas passei a informação. Não me diga que só se investiga coisas que se assina?“, questionou, lamentando que a PJ não tenha tenha tentado saber quem era “o parceiro de Angola”.

Questionada sobre a publicação que fez no Facebook sobre esta conversa com Luís Grilo, dias depois da detenção da arguida, na testemunha explicou que só o fez porque viu “uma amiga arrastada no meio disto tudo”, referindo-se a Rosa Grilo. “Tenho de reescrever a minha vida toda se a Rosa for uma assassina”, apontou.

O testemunho ocupou uma parte da manhã de mais uma sessão do julgamento que senta no banco dos réus Rosa Grilo, viúva da vítima, e António Joaquim, o homem com quem a arguida tinha uma relação extraconjugal. Os dois são acusados de homicídio. A testemunha chorou durante o seu depoimento e mostrou-se nervosa.

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Além dessa amiga, durante a manhã, foi ainda ouvido o treinador de Luís Grilo e a empregada de limpeza da família, que confirmou mudanças no quarto do casal, depois do desaparecimento do triatleta. Durante a tarde, foi ouvido um maior número de testemunhas: seis no total, sendo que uma sétima começou a ser ouvida por videochamada, mas o depoimento foi interrompido e agendado para a próxima terça-feira — data da próxima sessão — , devido a problemas de som.

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Das nove testemunhas ouvidas esta terça-feira, a grande maioria foram amigos de Luís Grilo que praticavam triatlo com ele. Dois deles garantiram que a vítima lhes chegou a confidenciar que tinha sido a Rosa a reforçar os seguros e que, aliás, já há algum tempo insistia para o fazer. “A Rosa acabou de reforçar o meu seguro de vida. Andamos aqui nestes treinos malucos. Se acontecer alguma coisa, é uma forma de compensar”, terá dito, brincando de seguida: “Se acontecer alguma coisa, aquela gaja fica rica”.

Outro amigo recorda que, antes de morrer, Luís Grilo “só falava em seguros” e chegou a comentar que a mulher o tinha alertado para a necessidade de o fazer face ao perigo que corriam em provas e treinos. Lembra até que, meses antes do homicídio, um dos atletas do grupo de amigos foi atropelado. “A Rosa tinha razão em fazer os seguros”, terá dito Luís Grilo. Recorde-se que a arguida sempre afirmou saber da existência de apenas dois dos cinco seguros.

Rosa terá perguntado a amiga se achava que havia “alguma coisa estranha” na garagem. E falou de uma “zona escondida onde podia ter acontecido alguma coisa”

Uma amiga de treino (e mulher do treinador de Luís Grilo) recordou uma conversa que considerou estranha em tribunal. A testemunha explicou que, no sábado após o alegado desaparecimento, Rosa Grilo ter-lhe-á pedido para ir até à garagem. Lá, perguntou: “Achas aqui alguma coisa suspeita?”.

Sem perceber a que Rosa se referia, a testemunha reparou no carro que se encontrava ali estacionado, com as “janelas todas abertas e com a porta do porta-bagagem para cima”. Apesar de não ter comentado nada, acredita que a sua expressão facial quando olhou para o carro levou a arguida a justificar-se. Rosa Grilo terá então dito que tinha estado a lavar o carro porque tinha levado a cadela para as buscas e que esta se tinha sentido mal, acabando por vomitar — o que a testemunha, confessa, achou estranho uma vez que já era hábito a cadela andar no carro.

A amiga de Luís Grilo descreveu a conversa que se seguiu, em que Rosa Grilo lhe falou de “uma zona escondida onde podia ter acontecido alguma coisa”. A arguida terá mencionado ainda outra zona da garagem onde costumavam guardar lenha — uma zona em que a PJ não tinha reparado quando tinha estado ali a realizar diligências no âmbito do desaparecimento do triatleta. Rosa Grilo contou que a PJ não foi àquela zona, talvez por ser muito escondida, tendo sido ela própria a direcionar os inspetores.  A testemunha disse ao tribunal que não percebeu o que Rosa queria dizer com aquela conversa que achou “estranha”.

Morador diz ter visto três homens e uma mulher junto ao local onde foi encontrado o cadáver

Um morador de Alcórrego, a localidade no concelho de Avis onde foi encontrado o corpo de Luís Grilo, também foi ouvido por videochamada. A testemunha explicou que, quase diariamente, percorre a estrada junto à qual foi depositado o cadáver e contou que entre o dia 17 de 19 de julho — já depois do alegado homicídio — viu dois carros ali estacionados e três homens e uma mulher junto a eles.

Foi ao anoitecer e a testemunha garante que os viu no preciso local onde o corpo foi encontrado. Um dos carros era branco e o outro era um jeep de cor escura. Não sabe precisar a marca, mas sabe que era carros “topo de gama”. Ao ver ali aquelas pessoas, abrandou o carro. O morador conta que percebeu que as pessoas que ali se encontravam olharam na sua direção e que o perseguiram com o olhar até abandonar o local.

Arguidos enfrentam pena que pode ir até 25 anos de prisão

Rosa Grilo e o amante António Joaquim estão acusados pelo Ministério Público dos crimes de homicídio qualificado agravado, profanação de cadáver e detenção de arma proibida. O MP entendeu que o homicídio terá sido praticado entre o fim do dia 15 de julho de 2018 e o início do dia seguinte, no interior da habitação do casal.

Por forma a ocultar o sucedido, ambos os arguidos transportaram o cadáver da vítima, para um caminho de terra batida, distante da residência, onde o abandonaram”, lê-se na acusação a que o Observador teve acesso.

Os dois arguidos foram detidos há mais de um ano, no dia 26 de setembro do ano passado, por suspeitas de serem os autores do homicídio de Luís Grilo, tendo-lhes sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva três dias depois. Mas o caso veio a público muito tempo antes, quando, a 16 de julho, Rosa Grilo deu conta do desaparecimento do marido às autoridades, alegando que o triatleta tinha saído para fazer um treino de bicicleta e não tinha regressado a casa.

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Seguiram-se semanas de buscas e de entrevistas dadas por Rosa Grilo a vários meios de comunicação  — nas quais negava qualquer envolvimento no desaparecimento do marido, engenheiro informático de 50 anos. O caso viria a sofrer uma reviravolta quando, já no final de agosto, o corpo de Luís Grilo foi encontrado, com sinais de grande violência, em Álcorrego, a mais de 100 quilómetros da localidade onde o casal vivia — em Cachoeiras, no concelho de Vila Franca de Xira. Nessa altura, as buscas deram lugar a uma investigação de homicídio e, novamente, Rosa Grilo foi dando entrevistas nas quais que negava qualquer envolvimento no assassinato do marido.

A prova recolhida levou a PJ a concluir que Luís Grilo foi morto a tiro, no quarto do casal, por Rosa Grilo e António Joaquim, e deixado depois no local onde foi encontrado. O triatleta terá sido morto a 15 de julho, por motivações de natureza financeira e sentimental. A tese de Rosa Grilo é, no entanto, diferente: segundo as declarações que prestou no primeiro interrogatório — e que veio a reforçar em várias cartas que enviou a partir da prisão para meios de comunicação — Luís Grilo terá morrido às mãos de três homens (dois angolanos e um “branco”) que lhe invadiram a casa em busca de diamantes.

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[Artigo atualizado às 18h49 com os depoimentos prestados durante a sessão da tarde]